O Novo Banco enviou dois dossiês de crédito para o Ministério Público, relativamente a empréstimos feitos no tempo do BES, confirmou esta quarta-feira Nelson Martins, que apesar de ser ex-diretor de Auditoria Interna do BES (depois Novo Banco garantiu que só “a partir de início de 2014 houve uma consciência forte de que algo grave se estava a passar” no Banco Espírito Santo.

Os dois créditos em causa dizem respeito a créditos à empresa Prebuild, de João Gama Leão, e os ativos da Greenwoods, mais conhecidos como a “Mata de Sesimbra”. São dois casos em que, como explicou Nelson Martins na comissão de inquérito do Novo Banco, a instituição considerou que havia sinais de “práticas de tal forma irregulares e suspeitas” que teriam de ser as autoridades a investigar, até porque envolviam muitas pessoas que tinham saído do banco após a resolução e que, portanto, não podiam ser “confrontadas” internamente.

A 1 de abril, o Jornal Económico já tinha noticiado que o Novo Banco tinha enviado para a Procuradoria-Geral da República (PGR) um dossiê com a descrição de uma operação bancária envolvendo o projeto imobiliário em Sesimbra – o Greenwoods Ecoresorts, que trouxe cerca de duas centenas de milhões de perdas para o banco, e que teve origem ainda no tempo do Banco Espírito Santo (BES) liderado por Ricardo Salgado.

Segundo uma auditoria da Deloitte ao Novo Banco, concluída em 2020, o empreendimento turístico estava avaliado em 70 milhões quando passou para as mãos do banco em 2014 e o contrato de promessa de compra e venda fez-se por pouco mais de 20 milhões de euros. Só na data da resolução, em 2014, este ativo obrigou à constituição de imparidades de 156 milhões.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que é a Greenwoods?

Mostrar Esconder

A Greenwoods tinha sido constituída em 1998, sobretudo para fazer o desenvolvimento imobiliário do projeto “Mata de Sesimbra”, onde estão vários terrenos localizados no município de Sesimbra com mais de mil hectares e um projeto preliminar aprovado para construção de 650 mil metros quadrados em alojamentos turísticos, comércio e serviço. Em 2012, o projeto era detido em 50% pelo Grupo Pelicano, que era devedor do BES, e em 50% por uma entidade do GES (Espart).

O projeto, tal como recordava o Jornal Económico, tinha previsto o financiamento do BES em 1.100 milhões e resultava de um acordo entre a Pelicano e o Estado português (que à data tinha como ministro das Cidades e Ordenamento do Território Isaltino Morais). Estava previsto arrancar em 2005 e ficar concluído em 15 anos.

Quanto ao primeiro caso referido por Nelson Martins, da Prebuild, também esta terça-feira um outro responsável, Daniel Santos, antigo diretor de recuperação de crédito do Novo Banco, referiu que as “contas da empresa estavam a ser empoladas para não dar prejuízos, e portanto para esconder uma gestão completamente danosa”.

Nelson Martins, esta quarta-feira, indicou que não sabe mais sobre a participação ao Ministério Público: “estará eventualmente em investigação“, afirmou.

“A partir de início de 2014 há uma consciência forte de que algo grave se estava a passar”

Nelson Martins entrou para o BES em 1995, nos primeiros 10 anos no banco trabalhou na área de organização e direção de projetos e, sensivelmente, os segundos 10 anos na área de auditoria. Entre 2011 e 2014 foi diretor-coordenador de auditoria interna, funções que continuou a desempenhar depois, no Novo Banco, até junho de 2018.

O responsável, que neste momento está noutra empresa do grupo (GNB Gestão de Ativos), sublinhou, durante a sua audição parlamentar, que “a auditoria não era mais do que uma terceira linha de defesa” e que nunca “vai corrigir o que está mal – apenas diz o que está mal” e depois caberia aos gestores tomar medidas para corrigir os problemas.

A partir de início de 2014 há uma consciência forte de que algo grave se estava a passar, porque há uma grande solicitação do regulador para fazer trabalhos sobre a exposição do grupo BES ao GES. Fizemos muito trabalho no primeiro semestre para responder a essa solicitação de suporte e apoio solicitado pelo BdP”, indicou Nelson Martins.

Além de considerar, olhando para trás, que o trabalho feito pela auditoria era demasiado “granular” e prestava menos atenção às funções-chave de controlo de risco centrais, Nelson Martins recordou a “preocupação” que sempre suscitou a subsidiária em Angola, o BESA, cujas perdas acabaram por ser decisivas para o colapso da instituição.

“Do nosso ponto de vista, era claramente a subsidiária que nos preocupava mais, pela falta de informação que existia” e porque era a subsidiária que mais incumpria as orientações dadas pela auditoria. “Era exigido que o plano de auditoria fosse aprovado no BES, mas nunca o foi (depois de ser aprovado pelo conselho localmente), nunca tivemos acesso aos relatórios de auditoria, era sempre informação granular”, indicou Nelson Martins.

A partir de 2012, quando o inquirido assumiu a liderança, foi dada uma prioridade a esses problemas e à necessidade de reestruturar a auditoria em Angola, que “não tinha recursos suficientes, não tinha competências”.

Novo Banco esperava usar o valor dos apoios do mecanismo de proteção de perdas

Mas nesse ano há “uma alteração da administração em Angola, com a ida de Rui Guerra e, portanto, achou-se que era mais oportuno ir mais tarde”. “Então decidimos ir em 2013, mas nessa altura o diretor de auditoria e outras funções saíram do banco. Ficámos sem interlocutor”.

Ainda nesse ano, “há um processo de alteração de administração em Angola, foi nomeado um administrador com o pelouro, foi contratado um diretor novo, e esses passam a ser os meus interlocutores”, disse Nelson Martins. Mas à medida que se foi preparando o trabalho a “combinada ida a Angola” passou para 2014 – e… entretanto dá-se a resolução. Ou seja, “nunca fui a Angola“, confessou Nelson Martins.