As vigílias para reclamar o reforço da segurança para os ciclistas que circulam na via pública arrancaram esta manhã em Lisboa e no Porto, uma semana depois do acidente que provocou a morte de uma mulher de 37 anos grávida de cinco meses, um caso denunciado nas redes sociais. Por volta das 11h, na Avenida da Índia, na capital, era muita a adesão de ciclistas, tal como reportado pela Rádio Observador. Vários ciclistas surgiram acompanhados de uma flor (rosas, cravos e girassóis, são alguns dos exemplos) e, junto ao local do acidente, era possível avistar uma bicicleta branca rodeada de coroas de flores.

Em declarações à Rádio Observador, um velocipedista comentou que a “maior falta de segurança” que sente é “exatamente esta”, isto é, “o receio de ser abalroado por trás a grande velocidade.” Um outro ciclista disse estar a participar na vigília para “chamar a atenção para que sejam tomadas mais medidas de segurança”, admitindo que o maior medo “é que a qualquer momento possa acontecer o mesmo que aconteceu há uma semana”. “Todo o cuidado é pouco, mesmo cumprindo as regras. Existem sempre automobilistas que não têm noção do que é estar em cima de uma bicicleta”, defendeu.

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Ciclista grávida atropelada mortalmente em Lisboa

As regras sanitárias foram cumpridas na vigília de Lisboa, com os ciclistas a usarem máscaras e a manterem as distâncias, tal como reportado pelo jornalista da Rádio Observador. A vigília durou cerca de uma hora e concentrou algumas centenas de ciclistas, segundo um membro da organização.

Ciclistas fazem vigílias em várias cidades este sábado e reclamam mais segurança na estrada

No Porto, a vigília chegou aos Aliados e com um aviso: “Em cima de uma bicicleta vai uma vida”

Na Avenida dos Aliados, no Porto, ainda antes das 11h da manhã já um grupo de ciclistas se juntava para a vigília silenciosa agendada naquele local. De capacete colocado na cabeça, Manuel Barros, de 73 anos, vai trocando dois dedos de conversa com todos. Ativista assumido “da utilização de bicicleta como meio de transporte”, Manuel diz não ter dúvidas que as cidades que toda a gente quer são “cidades onde as pessoas se possam sentir seguras, seja a andar de bicicleta, a pé ou de carro”. E, acrescenta, isso não é a realidade atual.

“É preciso mudar muita coisa. Tem que se mudar as infraestruturas, porque o Porto, e quase todas as cidades foram desenhadas a pensar no automóvel e tudo está feito para o carro fluir normalmente”, explica, acrescentando que há medidas que são essenciais para uma maior segurança nas estradas: “Redesenhar as vias e estabelecer a velocidade máxima de 30 km/h nas ruas secundárias das cidades, porque se houver um atropelamento, um choque entre automóvel e peão ou ciclista a 30 km por hora, há 80% de probabilidade de a vítima não ter ferimentos graves. Se for a 50 km/h, a probabilidade de haver um acidente grave ou uma morte é muito maior”.

Para Manuel Barros, as cidades que toda a gente quer são “cidades onde as pessoas se possam sentir seguras, seja a andar de bicicleta, a pé ou de carro” (OCTÁVIO PASSOS/OBSERVADOR)

Mesmo em frente ao edifício da Câmara Municipal do Porto, os automóveis que iam passando contrastavam com os mais de 70 participantes ali parados, com a respetiva bicicleta ao lado. Pais, filhos, equipas desportivas (como 30 jovens de BTT de Matosinhos) e utilizadores diários deste meio de transporte marcavam presença. Todos pediram mais segurança, infraestruturas com condições e “ruas seguras já”.

Na hora do início da vigília, o grupo de manifestantes sentou-se no chão de uma das ruas da Avenida dos Aliados — que foi cortada ao trânsito pela PSP — e fez silêncio. Durante cerca de 30 minutos, um manto de bicicletas deitadas foi visível na estrada, em homenagem às vítimas da sinistralidade rodoviária e também como exigência de mudança. Paulo Vasconcelos, de 43 anos, levou os filhos Tiago e André, de nove e seis anos, para também participarem. “O Porto também não é uma cidade segura, nem para andar a pé nem para andar de bicicleta”, lamenta ao Observador.

Paulo Vasconcelos, de 43 anos, levou os filhos Tiago e André, de nove e seis anos, para participarem na vigília silenciosa (OCTÁVIO PASSOS/OBSERVADOR)

No percurso de bicicleta que Paulo costuma fazer com os filhos — de casa para a escola — “é preciso ter mil cuidados”. “É preciso muita coragem para andar na estrada. E não deveria ser preciso coragem para andar de bicicleta na estrada, na cidade”, acrescenta. O problema que diz mais sentir como utilizador de bicicleta na cidade é comum ao de muitos outros: o excesso de velocidade dos automóveis.

Os carros andam muito rápido e circulam no mesmo espaço que as bicicletas. Andar com uma criança, que só por si já exige muita atenção, acaba por ser muito difícil. Temos a segurança possível que nos cabe — equipamento de proteção e evitar as horas de maior trânsito — , mas se tivéssemos melhores infraestruturas andavam muito mais pessoas na estrada, com mais segurança, e morriam menos pessoas”, esclarece Paulo Vasconcelos.

Para Ana Poças, de Vila Nova de Gaia, está na altura de “desnormalizar as mortes nas estradas”. “Todas as semanas são noticiados acidentes e são vistos como coisas quase inevitáveis, que fazem parte. Mas, na verdade, isto pode ser facilmente evitado, controlando as velocidades, tendo as velocidades muito mais baixas, como estão a fazer em Espanha. E isso é essencial para fazer em Portugal, não só para as bicicletas mas para toda a gente andar com mais segurança nas estradas”, explica ao Observador, enquanto segura um cartaz onde se lê “Pessoas primeiro”.

Para Ana Poças, de Vila Nova de Gaia, está na altura de “desnormalizar as mortes nas estradas” (OCTÁVIO PASSOS/OBSERVADOR)

Nesta vigília, também os desportistas marcaram presença para reivindicar soluções que tornem as estradas mais seguras. Rui Leão, Luís Sousa e Rui Silva vieram de Paços de Ferreira até ao Porto de bicicleta, um percurso de cerca de uma hora, “para ver se realmente se começa a fazer alguma diferença”.

“As pessoas esquecem-se que em cima de uma bicicleta vai uma vida e, por muitas vezes, todos nós já apanhamos sustos que podem ser evitados por parte do condutor do veículo”, refere Rui Silva, acrescentando que é necessário também investir na sensibilização, criar alterações ao código da estrada e novos espaços dedicados à circulação de velocípedes.

Rui Leão, Luís Sousa e Rui Silva vieram de Paços de Ferreira até ao Porto de bicicleta, um percurso de cerca de uma hora (OCTÁVIO PASSOS/OBSERVADOR)

No final da vigília, e em forma de homenagem, os aplausos foram acompanhados do som das campainhas das bicicletas. E ficou também o pedido da organização do evento: “Não vamos esperar que volte a morrer alguém. As cidades são para viver, não são para se atravessar a alta velocidade”. Em Braga, a vigília será à noite, pelas 22h, na Praça da República.