Não há espaço para tudo, por isso vou concentrar a análise no que se passou no Ministério das Finanças.

Tudo começou com o insólito anúncio de uma redução colossal de IRS em torno dos 1500 milhões de euros, mas que, em menos de 24 horas, transformou-se numa quase insignificante redução daquele imposto. Os 1500 milhões tinham em conta a redução, já em vigor, concretizada pelo anterior governo do PS, aprovada no OE 2024. Portugal inteiro percebeu que Sarmento e Montenegro tentaram cumprimentar com o chapéu alheio e escapar à prometida colossal redução fiscal. Foi feio, muito feio, e desnecessário.

Mas não foi só. Aquando da discussão do Programa de Governo, Miranda Sarmento levanta uma questão antiga, e já noticiada, de um “surpreendente resultado negativo” do Banco de Portugal. Apesar de as contas desta instituição só virem a ser formalmente apresentadas a 16 de maio, este facto não tem nada de novo. A única novidade é a popularucha intervenção do ministro das Finanças, insinuando mais um facto que poderia atingir o PS. Mas quem está atento aos mercados financeiros sabe que os prejuízos do Banco de Portugal são consequência das condições de mercado, designadamente da inflação e consequente aumento das taxas de juro que impactou os bancos centrais, na medida em que estes tiveram de pagar juros à banca comercial muito mais elevados do que os previstos. Por isso, todos os bancos centrais tiveram prejuízos, incluindo o BCE. Outra vez feio, muito feio, e desnecessário.

Na mesma linha, e arrastado pelo parceiro de coligação, Miranda Sarmento resolveu colocar na agenda política a ideia de que a trajetória de redução da divida pública portuguesa, que caiu abaixo dos 100% do PIB, era absolutamente artificial. A razão desta conclusão foi repescada de um relatório da UTAO que faz referências à exposição do Fundo de Garantia da Segurança Social à dívida pública. Segundo o Governo a exposição é excessiva. Analisemos então a relação entre este fundo e a divida pública. O fundo foi criado na década de 90, mas foi durante o Governo PSD/CDS que Victor Gaspar assinou uma portaria, um dia antes de sair de funções no Terreiro do Paço, a permitir que a exposição deste fundo à divida pública pudesse atingir os 90%, sendo que já era obrigatório ser de, pelo menos, 50%! E foi em torno de 50% que o fundo adquiriu divida, bastante abaixo do que se passava em 2013 que rondava os 78%. Incompreensível a critica ao Governo anterior e, por isso, mais uma vez, foi feio, muito feio, e desnecessário.

Finalmente, chegamos à acusação do ministro das Finanças sobre um alegado descontrolo das contas públicas. Miranda Sarmento trouxe o tema, com grande mediatismo e alarme, baseando-se num relatório da DGO sobre um défice em contabilidade pública, em comparação com o ano anterior. Há várias questões inaceitáveis: 1) o alarme insustentável; 2) a confusão deliberada entre  conceitos de contabilidade pública e contabilidade nacional, levando os eleitores a acreditarem que há, efetivamente, défice; 3) a insinuação sobre a contração de despesas com fins eleitoralistas, quando estas estavam todas previstas no OE2024; 4) a omissão das receitas extraordinárias ocorridas no período homólogo (transferência de mais de 3 mil milhões do fundo de pensões da CGD para a Caixa Geral de Aposentações); 5) a omissão do tipo de despesa em causa, designadamente o aumento extraordinário de pensões ou aumentos de salários, mas também algumas que só ocorrem uma vez, como o caso dos 500 milhões para o défice tarifário. Quando se analisam os resultados da DGO dos últimos 8 anos a conclusão a que chegamos é que aconteceu sempre assim: aumento do défice em contabilidade pública no primeiro trimestre. Por isso, esta atitude do Governo é tremendamente irresponsável. Vale a pena perguntar: o que dirá o ministro das Finanças às agências de rating ou às instâncias europeias? Que o país “está de tanga” prejudicando, assim, os portugueses? Tudo isto é feio, muito feio, tudo isto é desnecessário!

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR