Em qualquer edição dos Jogos Olímpicos (JO) existe sempre uma certa dose de romantismo. Mas esse romantismo encobre, por vezes, verdades um pouco mais obscuras. Tão obscuras que se tornam, em certa medida, cómicas. Em Tóquio, qualquer pessoa que tenha chegado ao país para estar envolvida na competição teve de passar por um longo (e penoso) processo de vigilância e segurança, especialmente por causa da Covid-19.

E quem sai da bolha olímpica — como os atletas, treinadores ou jornalistas, que são mais de 50 mil pessoas — pode mesmo vir a ser expulso, tal como aconteceu a duas judocas da Geórgia, no passado dia 31 de julho. Pior: essa expulsão pode acontecer porque um qualquer cidadão, munido de um telemóvel, denunciou um atleta.

Se esta competição esteve próxima de ser cancelada, neste momento, já na sua segunda semana, e com a pandemia controlada na aldeia olímpica — e não tanto na cidade de Tóquio — a organização dos Jogos parece querer impor uma certa autoridade que só encontra paralelo em países vizinhos como a China ou a Coreia do Norte.

As comparações podem ser extremas, por isso, é importante olhar para o que está escrito e foi definido tanto pelas autoridades japonesas como pelo Comité Olímpico Internacional (COI). Primeiro, vejamos o que diz o “Livro Branco” dos JO. Os atletas estão proibidos de fazer turismo em Tóquio ou de comer em restaurantes fora da Aldeia Olímpica, por exemplo. Nem um passeio é permitido logo nos primeiros 14 dias em Tóquio. Quem infringir as regras, arrisca ir para casa mais cedo.

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É que fora desta bolha — onde mais de 80% da população está vacinada, tem de fazer testes ou cumprir isolamento profilático — está uma cidade a lidar com mais uma fase crítica da pandemia que obrigou a um quarto confinamento. Portanto, “duas cidades em Tóquio”, como lhe chama o jornal El Mundo ou a agência Reuters. No exterior da bolha olímpica, a taxa de vacinação baixa consideravelmente: cerca de 29% da população tem a vacinação completa e apenas 11% foram vacinados com uma dose da vacina contra a Covid-19.

O que vai na mala do Observador para os Jogos Olímpicos

Ora, além do controlo apertado, também há cidadãos que “ajudam” as autoridades a identificar quem foge à bolha, tal como relatado pelo periódico espanhol. Nesse sentido, o jornalista da RTP, João Pedro Mendonça, relatou à MAGG que está em prática um incentivo das autoridades para que os cidadãos fotografem e exponham nas redes sociais quem foge ao controlo olímpico.

Existem também relatos, citados por vários jornais internacionais, de que quem chegou à aldeia olímpica teve de instalar uma aplicação com tracking GPS. Portanto, praticamente todos os movimentos são controlados para que não ocorram falhas no controlo sanitário daquele país. Ou até histórias de atletas que acabam mesmo por desaparecer, como foi o caso do halterofilista da Uganda, Julius Ssekitoleko, que acabou por ser encontrado pelas autoridades japonesas.

O atleta queria permanecer no Japão para encontrar melhores condições de trabalho e agora pode acabar sancionado. Mas há também quem nem sequer consiga ver a luz do dia, como a delegação holandesa, que protestou contra as regras de quarentena, tal como descrito pelo The New York Times. Rumores, histórias, relatos, tudo junto num pacote pandémico que balança entre o medo de uma explosão de casos e o sucesso deste grande evento.

A verdade é que a competição continua e o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, que vai a eleições este ano, referiu que não se deve culpar os Jogos por causa do crescimento de infeções na cidade. Pois bem, mas os casos andam acima dos três mil por dia, batendo recordes diários, sendo que, antes de o pessoal olímpico entrar em Tóquio, os números rondavam os 700 novos casos diários. A recomendação é que a população veja os seus atletas em casa através da televisão. E caso apanhe algum a fugir à bolha, já agora, reporte essa informação às autoridades nipónicas.

Mais interessante é olhar para outro artigo do NYT, que escreve que a presença dos Jogos na cidade japonesa está a fazer com que a população relaxe relativamente às medidas sanitárias adotadas, mesmo em estado de emergência. Existem restaurantes, que, mesmo obrigados a fechar às 20h00, desafiam o controlo, até na proibição de vender álcool. Até porque menos de 200 casos de infeção foram reportados dentro da bolha olímpica. Ainda assim, o Comité Olímpico Internacional avisou que nenhum destes casos “saltou” para a população do Japão, tal como escrito pelo NYT.