O Banco de Portugal cortou as projeções de crescimento da economia nacional tanto para 2022 como para 2023, como o governador Mário Centeno já tinha antecipado na entrevista ao Observador publicada na sexta-feira. A previsão de crescimento para 2022 foi revista em baixa em quase um ponto percentual, para 4,9%, contra os 5,8% estimados em dezembro. Já a previsão para a subida dos preços mais que duplicou, de 1,8% para uma inflação de 4%. Mas num cenário adverso a economia pode crescer só 3,6% e a inflação aproximar-se de 6%.

A economia portuguesa “mantém um perfil de crescimento em 2022-24, num contexto de incerteza acrescida associada ao conflito na Ucrânia“, escreve o Banco de Portugal no comunicado sobre o Boletim Económico de Março, apresentado em conferência de imprensa com Mário Centeno. Uma conferência de imprensa onde Mário Centeno não quis fazer quaisquer comentários sobre a escolha de António Costa para as Finanças, Fernando Medina: “o próximo ministro das Finanças é o próximo ministro das Finanças e não há outro comentário que possa fazer“.

“O Produto Interno Bruto (PIB) cresce 4,9% em 2022, 2,9% em 2023 e 2,0% em 2024, beneficiando de maiores recebimentos de fundos da União Europeia e da manutenção de condições financeiras favoráveis”, afirma o Banco de Portugal, que em dezembro tinha apontado para uma expansão do PIB de 5,8% em 2022 e de 3,1% em 2023.

A alteração mais drástica das previsões está, porém, na inflação. A projeção de subida dos preços aumenta em 2022 de 1,8% para 4% “em reflexo da subida do preço das matérias-primas e dos constrangimentos nas cadeias de abastecimento globais”, diz o Banco de Portugal, confiante que este efeito irá corrigir-se em 2023, com a taxa de inflação a baixar para 1,6% em 2023 (e o mesmo em 2024).

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A invasão da Ucrânia pela Rússia contribui para limitar o dinamismo económico e para intensificar as pressões inflacionistas”, afirma o Banco de Portugal.

A subida dos preços dos bens energéticos é estimada em 14,2% (para 2022), mais do que o dobro dos 6,3% que foram estimados em dezembro, antes do conflito na Ucrânia que começou há um mês e tem feito acelerar a subida das matérias-primas energéticas. Porém, mesmo excluindo o impacto direto da subida dos preços dos bens energéticos, Portugal deverá ter um aumento de 3,1% no índice de preços no consumidor.

Os riscos para a inflação pendem “claramente em alta“, reconheceu Mário Centeno, dizendo na conferência de imprensa em Lisboa que o Banco de Portugal tem ficado “surpreendido” pela evolução da inflação. Já os riscos para o crescimento e a atividade são predominantemente “em baixa”.

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Relativamente às previsões para o PIB, a componente que coloca mais pressão negativa sobre o crescimento é o consumo privado, que irá subir 3,6% em 2022 (menos do que os 4,8% anteriormente previstos). Já o consumo público terá um contributo ligeiramente melhor, com um crescimento de 1,5%. O impulso positivo maior será dado pela formação bruta de capital fixo, em termos simples o investimento, que vai saltar 9,2%, segundo o Banco de Portugal (previam-se 7,2% em dezembro). Também as exportações terão um desempenho melhor do que se previa: sobem 14,2% em 2022, o que inclui uma previsão de recuperação no turismo.

Estas são projeções que “assumem que não se verifica uma escalada do conflito e que o impacto destes fatores e dos constrangimentos de oferta global se dissipam no médio prazo”, salienta o supervisor financeiro português.

Cenário adverso: PIB pode subir (só) 3,6% e inflação pode aproximar-se de 6%

Caso exista essa escalada do conflito, o Banco de Portugal decidiu (tal como tinha feito o BCE) simular um cenário adverso em que o PIB cresce apenas 3,6% (o que coincide com o tal efeito do carry over que impulsionaria o PIB anual mesmo com crescimentos trimestrais, em cadeia, nulos) e a inflação pode chegar aos 5,9% em 2022.

Em concreto, esse é um cenário onde há “imposição de sanções adicionais sobre a Rússia e o prolongamento das tensões geopolíticas, causando novas subidas dos preços das matérias-primas, disrupções, nas cadeias de valor global, uma amplificação das fricções financeiras e maior incerteza”. Existe, ainda, diz o Banco de Portugal, “a possibilidade de uma interrupção das importações de gás oriundas da Rússia, com efeitos que se dissipam à medida que ocorre a substituição por outras fontes de energia. No entanto, o preço do gás mantém-se elevado ao longo do horizonte”.

A revisão das estimativas por parte do Banco de Portugal vem na sequência das novas projeções divulgadas pelo BCE no último dia 10 de março. Nesse momento, os economistas do BCE passaram a prever um crescimento de 3,7% do produto interno bruto (PIB) da zona euro em 2022, significativamente abaixo dos 4,2% previstos em dezembro. Mas os indicadores existentes continuam a apontar para uma retoma “robusta” da economia, afirmou a presidente Christine Lagarde, que lembrou que a pandemia tem tido um impacto (negativo) cada vez menor.

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Para 2023, a previsão do BCE também foi reduzida: 2,8% (versus 2,9% previstos em dezembro). Relativamente a 2024, mantêm-se os mesmos 1,6%. Mas os “riscos” na economia da zona euro “pendem para o lado negativo”, ou seja, têm maior probabilidade de surpreender pela negativa do que pela positiva, reconheceu o BCE.

Sobre a inflação, como já se esperava, as previsões foram revistas em alta – e não foi pouco. Em 2022, a inflação será em média de 5,1%, antecipa o BCE, duas vezes e meia o objetivo de médio prazo do banco central. A previsão anterior era de 3,2%.