A audição foi pedida com “extrema urgência” pelo Chega para que Fernando Medina desse explicações sobre o IVA zero e os outros apoios aprovados pelo Governo. Mas “duas novas situações” acabaram por desviar, no arranque, o âmbito da audição do ministro das Finanças, que teve lugar esta terça-feira no parlamento: as declarações do administrador financeiro (CFO) da TAP na comissão de inquérito à tutela política da gestão da companhia, e a notícia, avançada esta segunda-feira pela CNN, de que a mulher de João Galamba, Laura Cravo, mudou de departamento no Ministério das Finanças, mas a sua nomeação não foi publicada em Diário da República.
A questão deu origem ao primeiro confronto da audição, com o ministro das Finanças a dizer a Rui Afonso, do Chega, que “vamos daqui a poucos anos celebrar os 50 anos de 25 abril, data que não lhe diz muito mas diz muito à generalidade dos portugueses” e que concedeu “direitos de igualdade entre mulheres e homens”. “Quando se refere a uma pessoa, diga o nome e não a sua condição marital. Estamos a falar da doutora Laura Cravo”. Medina voltou a atacar o Chega, mas também o PSD, pela “tentativa de fazer combate político com familiares de quem tem cargos políticos”, classificando a iniciativa como “deplorável”. “Não baixarei a esse nível”.
Sobre a questão da nomeação de Laura Cravo, Medina explicou que a mulher de João Galamba não foi nomeada nem será. “É a primeira vez, que me lembre, que um político é criticado por adversários não por nomear alguém, mas por não nomear. A doutora Laura Cravo não foi nomeada, não foi pré nomeada e não tem uma nomeação à espera”, afirmou.
O ministro referiu que Laura Cravo é quadro da administração pública e que ao abrigo do regime de mobilidade está a desempenhar funções noutro cargo que não o de origem, que é na CMVM. Medina revelou que Laura Cravo está no Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) do Ministério das Finanças desde 1 de novembro de 2020, e que passou da CMVM para este gabinete no âmbito da preparação da presidência portuguesa da UE, no primeiro semestre de 2021.
“Não foi nomeada diretora de departamento, não vai ser nomeada pela razão muito clara e natural de que o cargo será provido em concurso público, quem quiser candidatar-se poderá, o cargo não está preenchido”.
“Está a questionar o ministro das Finanças por uma nomeação que o diretor geral não fez. Porque Laura Cravo é circunstancialmente mulher de João Galamba”.
O tema voltaria à audição pelo PSD. O deputado Hugo Carneiro quis saber se Medina participou na escolha de Laura Cravo e qual exatamente a função desempenhada no GPEARI. Medina afirmou que não, uma vez que a passagem de Laura Cravo para as Finanças aconteceu antes da sua nomeação para ministro, que teve lugar em março de 2022. A passagem “foi feita no quadro de colaboração entre dois organismos da administração pública. Há centenas, para não dizer milhares de profissionais, que desempenham funções técnicas noutros departamentos do Estado, isso decorre da solicitação dos serviços”, detalhou.
Explicitou ainda que a nomeação não foi publicada em Diário da República porque Laura Cravo “não é dirigente da administração pública” nem é diretora de departamento. “Não há nomeação porque, sendo um cargo de direção intermédio, haverá um concurso público que está em preparação”. E no qual Laura Cravo não poderá participar por ter um contrato individual de trabalho, explicou.
O PAN, por Inês Sousa Real, também tocou no tema da não nomeação da mulher de Galamba (com o PS a criticar que a audição “escorregasse para os casos e casinhos”), levando Medina a lamentar que “não está em causa o currículo de Laura Cravo mas sim com quem é casada”, e que haveria “formas mais fáceis” de obter a explicação sobre a não nomeação “do que inquirir o ministro das Finanças no parlamento”, mas “o combate político faz-se sobre com quem é mulher de quem. Qualquer assessor podia ter explicado isto, mas percebo porque quis fazer a pergunta aqui”.
TAP: “IL e PSD criaram uma mentira a meu respeito”
As questões foram colocadas por João Cotrim de Figueiredo, deputado da IL, que não ficou para a segunda ronda para ouvir as respostas. A IL quis saber quem recomendou Alexandra Reis às Finanças para que fosse nomeada secretária de Estado do Tesouro, mas Medina foi mais além nas respostas, e iniciou uma troca de palavras acesa com Paulo Moniz, do PSD, que faz parte da CPI à TAP, e com a bancada vazia da IL.
“O senhor deputado Cotrim Figueiredo e os deputados do PSD foram propalando a tese que eu ia invocando que eu não sabia, relativamente à indemnização da eng. Alexandra Reis. Passaram-se meses, deu-se o pronunciamento de todos os responsáveis, da TAP, do Governo. Todos foram unânimes no ponto de que nem a minha equipa nem a equipa anterior tinham tido conhecimento do processo. Não houve uma voz que dissesse o contrário. Ao longo destes meses passou-se uma mentira propalada pela IL”.
A palavra “mentira” causou agitação na bancada do PSD, levando Medina a insistir que foi “muitas vezes” sujeito à “mentira”. “A IL e o PSD criaram uma mentira a meu respeito, que era dizer que eu tinha tido conhecimento”, atirou, afirmando que “de todas as pessoas que falaram” ninguém disse que o ministro sabia da indemnização. “Veremos”, respondeu Paulo Moniz. “Passaram meses. A bomba deve estar a explodir, tem de ter atenção se não explode desse lado”, retorquiu Medina.
Já sobre a contratação de Alexandra Reis, o ministro disse que “resultou de um conjunto de informação e de opiniões que tive ao longo de bastante tempo, fui apreciando o seu percurso profissional, o que motivou esse convite. Penso que depois da audição da eng. Alexandra Reis os senhores deputados percebem melhor a razão da sua escolha. Continuo a achar que tinha essas competências, daí ter feito esse convite”, rematou.
Sobre a audição de Gonçalo Pires, CFO da TAP, que o Chega acusa de ter “mentido” nas declarações que fez, Medina disse apenas ter “respeito pela CPI [comissão parlamentar de inquérito]”, que “vai fazer um conjunto vasto de audições” e “pode chamar pessoas para prestar esclarecimentos”. O ministro notou apenas que “a CPI fará o seu trabalho” e que “não é o tempo de o Governo tirar conclusões adicionais às que tirou antes do início da CPI”. O administrador financeiro é, por regra, da escolha do Ministério das Finanças. Gonçalo Pires disse desconhecer o valor da indemnização, mas Christine Ourmières-Widener (CEO) foi dizendo que o gestor esteve a par das negociações, ainda que admita não conseguir precisar se o valor foi discutido com Gonçalo Pires.
A audição do ministro das Finanças surge na sequência de um pedido potestativo do Chega, que quis ouvir Medina com “extrema urgência” a propósito das medidas de combate à inflação.
O Governo anunciou no passado dia 24 de março uma série de novos apoios às famílias, que incluem um cabaz de produtos com IVA zero, um apoio mensal de 30 euros e mais 15 euros por criança e um aumento de 1% para salários na função pública.