“O oceano não é um parque infantil”; “Não é um destino Disneyland”; “O Titanic reclamou mais cinco vítimas, 111 anos depois”. Continuam a somar-se as reações à “implosão catastrófica” que provocou a morte dos cinco passageiros a bordo do Titan, submersível da OceanGate, que seguia numa visita aos destroços do Titanic e que desapareceu a 18 de junho.

Michal Guillen, cientista, jornalista e o primeiro correspondente de televisão a fazer uma reportagem sobre uma viagem rumo aos destroços, há 23 anos, em 2000, pediu uma “pausa” no turismo em águas profundas, lembrando os perigos associados às mesmas, e, numa referência ao local dos destroços do navio, apelou ao respeito pelo sítio onde estão também as vítimas mortais daquele naufrágio.

“Acho que devemos fazer uma pausa, descobrir o que aconteceu para que possamos consertar no futuro, mas também pensar no perigo e pensar na componente sagrada deste local. Não é um passeio. Não é um destino Disneyland”, disse, em entrevista à CNN Internacional.

Guillen lembra também os perigos do mar: “Em primeiro lugar, o mar é um lugar perigoso. Isto não é um parque infantil. O oceano é turbulento e pensei nisso quando estava a olhar para as águas do Atlântico Norte. São escuras, frias; só querem engolir-nos se cometermos o menor erro”, começou por apontar.

[Já saiu: pode ouvir aqui o penúltimo episódio da série em podcast “Piratinha do Ar”. É a história do adolescente de 16 anos que em 1980 desviou um avião da TAP. E aqui tem o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto episódios. ]

“Em segundo lugar, o que tirei da minha viagem até lá foi que isto não é apenas sobre um naufrágio. Desci a pensar que iria apenas relatar um naufrágio, mas o que me atingiu — e ocorreu, especialmente naquele momento de oração — foi que pessoas perderam as suas vidas. Homens, mulheres e crianças. Mais de mil. Este é o local de descanso final. É solo sagrado”.

A expedição de Guillen, que na altura era editor de ciência da americana ABC, esteve longe de ser pacífica: o submersível em que seguia foi apanhado por uma corrente subaquática e ficou preso a uma hélice do Titanic.

“Ao aproximarmo-nos da área de popa [do Titanic], passando por cima do que é chamado de campo de detritos, fomos apanhados por uma corrente subaquática muito rápida. E acabámos por ficar presos na hélice”, explicou Guillen à BBC.

“De repente, houve uma batida. Sentimos essa colisão e, de repente, vieram os detritos: pedaços enormes, pedaços enferrujados do Titanic começaram a cair sobre nós”, lembrou, detalhando que acreditava que iria morrer. Duas horas depois, o jornalista e o resto da tripulação, composta por mais dois elementos, conseguiu regressar à superfície.

“É tempo de considerar seriamente se viagens com humanos aos destroços do Titanic devem terminar”, diz Titanic International Society

A Titanic International Society questionou mesmo a continuidade das viagens em submersíveis para visitar os destroços da embarcação: “O Titanic reclamou mais cinco vítimas, 111 anos depois”, escreveu Charles Hass, presidente da organização sem fins lucrativos, na página oficial de Facebook.

“É tempo de considerar seriamente se viagens com humanos aos destroços do Titanic devem terminar, em nome da segurança”, questiona, indicando que há já “pouco para aprender com os destroços” da embarcação, lembrando que existem veículos autónomos capazes de dar continuidade ao trabalho em curso.

O presidente da organização homenageia, no longo texto, Paul-Henri Nargeolet, um dos passageiros que seguia no Titan, um francês de 73 anos que dedicou a sua vida à investigação sobre o Titanic — era considerando um dos maiores especialistas do naufrágio da embarcação, tendo liderado várias expedições aos destroços do navio, incluindo a primeira , em 1987.

Hass lembrou, precisamente, que este trouxe “mais de um quarto de século de experiência, fazendo mais mergulhos nos destroço do Titanic do que qualquer outra pessoa na Terra”, escreveu. “Ajudou a reescrever partes significativas da história do navio”.

No mesmo texto, o presidente da organização comparou o mediatismo e “interesse mundial” na tragédia à que foi vivida com a missão Apollo 13, em 1970, quando os astronautas ficaram sem oxigénio durante a expedição (conseguindo, no entanto, regressar à Terra) para a Lua. “Por um momento, as preocupações terrestres tornaram-se insignificantes.”