João Paulo II deve ser decerto o Papa ao qual foram dedicados mais filmes e séries de televisão biográficas, tendo sido interpretado por atores como Albert Finney (no pioneiro telefilme “Pope John Paul II”, de 1984), Jon Voight (na minissérie “Pope John Paul II”, de 2005), Thomas Kretschmann (no telefilme “Have no Fear: The Life of John Paul II”, em 2005) e pelo seu compatriota Piotr Adamczyk em duas minisséries polacas rodadas em 2005 e 2006. Já o Papa Bento XVI foi objeto de um par de documentários biográficos e interpretado por Anthony Hopkins no filme de Fernando Meirelles “Os Dois Papas” (2019), onde Jonathan Pryce personifica o Papa Francisco.

O atual Sumo Pontífice já teve igualmente a sua quota parte de fitas biográficas, caso de “Francisco, o Papa do Povo”, de Daniele Luchetti (2015), com o ator argentino Rodrigo de la Serna, e da produção argentina “Bergoglio, el Papa Francisco” de Beda Docampo Feijoó (2015), em que é interpretado por Dario Grandinetti. O documentário também se interessou por ele, tendo “Francesco” sido rodado em 2020 pelo realizador russo-israelita Evgeny Afineevsky. Como foi lançado nos tempos incertos e confusos do início da pandemia, o filme passou quase completamente despercebido.

Mas antes, em 2018, apareceu “Papa Francisco: Um Homem de Palavra”, de Wim Wenders, que foi exibido no Festival de Cannes. O realizador alemão teve um inédito acesso exclusivo e sem restrições ao Vaticano e à intimidade do Papa, que em boa parte do filme aparece a falar diretamente para a câmara do autor de “Paris, Texas”. “Papa Francisco: Um Homem de Palavra” é composto de imagens de viagens do Papa, de discursos públicos e de declarações feitas apenas para o filme, e o seu tom é diligente e simpaticamente reverente para com o biografado. Wenders optou também por não dar quase nenhumas informações sobre a vida de Jorge Bergoglio antes de ter chegado ao Vaticano.

[Veja o “trailer” de “A Viagem do Papa Francisco:]

O documentarista italiano Gianfranco Rosi (“Sacro GRA”, “Fogo no Mar”) é o mais recente a interessar-se pela figura do Papa Francisco, com “A Viagem de Francisco”, que tem sobre os dois títulos anteriores a vantagem de ser rodado após o Papa ter feito 37 viagens a 53 países (incluindo a sítios em que Rosi situou alguns dos seus documentários, como o citado “Fogo no Mar”, na ilha de Lampedusa, destino de milhares e milhares de migrantes ilegais) nos últimos 10 anos. Rosi teve assim muito por onde escolher para fazer “A Viagem do Papa Francisco”, composto na maior parte por imagens de arquivo, a que o realizador acrescentou outras rodadas por si em duas ou três viagens papais que acompanhou.

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Sem narração nem a intromissão do realizador, como aliás é costume de Gianfranco Rosi, ao contrário do que acontece em “Francesco” e “Papa Francisco: Um Homem de Palavra”, “A Viagem do Papa Francisco” é uma montagem de muitas imagens das viagens do Papa por todo mundo, em várias circunstâncias (visitas ou funções oficiais, catástrofes, etc.), e de excertos de discursos e declarações ao jornalistas. Discretamente e num registo recatado, neutro e de observação, Rosi ilustra e sublinha a personalidade, as preocupações e o discurso muito mais socializantes e “liberais” de Francisco do que dos seus dois antecessores (e que lhe têm valido acusações de esquerdismo, e de estar a transformar a Igreja Católica numa espécie de ONG humanista, negligenciando a doutrina e a dimensão espiritual).

[Veja uma entrevista com o realizador Gianfranco Rosi:]

O realizador abdica também de qualquer ponto de vista de análise ou crítico, e apesar de não chegar a ter a canónica hora e meia de duração, “A Viagem do Papa Francisco” acaba por sucumbir ao peso das escolhas formais do seu realizador, tornando-se francamente monótono e repetitivo. A certa altura, fartamo-nos de ver o Papa sempre em movimento, a falar com presidiários, a discursar contra a guerra ou a passar de carro por bairros da lata, arranha-céus e cidades arrasadas por furacões ou conflitos, e a curiosidade acaba por dar lugar ao aborrecimento. O documentário de Wim Wenders será convencional e (muito) deferente, mas tem mais por onde se lhe pegar do que este peripatético e reiterativo “A Viagem de Francisco”.