As telenovelas portuguesas são tão ridículas, tão codificadas, tão previsíveis e tão estereotipadas, que já têm embutida, inadvertidamente, a sua própria paródia. É muito difícil, se não mesmo impossível, vermos alguns minutos de qualquer uma sem rebentarmos a rir. Nicolau Breyner e Herman José satirizaram-nas nos seus programas de humor nos anos 80, e mais recentemente, Marco Martins também o fez de forma brilhante na série “Sara” (2018), através da telenovela inserida no enredo. E depois veio “Pôr do Sol”, um gozo pegado ao género, recorrendo ao nonsense, à farsa e à piada sexual, povoada por atores habitués das telenovelas, agora à-vontade para estoirarem com as personagens tipificadas que interpretam nelas.

Duas temporadas mais tarde, surge “Pôr do Sol — O Mistério do Colar de São Cajó”, o filme tirado da série criada por Henrique Cardoso Dias, Rui Melo e Manuel Pureza, com argumento assinado pelos mesmos e realização deste último. A narrativa recua muitos séculos no tempo para contar a história do ancestral e poderoso Colar de São Cajó, e de como a relíquia foi parar às mãos da família Bourbon de Linhaça, depois de muitas “lutas, batalhas e algum sexo sem proteção”. Sem falar em algumas larachas anacrónicas, efeitos digitais pobretes mas funcionais  e a inevitável aparição de Toy, com as devidas aspas irónicas, a entoar a canção-tema da série.

“Pôr do Sol — O Mistério do Colar de São Cajó” é, basicamente, um episódio especial da série atirado para o cinema, que serve de prequela e de “história de origens” à série e a algumas das suas personagens (ficamos a saber, por exemplo, que Simão Bourbon de Linhaça era tão bonzinho, tão bonzinho, que nem sequer irritar-se conseguia, e era vice-campeão de danças latinas do Ribatejo). Há também convidados especiais como Diogo Infante, que personifica toda uma série de Bourbons de Linhaça, desde o tempo dos afonsinhos até aos nossos dias, em que é o irmão “bom”, por oposição ao “mau” de José Raposo, que fuma charuto com insolência, põe “doping” nas cerejas da propriedade e vai desencadear a maldição do colar do título.

[Veja o “trailer” do filme:]

Se na série, e pela sua própria natureza, que vive à base de piadas e partes gagas em rajada, duas em três acertam em cheio no alvo e a outra passa muito ao lado, já no filme isso não acontece e a relação entre certeiras e falhadas é bastante mais baixa, o que compromete a percentagem e a intensidade das gargalhadas. E há o problema da duração: “Pôr do Sol — O Mistério do Colar de São Cajó” não tem munição cómica suficiente para quase duas horas de filme e algum do humor está mais próximo do popularucho dos dois filmes de “Curral de Moinas”, também escritos por Henrique Cardoso Dias, do que do mais sofisticado, “pop” e cúmplice em piscadelas de olho da série.

Atabalhoado visualmente e no narrar da história, e apesar de ter meia-dúzia de piadas muito boas e alguns pontos altos divertidos (a sequência promocional do refrigerante está muito bem feita, tal como a do terramoto e subsequente reconstrução da casa da família num abrir e fechar de olhos), “Pôr do Sol — O Mistério do Colar de São Cajó” não consegue esconder que na verdade o seu lugar é na televisão e não no cinema. Nem a interferência do santo do título nos tira a convicção de que transportar o mundozinho de nonsense gozão de “Pôr do Sol” do pequeno para o grande ecrã foi dar um passo maior do que a perna.

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