“O homem que mais conhecia sobre tantas coisas que havia para conhecer”. Não era assim que todos descreviam José Correia da Serra, mais conhecido como Abade Correia da Serra, apesar de muitos sentirem o mesmo. Estas palavras pertenciam a Thomas Jefferson, então Presidente dos Estados Unidos da América (EUA) e um dos “pais fundadores” do país, que privou com o cientista durante muitos anos.

Esta segunda-feira assinalou-se o bicentenário da morte de uma das maiores referências portuguesas no mundo da ciência. Apesar de Correia da Serra, nascido em 1751, ter feito a maior parte da carreira lá fora, contribuiu para diversas investigações e pesquisas cientificas. Não só pela publicação de artigos nas mais prestigiadas revistas, como pela fundação da Academia das Ciências de Lisboa. Que não se esqueceu de destacar a data.

Esta sexta-feira, a partir das 15 horas, o Salão Nobre da Academia das Ciências de Lisboa, evoca José Correia da Serra. A cerimónia de homenagem ao grande cientista português, que se destacou nas áreas da botânica, geologia e história natural, contará com três grandes momentos.

José Luís Cardoso, presidente da Academia, fará uma viagem pelo percurso académico do Abade, revelando a “importância do seu período de formação em Itália, onde passou grande parte da sua juventude”. Em seguida, Maria Paula Diogo, especialista em História da Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, contextualizará a história, botânica e geologia na obra do cientista, rematando com os ensaios para a história da Academia, apresentados por José Alberto Silva e Fernando Figueiredo.

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José Luís Cardoso dedica-se a estudar a história de Correia da Serra.

Correia da Serra contribuiu muitíssimo para a Academia”, começa por explicar José Luís Cardoso ao Observador. “Ele foi secretário num período fundamental, tendo sido a altura em que teve o programa de publicações mais ambicioso”.

O cientista também teve um papel crucial no levantamento histórico de Portugal, no que diz respeito a “documentação perdida nos arquivos portugueses”. No entanto, o presidente do instituto não deixa de salientar que o país não soube “reconhecer o génio de uma mente científica brilhante”.

Correia da Serra foi forçado a exilar-se em Londres, em 1795, tendo vivido menos de 20 anos em Portugal, após ter sido acusado de proteger revolucionários jacobinos franceses.

“Ele temia alguma perseguição por parte da polícia e antecipou-a, acabando por se radicar em Londres e depois em Paris”. Em 1812, resolveu mudar-se para os EUA, onde passou muito tempo em Monticello, a residência presidencial, a conversar com Jefferson.

“Ele devia ser um grande conversador e curioso intelectual, transbordando esse seu conhecimento para os seus interlocutores”, sugere o historiador de Correia da Serra. Ao longo dos anos em que morou nos Estados Unidos, o cientista criou laços com diversos especialistas da área, tendo sido inclusivamente um grande entusiasta de jovens intelectuais, chamando-os nas suas excursões.

Aliás, era disso que o cientista mais gostava: de nunca estar parado num lugar. Tal é, inclusivamente, revelado na carta que Jefferson lhe escreveu, quando foi nomeado embaixador de Portugal nos EUA, na altura Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves: “Espero que isto o fixe connosco para toda a vida”, cita a revista National Geographic Portugal.

A esta carta, Correia da Serra respondeu com outra que não era exatamente o que o Presidente queria ouvir: “Ele disse-lhe que estava muito contente, mas que, ao mesmo tempo, sentia pena de não se poder dedicar às suas jornadas científicas”, explica José Luís Cardoso.

“E acaba a carta a dizer que tinha recebido uma amostra de um novo cimento de França, que era ótimo para construir reservatórios para o vinho ser conservado em boa qualidade”, acrescenta. “Portanto, no momento em que está a ser nomeado embaixador, a preocupação dele com o Jefferson era falar sobre uma curiosidade científica. Era uma mente deste tipo”.

Além da sua contribuição para a Academia das Ciências, com a “divulgação do conhecimento”, uma missão que atualmente muitas academias seguem, Correia da Serra teve um papel fundamental nas relações dos Estados Unidos com a Europa, no que diz respeito ao estudo da flora e geologia, tendo criado o contacto entre os principais centros de cultura mundial.

Jefferson pode ter escolhido as palavras ditas por José Luís Cardoso para descrever o grande cientista português. Mas, lá fora, houve quem pensasse em “Sócrates” para se referir a José Correia da Serra, que morreu há exatamente 200 anos.