“Uma sensação de dejá vu“. Era assim que a organização apresentava a segunda meia-final do Campeonato do Mundo de râguebi, por sinal com o mesmo duelo da decisão de 2019 quando a África do Sul venceu no Japão à Inglaterra por 32-12 e conquistou o terceiro título mundial igualando a rival Nova Zelândia. E se no encontro da primeira meia-final a vantagem da Nova Zelândia sobre a Argentina era grande (sendo que o 44-6 com sete ensaios tornou-se ainda maior do que previsto), aqui havia um maior equilíbrio teórico, ainda que o percurso recente dos dois conjuntos reforçasse essa ligeira supremacia que pertencia aos Sprinboks.

Aquele haka ainda é o que era: Nova Zelândia “atropela” Argentina com sete ensaios e vai à quinta final do Mundial (terceira de Whitelock)

Depois de uma primeira fase com duas vitórias consistentes frente a Argentina e Japão que quase apagaram alguns momentos durante esses jogos onde a equipa esteve por baixo, a Inglaterra “cilindrou” o Chile antes de terminar com um triunfo arrancado “a ferros” contra Samoa (18-17). Era uma espécie de aviso para o que se seguia diante de Fiji, num “recado” que a Rosa não ouviu e acabou a chegar à partida dos quartos com um empate no marcador a dez minutos do final antes de dois pontapés de Owen Farrell que fizeram a diferença. Já a África do Sul, a par da Nova Zelândia, foi uma equipa em crescendo: ganhou sem grande brilho com a Escócia, “atropelou” a Roménia, perdeu com a Irlanda e fechou com mais um bom triunfo com Tonga, tendo depois uma nota máxima no teste mais complicado que chegou nos quartos diante da anfitriã francesa que se tornou no melhor cartão de visita para a candidatura ao título com uma vitória por 29-28.

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Até em termos históricos existia vantagem dos Springboks sobre a Rosa. Depois das duas primeiras edições de 1987 e 1991 sem a África do Sul pela política do apartheid, as equipas não se cruzaram em 1995 (primeiro título dos sul-africanos a jogar em Joanesburgo diante da Nova Zelândia) e tiveram o primeiro jogo em Mundiais em 1999, curiosamente no mesmo Stade de France mas para os quartos, com vitória por 44-21. A “vingança” chegaria na edição seguinte, com a Inglaterra a ganhar por 25-6 na fase de grupos de uma edição de 2003 que iria terminar com o único título mundial. No Mundial seguinte, dupla vantagem para a África do Sul: 36-0 na fase de grupos e 15-6 na primeira final entre ambos antes da última edição de 2019, com triunfo por 32-12 dos Springboks. Agora, a história parecia outra. Aquele pé direito de Owen Farrell parecia mesmo estar destinado a “vingar” esses desaires com uma exibição quase perfeita até à reviravolta no final de uma equipa com muitas mudanças que soube ser cerebral e teve um coração do tamanho do mundo para o 16-15 que carimbou a passagem à final das finais frente à Nova Zelândia, em Paris, no próximo sábado.

A partida começou praticamente com os primeiros pontos dos ingleses, com Owen Farrell a aproveitar uma penalidade que surgiu num erro defensivo dos sul-africanos para fazer o 3-0 com apenas três minutos. Não iria ficar por aí. A Inglaterra mostrava que tinha a lição bem estudada em todas as fases e até no primeiro alinhamento sul-africano Maro Itoje conseguiu desviar a bola para o seu lado. Assim, e com a África do Sul quase sem jogo ofensivo, foi a Rosa que aumentou a vantagem em mais uma penalidade marcada por Owen Farrell, neste caso quase como pro forma tendo em conta o local onde o capitão Siya Kolisi fez a falta no chão (10′). Os ânimos chegaram mesmo a aquecer, levando a uma primeira advertência do árbitro, mas a forma como a defesa inglesa superava na atitude e na intensidade os sul-africanos, com vários turnovers e erros de primeira linha, colocava os Springboks em dificuldades ainda que à distância de um ensaio.

A parte emocional também iria ter o seu peso, neste caso com o “não exemplo” a surgir do próprio capitão Owen Farrell entre o guardar de bola e os protestos com o árbitro para Manie Libbok ter uma “borla” para o 6-3 numa penalidade (21′). Era dessa forma que iam surgindo os pontos nesta meia-final, agora com a Rosa de novo a contar com a eficácia de Farrell para fazer o 9-3 (24′). Era esse o ponto de diferença: num jogo sem ensaios, a Inglaterra marcou quando chegou aos 22 metros e a África do Sul falhara em duas ocasiões. Aliás, nem nos alinhamentos as coisas corriam de feição aos Springboks, que nem com os raros erros ingleses iam além de penalidades como a de Handre Pollard que fez o 9-6 (35′) antes de Farrell fechar em 12-6 (39′).

A África do Sul teria de mudar algo no seu jogo ao intervalo. Caso contrário, a Inglaterra ia mesmo ganhar, tendo em conta a vantagem em todos os pontos. Foi isso que se viu nos minutos iniciais, com os Springboks a terem aproximações com mais perigo e sobretudo a aproveitarem um aparente desgaste da defesa inglesa para voltarem a sonhar. Resultados práticos? Nenhum. E até foi Owen Farrell a ter de novo um momento de inspiração, com um pontapé de ressalto do meio do nada para animar os britânicos e fazer o 15-6 (53′). O cenário começava a ficar apertado para a África do Sul, que no meio do passar dos minutos ainda mais erros cometia, mas um ensaio de RG Snyman com conversão de Pollard colocou o jogo em 15-13 com dez minutos por jogar. Procuravam-se heróis, veio ao de cima o coletivo: de forma cerebral, a África do Sul foi jogando com as formações ordenadas, ganhou uma penalidade que Handre Pollard marcou quase do meio-campo para o 16-15 e conseguiu depois suster o último ímpeto inglês até à falta que terminou o jogo.