Uma coisa não tem nada a ver com a outra, quando se entra no mundo da Argentina tem tudo a ver. Quem tenha visto aquilo que foi a completa invasão do conjunto das Pampas nas bancadas durante o Campeonato do Mundo de futebol no Qatar e quem tenha agora prestado atenção ao que se estava a passar nas bancadas do Velódrome em Marselha nos quartos do Campeonato do Mundo de râguebi via uma repetição perfeita do filme que não mais será esquecido no país sul-americano e em alguns bairros em específico de Buenos Aires. Aquilo é paixão, é entrega, é emoção. É quase um desafio para quem quer descrever o que só se sente e não se expressa em palavras de uma fiel massa de crentes que adoram o seu país como uma religião e viam tudo o que podia correr bem, correr ainda melhor nos relvados. No entanto, agora era preciso um “milagre”.

Quando se olhava para os quartos do Mundial, havia poucas dúvidas em apontar duas “finais antecipadas” e dois outros jogos. Das duas primeiras, passaram Nova Zelândia e África do Sul; nas segundas, Argentina e Inglaterra. E se os britânicos ainda poderiam aspirar a uma surpresa com os Springboks, no caso dos Pumas a diferença para os All Blacks era bem maior ou não estivesse em causa uma seleção que assusta só de nome que apenas por uma vez, em 2007, tinha falhado a presença nas quatro melhores equipas do Mundial. E com um ponto que era importante ter em consideração: olhando para a formação que perdeu no jogo inaugural com a França e para a que ganhou diante da Irlanda, a enorme subida de rendimento era evidente.

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Ainda assim, poucos poderiam esperar uma diferença tão grande que só não foi maior porque o pé direito de Richie Mo’unga não estava propriamente muito virado para os postes nas conversões. Pela quinta vez, os All Blacks estão na final do Campeonato do Mundo (ganharam 1987, 2011 e 2015, perderam com a África do Sul em 1995) após “atropelarem” a Argentina por 44-6 entre sete ensaios, com Will Jordan a tornar-se o terceiro a marcar três ensaios numa meia-final (passando a ter mais ensaios do que internacionalizações, 31-30) e o eterno Sam Whitelock a tornar-se o primeiro de sempre a ir a três finais… aos 35 anos. Mais: com o triunfo, a Nova Zelândia isola-se com cinco decisões de Mundiais, mais uma do que a Austrália.

A Argentina ainda teve cinco minutos iniciais onde conseguiu contrariar aquilo que diziam os números e que apontavam para 12 pontos da Nova Zelândia nos 20 minutos iniciais, jogando no terreno neozelandês e com um 3-0 numa penalidade apontada pelo inevitável Emiliano Boffelli (5′). A esperança no Stade de France era maior mas o sonho não iria demorar a passar a início de pesadelo quando os All Blacks abriram o vasto leque de opções ofensivas onde os avançados mais parecem três quartos e onde os passes interiores dizimam qualquer resistência com Will Jordan a fazer o primeiro ensaio após um fantástico passe para a ponta de Richie Mo’unga (11′) e um segundo ensaio de Jordie Barrett que começou num turnover provocado por Mark Tele’a (16′). Boffelli voltou a reduzir para 12-6 numa penalidade (31′), Richie Mo’unga recolocou a vantagem nos nove pontos logo a seguir para se manter uma distância superior a um ensaio (15-6).

Quando muitos já pensavam no intervalo, até porque a Argentina tinha voltado a falhar no ataque e perdido mais uma oportunidade de ouro para reaproximar-se com uma receção falhada por Juan Martín González, a Nova Zelândia, que tinha quase “abrandado” em termos ofensivos, fechou quase por completo as contas com mais um ensaio em cima do descanso de Shannon Frizell, que mesmo sem conversão de Mo’unga deixou o resultado em 20-6 nos descontos. A desvantagem ainda era recuperável, a linguagem corporal que se via no balneário dos Pumas mostrava outra realidade e o reinício da partida fez o xeque-mate ao jogo.

A Argentina até tinha jogado 57% dos 40 minutos iniciais no território contrário mas, em poucas fases, a Nova Zelândia fazia o que os sul-americanos não conseguiam: ensaios. E bastaram apenas dois minutos no segundo tempo para os All Blacks aumentarem esse avanço na sequência de um alinhamento com Aaron Smith a ter depois uma troca de pés fantástica que deixou por terra as linhas defensivas argentinas para mais um ensaio que com a conversão deixou o resultado em 27-6 após conversão. Com praticamente uma parte inteira por jogar, ficava apenas por saber quantos mais ensaios conseguiriam fazer os favoritos e se os Pumas ainda conseguiriam também o seu ensaio de honra, sendo que nem assim a Nova Zelândia abrandou com os segundos ensaios de Shannon Frizell (49′) e Will Jordan (62′) e o hat-trick de Jordan a fechar a festa com um movimento fabuloso que terminou com um pontapé para a frente antes de ir buscar para o ensaio (74′).