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"Ink": a ordem e o caos no universo performático de Dimitris Papaioannou

O artista visual e coreógrafo grego regressa ao Porto com aquele que considera ser o seu espetáculo mais obscuro. “Ink” é uma reflexão sobre um mundo tomado por lutas de poder. Para ver no Rivoli.

Luz e sombra, opacidade e transparência, aliadas a uma forte premissa de homoretismo: “É algo que está presente em várias criações minhas, neste caso são dois homens com uma diferença de idade considerável, onde essas dialéticas se evidenciam através da luta e do contraste provocado pelas luzes e sombras”, diz-nos o criador
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Luz e sombra, opacidade e transparência, aliadas a uma forte premissa de homoretismo: “É algo que está presente em várias criações minhas, neste caso são dois homens com uma diferença de idade considerável, onde essas dialéticas se evidenciam através da luta e do contraste provocado pelas luzes e sombras”, diz-nos o criador

Luz e sombra, opacidade e transparência, aliadas a uma forte premissa de homoretismo: “É algo que está presente em várias criações minhas, neste caso são dois homens com uma diferença de idade considerável, onde essas dialéticas se evidenciam através da luta e do contraste provocado pelas luzes e sombras”, diz-nos o criador

Não é de agora que uma certa plasticidade produzida pelas imagens se transmite através da violência ou através de uma ideia de abismo onde estamos prestes a cair coletivamente. À beira do precipício, somos arrastados pelo medo face ao desconhecido – recorrendo à deixa de H.P. Lovecraft – e transportados para um submundo representado pela escuridão. É precisamente desse estado de coisas que emerge Ink, a nova criação performática do artista visual grego Dimitris Papaioannou. Uma reflexão sobre as diferentes formas de conflito, a ordem e o caos que dialogam entre sim, mas também sobre os tempos turbulentos que vivemos, marcados pelas formas mais nefastas de subjugação. Em estreia nacional, sobe ao palco do Teatro Rivoli, no Porto, nos dias 30 de novembro, 1 e 2 de dezembro.

À partida podemos estar diante de um buraco negro. No cenário, um homem – o próprio Dimitris Papaioannou –, vestido em tons escuros, está sozinho em palco. Ligam-se aspersores de água e tudo se molha. Assim será do princípio ao fim. O performer brinca com a água, com um aquário transparente que gira em palco, mas também se entretém com os contrastes que o bater da água cria nas paredes do palco revestidas de plástico. Tal qual como se jorrasse tinta negra, a água funciona como elemento que separa texturas: não só as evidencia, como as deixa mais visíveis quando expostas ao jogo de luz. Entre os fluxos de água, o homem em palco parece marcado pela sua própria solidão, num universo que se torna aos poucos e poucos também ele aquático e cada vez mais onírico. É aqui que surge, no entanto, um segundo intérprete, o performer Šuka Horn, sem roupas, com quem se inicia uma interação.

[veja aqui imagens de “Ink”:]

Primeiro, este novo interveniente move-se debaixo dos lençóis de água, que compõe o chão do palco. Parece querer escapar de um lago congelado onde se encontra preso. Há uma sensação de claustrofobia que se transmite pela sua tentativa de libertação. O homem de preto persegue-o, tenta esmagá-lo e subjugá-lo à sua revelia. Devolve-nos o conceito em torno de Polemos, divindade que personifica a guerra, visto por Heráclito como o “rei e pai de tudo”. O homem de negro é aquele que pode dar vida, mas também tirá-la. Personifica o poder da guerra. O homem nu, por seu lado, é aquele que se tenta libertar da violência e possível escravidão a que o tenta remeter. Desde logo, Ink assume um princípio de separação, neste caso, entre o subjugado e aquele que domina. E é também neste domínio que a criação ultrapassa as suas próprias barreiras temáticas.

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Com o segundo intérprete liberto das torrentes de água, o dueto degenera em duelo e os corpos manifestam-se – cada qual à sua maneira – numa espécie de luta pela sobrevivência. Há espaço para a ordem e caos, a tragédia e a comédia, o passado e o futuro na luta que se estabelece entre os dois. Em certa medida, remete para a ideia de uma relação complexa entre pai e filho, mas também para o contraste entre luz e sombra, opacidade e transparência, onde não deixa de existir uma forte premissa de homoretismo. “É algo que está presente em várias criações minhas, neste caso são dois homens com uma diferença de idade considerável, onde essas dialéticas se evidenciam através da luta e do contraste provocado pelas luzes e sombras”, explica Dimitris Papaioannou em entrevista ao Observador.

“Acredito que esta peça tanto pode levar o espectador a pensar nalguns arquétipos da mitologia grega, que também são associados a mim por ser grego, como também o podem ligar ao Alien, do Ridley Scott ou ao Nosferatu, de Murnau”

Por outro lado, estamos perante uma narrativa também ela distópica. Neste universo, profundamente estético, não existem leis ou hierarquias aparentemente convencionadas. Há simplesmente um entendimento sobre o que a força física e a inteligência podem conferir a um indivíduo quando este se vê, subitamente, numa posição de dominância. Nos limites do que seria ainda assim possível na realidade, Ink aproxima-se da mitologia grega – que já estava bem presente noutros trabalhos de Papaioannou – mas também se apoia na ficção científica ou no género de horror.

“Acredito que esta peça tanto pode levar o espectador a pensar nalguns arquétipos da mitologia grega, que também são associados a mim por ser grego, como também o podem ligar ao Alien, do Ridley Scott ou ao Nosferatu, de Murnau”, salienta o artista, que ao longo dos últimos anos se estabeleceu como um dos criadores mais aclamados no domínio da criação coreográfica. Há em Ink um lado “profundamente pessoal”, marcado por memórias de Dimitris Papaioannou, que se refere precisamente aos corpos e tipos de homem que ali se apresentam – muito masculinos, por vezes agressivos e capazes de ser lido pelo espetro de um machismo latente. Não só, mas também por isso, a peça marca o regresso aos palcos do criador grego, agora com 59 anos, pela primeira vez em 10 anos. Dá o corpo ao manifesto.

O magnestismo dos corpos

Ao contrário de algumas das suas criações mais recentes, Ink foi criada como encomenda durante a pandemia. A imagem das gotas de água a descerem por uma superfície de vidro e um conjunto de testes com aspersores de água moldaram rapidamente aquilo que a peça iria tornar-se. “A água, tal como o fogo, são elementos que me suscitam a atenção. São elementos da natureza que nunca deixam de estar presentes nas nossas vidas”, realça. No caso da água, o elemento pode mesmo significar uma ideia de vida ou de morte, além de simbolizar o facto do corpo humano ser essencialmente composto por água.

De igual forma, a presença em palco de um polvo remete para a mitologia e para a tinta que dele se extrai – muitas vezes de forma violenta –, mas também para uma recordação de infância. “Lembro-me sempre de ver jovens a baterem com os polvos contra as rochas para ficarem tenros”, diz Papaioannou. Uma vez mais está presente uma certa pulsão sexual que não esconde. É mais uma dialética importante para se refletir, porque anda muitas vezes de mãos dadas: o erotismo e a tortura. As criações do grego possuem forte carga simbólica, mas este prefere deixar as interpretações para quem vê. “Cada um terá a sua leitura. Há camadas que não escondo, mas no caso de Ink interessa-me olhar para o que podem fazer estes corpos e de que forma é que ambos dependem um do outro”, acrescenta.

“De alguma forma, essa ideia dos homens do passado muito masculinos e por vezes agressivos já não existe”, diz Papaioannou. "Existe hoje uma sensibilidade face ao outro, o que faz com que uma certa ideia de guerra entre os corpos também já não exista da mesma forma que existiu noutras épocas"

A Dimitris Papaioannou interessa-lhe, mais do que nunca, o magnetismo dos corpos, as relações de poder, acima de qualquer referência que pode ser retirada do seu trabalho. Diremos, no entanto, que a sua pulsão criativa se aproxima de Pasolini, em especial nas dramaturgias que o italiano concebeu. O artista grego trabalha como um verdadeiro pintor renascentista, entusiasmado com a paleta de cores e texturas que podem resultar nas criações – ainda que estas sejam quase sempre terreno inexplorado e selvagem. De igual forma também se debruça sobre estes corpos como se esculturas (gregas) se tratassem. Para o caso, dir-se-ia que a relação estabelecida entre os dois performers em Ink é semelhante à de um escultur que vai, a passo e a passo, moldando a sua nova criação que por fim ganha vida.

Não deixa de ser importante salientar que chegados a um determinado momento de Ink, se evidencia um cansaço latente dessa mesma violência que também esbarra na nossa vontade, como indivíduos, de manter um certo grau de agressividade. Em sentido oposto, nenhum dos intérpretes em palco ganha este duelo. São até capazes de ser solidários e benevolentes um com o outro. “De alguma forma, essa ideia dos homens do passado muito masculinos e por vezes agressivos já não existe”, diz Papaioannou. “Existe hoje uma sensibilidade face ao outro, o que faz com que uma certa ideia de guerra entre os corpos também já não exista da mesma forma que existiu noutras épocas”, sugere, e que facilmente seria o gatilho para os mais diversos conflitos – bélicos ou não. Neste jogo, entre a violência e a capacidade de se estabelecer paz, são os corpos que primeiro mostram como ambos não existissem nem sobrevivem um sem o outro.

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