Ele pode não estar em ação, ele não deixa de ser o centro das ações. Porque ele, elevado a Ele não só por todo o currículo que construiu no ténis mas também por ser o protótipo do atleta entre forças e fragilidades de um corpo fustigado pela ambição de ser melhor, é Rafa Nadal. O mesmo Rafa Nadal que, enquanto continuava o longo calvário de um ano a recuperar em termos físicos, continuou a ser homenageado pelos seus pares.

Da certeza à dúvida: Nadal assume que pode prolongar a carreira para lá de 2024 (e olha para a presidência do Real Madrid)

Por altura do primeiro aniversário da conquista do Campeonato do Mundo de futebol pela Argentina no Qatar, o espanhol recebeu uma camisola com dedicatória especial do grande obreiro do feito, Lionel Messi. “Para o Rafa, com muito carinho e admiração”, escreveu o antigo jogador do Barcelona que joga hoje no Inter Miami aos EUA. O museu da Rafa Nadal Academy de Maiorca ganhava mais um “reforço” de peso mas que não foi o único até fechar o ano depois da visita de Cata Coll, guarda-redes campeã mundial de futebol pela seleção espanhola na Austrália que deixou também o seu equipamento entre camisola assinada por todas as jogadoras e luvas no espaço com cerca de 1.500 metros quadrados. Após ver a parte final do treino do jogador de 37 anos com Martín Landaluce, esteve com o compatriota, tirou fotografias e guardou o momento quase como se fosse mais um capítulo do autêntico sonho vivido em 2023 entre o pesadelo do caso Rubiales.

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Sem competir desde a segunda ronda do Open da Austrália, quando perdeu com Mackenzie McDonald já em dificuldades físicas, Nadal deixou de andar pelo mundo mas o mundo não deixou de andar à volta de Nadal. E foi assim que Brisbane parou para ver o momento que todos ansiavam: o espanhol está de volta.

“Olá Austrália, Brisbane”, escreveu o jogador nas suas redes sociais, acompanhando a mensagem com uma fotografia da chegada ao Queensland Tennis Center onde fará a sua reaparição competitiva como preparação para o Open da Austrália. De manhã, o espanhol limitou-se a trabalhar com a equipa técnica, à tarde contou com a companhia de Holger Rune, dinamarquês que pode ser o seu primeiro adversário tendo em conta a posição de wild card e não cabeça de série (ocupa nesta fase o lugar 670 do ranking ATP). “Estou mesmo muito feliz por voltar ao circuito e a Brisbane uns anos depois”, destacou ao site do torneio, após um período em que parou por lesão na coxa, desistiu de Roland Garros, foi operado à anca e anunciou em entrevistas que 2024 deverá ser o último ano da carreira, com uma escolha mais cirúrgica do calendário. Não sendo o cabeça de cartaz pelo atual momento, é o centro de todas as atenções desde que chegou à Oceânia.

Antes, tudo foi preparado ao pormenor. Por norma, Nadal costuma(va) iniciar a temporada a sério logo com o Open da Austrália. Desta vez, decidiu recuperar os anos em que fez antes um torneio ATP 250, jogando em Brisbane depois de passar antes por Melbourne, Sidney ou Auckland. Também no primeiro Grand Slam da temporada tem tradição apesar de somar apenas duas vitórias, com 77 triunfos e apenas 16 derrotas, três em finais: ganhou a Roger Federer em 2009 e a Daniil Medvedev em 2022, perdeu com Novak Djokovic em 2012 e 2019 e com Federer em 2017. Antes de 2023, quando teve uma saída precoce do Major, o espanhol levava uma série de seis temporadas consecutivas a chegar pelo menos aos quartos da competição.

A fase decisiva de preparação, ainda antes do Natal, decorreu no Kuwait, onde se concentra outra Rafa Nadal Academy ao lado do maior centro comercial do país, o 360 Mall. Além de contar com a equipa técnica, que é formada agora por Carlos Moyà, Marx López e Rafa Maymó, o jogador nascido em Manacor convidou ainda mais três caras conhecidas de perfis distintos mas com a mesma intenção: testar o atual momento mesmo jogando em contexto de treino. Contra Jan-Lennard Struff, Nadal encontrou um adversário que tem como principal arma o serviço. Contra Arthur Fils, um opositor mais novo e que tenta ser superior pela vertente mais física. Contra Richard Gasquet, um rival mais “batido” e conhecedor das suas características. Não era o resultado que estava em causa mas sim as sensações que saíam dos duelos – e que se tornaram a chave.

“O Rafa chegou ao Kuwait a pensar que não ia ser competitivo mas ali convenceu-se de que afinal ainda é. Agora está a seguir o progresso correto. Tudo isto é um processo que deve ir queimando etapas passo a passo porque precisamos que vá fazendo jogos para ganhar ritmo. É difícil fazer ver ao Rafa que não pode exigir tanto de si próprio logo no início e grande parte do nosso trabalho é travar esse pensamento, limitando as horas de treino e a intensidade no court“, comentou Moyà, citado pelo El Mundo, no Kuwait, onde teve temperaturas semelhantes às que pode encontrar na Austrália (já a humidade não pode ser comparada). Nesta fase do processo, Nadal sentiu-se como se estivesse em “casa” num espaço dirigido pelo neerlandês Martijn Belgraver que tem a curiosidade de contar com o ex-tenista português Nuno Marques como técnico.

“Tenho medo de anunciar as coisas porque afinal foi um ano sem competir e com uma operação à anca, mas o que mais me preocupa é tudo e não apenas a anca. Acredito que estou preparado, confio e espero que as coisas corram bem e possa voltar a ter prazer no court. Depois de tanto tempo, espero sentir aqueles nervos, aquela ilusão, aqueles medos, aquelas dúvidas. O que espero de mim? Não espero nada, na verdade. Confio que vou ter a capacidade de não exigir aquilo que exigi durante toda a minha carreira. Creio que estou num momento diferente, numa situação e num terreno que nunca explorei. Interiorizei o que fiz durante toda a minha vida, que foi exigir de mim o máximo, mas agora espero ser capaz de não fazê-lo. Espero ser capaz de aceitar que tudo será difícil no início, que preciso de tempo e perdoar-me se as coisas correrem mal, que é uma hipótese grande”, comentou Rafa Nadal, numa reflexão quando anunciou o seu regresso.

As reações nesta antecâmara do primeiro torneio que fará em 2024 também não demoraram, a começar pelo “rival de sempre”, Novak Djokovic. “Espero que ele jogue sempre no seu melhor, para ser honesto. Já por diversas vezes o deram a ele e a mim como acabados mas provámos que estão errados. Ele não é o tipo de jogador que voltará apenas para jogar, digamos, a um nível médio e disputar algumas partidas. Ele quer ganhar títulos, quer ser o melhor, por isso é quem é: uma lenda do nosso desporto. Tenho certeza de que os treinos e a preparação são feitos com a intenção de vencer um Grand Slam”, destacou o sérvio, à margem de um encontro particular feito na Arábia Saudita onde acabou derrotado por Carlos Alcaraz.

“Não tenho dúvida nenhuma de que voltará a ser competitivo. Claro que vai precisar de tempo, mas vai ser competitivo. Não sei se será já na Austrália, em março ou em abril, essa parte é difícil de dizer. Mas o Rafa vai dar uma oportunidade a si mesmo. Não há ninguém como ele no circuito”, sublinhou também Richard Gasquet, com quem o jogador espanhol teve o momento fulcral de preparação antes do regresso.