Personagens sozinhas, sem família, amor ou dinheiro, com vidas difíceis, empregos ingratos ou sem eira nem beira, marginais ou postas à margem, num mundo em que são desdenhadas, descartáveis ou invisíveis, mas que se mantêm impassíveis, aconteça o que acontecer; ambientes tristonhos e espartanos, mas também saturados de cor, que parecem situar-se algures entre os anos 50 e 60 e o nosso tempo; uma câmara que só se mexe muito de vez em quando; interpretações “neutras”, mas que nem por isso deixam de conter e passar emoção; uma banda sonora cheia de rock dinossáurico e velhas canções finlandesas; e nem pinga de melodrama nem de miserabilismo, apesar da atmosfera geral de desamparo.

[Veja o “trailer” de “Folhas Caídas”:]

São assim, invariavelmente, os filmes de Aki Kaurismaki, que contrariam aqueles “rankings” que dizem que a Finlândia é um dos países mais felizes do mundo. Assim é também o mais recente, Folhas Caídas, Prémio do Júri em Cannes. Holappa (Jussi Vatanen) é um operário metalúrgico que perde emprego atrás de emprego porque bebe muito, e enquanto trabalha. Ansa (Alma Pöysti) é despedida por levar para casa, do supermercado onde labuta, comida cuja data de validade expirou, e arranja depois um lugar numa fábrica. Estas duas almas solitárias encontram-se num bar de karaoke. E vão andar desencontradas durante quase todo o resto do filme, por causa de números de telefone perdidos, acidentes com transportes públicos e da copofonia casmurra de Holappa.

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Na estética e na dramaturgia, no understatement visual, verbal e emocional, e no desconcertante convívio entre o anacrónico e o antigo (ver os cartazes dos filmes nos cinemas e os bares com jukeboxes), e o contemporâneo, Folhas Caídas é uma história de amor tipicamente kaurismakiana, amor esse que acaba aqui por triunfar contra todas as pequenas prepotências, adversidades, contrariedades e incidentes. Apesar de tudo pelo que passam, as personagens de Kaurismaki também têm direito à esperança, e à sua migalha de felicidade. E se há coisa que nunca falta nos seus filmes, é a empatia, o carinho, a compreensão e a consideração por elas, sem que tenham que mendigar seja o que for ao espectador.

[Veja uma entrevista com os dois atores principais:]

Apesar dos protagonistas, das histórias que vivem e das fitas que as transportam serem subterraneamente desesperadas e cerradamente macambúzias, Aki Kaurismaki consegue sempre instilar-lhes uma humanidade genuína e jamais postiça, incutir-lhes uma emotividade recatada e nunca sentimentalona, e caracterizá-las ou pontuá-las com humor, tristeza, excentricidade ou melancolia nas alturas certas e no tom exato. No final de Folhas Caídas, aparece um cão, que Ansa recolheu na fábrica onde trabalha, e que batizou de Chaplin. Este nome, e o plano final do casal a afastar-se com o canito rumo ao horizonte, diz muita coisa sobre a inspiração e o espírito do cinema de Aki Kaurismaki — e do pequeno e peculiar mundo que põe em cena em cada filme. E com desembaraço: Folhas Caídas dura só 81 minutos.