A Polícia Federal brasileira revelou esta quinta-feira que o ex-Presidente Jair Bolsonaro recebeu e fez ajustes num plano para se executar um golpe de Estado que previa a detenção de juízes e do líder do Senado, bem como novas eleições.

A informação foi avançada no dia em que a Polícia Federal (PF) lançou a Operação Tempus Veritatis (Hora da Verdade) “para apurar a organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então Presidente da República no poder”, segundo avançaram as autoridades em comunicado.

O atual Presidente do Brasil já veio dizer que acredita que Jair Bolsonaro esteve envolvido na tentativa de golpe de Estado de janeiro de 2023, mas pediu para se aguardar pela conclusão das investigações. “Acredito que [a tentativa de golpe] não teria acontecido sem ele”, afirmou Luiz Inácio Lula da Silva, numa entrevista à rádio Itatiaia, que coincidiu com a operação policial numa dezena de estados brasileiros.

O chefe de Estado brasileiro destacou que Bolsonaro “não estava preparado” para perder as eleições de 2022, nas quais o atual Presidente venceu o líder da extrema-direita por uma margem estreita, e “nem teve coragem” de assistir à sua tomada de posse a 1 de janeiro de 2023. “Ele ficou em casa chorando e foi para os Estados Unidos. Deve ter participado da construção daquela tentativa de golpe. Vamos aguardar as investigações”, afirmou, acrescentando: “Espero que possamos ter um resultado do que aconteceu no Brasil o mais rápido possível”.

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A operação da Polícia Federal tem diretamente como alvo Bolsonaro e vários dos seus antigos ministros e militares de alta patente. “O facto concreto é que houve uma tentativa de golpe, houve uma política de desrespeito à democracia, uma tentativa de destruição do processo democrático e essas pessoas têm que ser investigadas”, concluiu Lula da Silva.

O plano de golpe de Estado que Bolsonaro terá recebido e ajustado

A Operação Tempus Veritatis teve inicio esta quinta-feira e, segundo o Globo, ao final da manhã a Polícia Federal apreendeu no escritório do ex-Presidente na sede do partido, em Brasília, um plano sobre a execução de um golpe de Estado. “Conforme descrito, os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins e Amauri Feres Saad [assessores do ex-Presidente] para executar um golpe de Estado, detalhando supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e ao final decretava a prisão de diversas autoridades”, diz a Polícia Federal na decisão divulgada pelo juiz do STF Alexandre de Moraes, que autorizou a operação Tempus Veritatis.

“Entre as quais [autoridades], os juízes do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e por fim determinava a realização de novas eleições”, acrescentou.

Segundo a investigação, Bolsonaro manteve a menção à realização de novas eleições, no entanto terá pedido alterações ao documento. Terá pedido para retirar os nomes de Mendes e Pacheco, mas não o de Alexandre de Moraes. O juiz, muito criticado por Bolsonaro e pelos seus aliados devido às investigações sobre notícias falsas, tentativa de golpe de Estado e outros inquéritos que envolvem o ex-Presidente, terá mesmo sido monitorizado por alguns dos suspeitos. “A análise dos dados confirmou que juiz Alexandre de Moraes foi monitorizado pelos investigados, demonstrando que os atos relacionados à tentativa de Golpe de Estado e Abolição do Estado Democrático de Direito estavam em execução”, destacou a PF.

A polícia também encontrou na sede do partido um documento que defende e anuncia a decretação de um estado de sítio e da garantia da lei e da ordem no país, segundo noticiou o Globo. O jornal, que teve acesso ao documento, refere que se trata de uma espécie de discurso, por escrito, que sustenta que a rutura do Estado Democrático de Direito e que estaria “dentro das quatro linhas da Constituição”, uma expressão frequentemente usada por Bolsonaro durante a sua presidência.

“Afinal, diante de todo o exposto, e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto operação de garantia da lei e da ordem” diz o parágrafo final documento, que não está assinado.

Nesta fase, e de acordo com uma nota da PF, as investigações apontam “que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas eleições presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital”.

O primeiro eixo, segundo os investigadores, propagou a versão de fraude nas eleições de 2022, por meio da disseminação de notícias falsas sobre vulnerabilidades do sistema eletrónico de votação, discurso reiterado pelos investigados desde 2019 e que persistiu mesmo após os resultados da segunda volta das eleições em 2022.

O segundo eixo de atuação do alegado grupo criminoso consistiu na prática de atos para apoiar a abolição do Estado Democrático de Direito, através de um golpe de Estado, com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais no ambiente politicamente sensível.

As buscas e detenções

Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal, foi na quinta-feira o único detido, noticiaram os jornais brasileiros como o Correio Brazilienze ou a Globo. Referem, no entanto, que a detenção foi motivada pelo crime de posse ilegal de arma, ou melhor, por ter um arma não registada, após a descoberta de um revólver calibre 38. Durante as buscas foi também apreendida uma pepita de ouro, com um peso de 39,18 gramas, com 95,26% de grau de pureza.

Segundo os media locais, os agentes da polícia já estiveram numa casa de Bolsonaro, em Angra dos Reis, e determinaram a entrega do passaporte. No entanto, como o documento não estava na residência, os polícias deram 24 horas para que Jair Bolsonaro o entregue. Foi ainda apreendido o telemóvel de um de seus assessores, Tercio Arnaud Tomaz.

A Polícia Federal não divulgou o nome dos alvos da operação, mas os media locais noticiaram que Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro, e o militar Marcelo Câmara, que também trabalhava com o ex-Presidente, são alvos de mandados de prisão.

Entre os alvos das medidas judiciais também estão ex-ministros de Bolsonaro, entre eles os generais Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira, além de outros militares.

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Segundo a autoridade policial brasileira, estão a ser cumpridos 33 mandados de busca e apreensão, quatro mandados de prisão preventiva e 48 medidas cautelares diversas da prisão, que incluem a proibição de manter contacto com os demais investigados, proibição de se ausentarem do país, com entrega dos passaportes no prazo de 24 horas e suspensão do exercício de funções públicas.

Polícias federais cumprem as medidas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal nos estados do Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Goiás e no Distrito Federal.

O Exército Brasileiro acompanha o cumprimento de alguns mandados, em apoio à Polícia Federal.

Os factos investigados configuram, em tese, os crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

*Notícia atualizada às 20h22 com informações sobre os documentos apreendidos pela Polícia Federal