A Câmara de Lisboa recusou esta terça-feira pronunciar-se sobre a decisão de juntas de freguesia exigirem um título de autorização de residência para emitirem atestados de residência, acreditando que estes órgãos autárquicos procuram responder ao “drama” de sobrelotação de casas.

Qualquer questão relativamente ao funcionamento de uma junta de freguesia não cabe à câmara e julgo que também não cabe à assembleia municipal estar a fiscalizar”, afirmou o vice-presidente da Câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP).

O autarca falava na reunião da Assembleia Municipal de Lisboa, no período de perguntas à câmara, após ter sido questionado pelo deputado do Bloco de Esquerda (BE) Vasco Barata sobre a decisão de juntas de freguesia exigirem um título de autorização de residência para emitirem atestados de residência, referindo que “começou por ser um caso da Junta de Freguesia de Arroios, mas que, infelizmente, também se passa noutros locais”.

Na perspetiva do deputado municipal do BE, esta decisão por parte de juntas de freguesia é “absolutamente ilegal e não tem nenhuma justificação aceitável”.

“Para que se entenda o absurdo, é o mesmo que pedir a carta de condução a alguém que vai fazer o exame de código“, expôs Vasco Barata, reforçando que as pessoas precisam do atestado de residência para ter a autorização de residência.

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Considerando que este é “um assunto gravíssimo”, o deputado do BE defendeu que o mesmo deve merecer “um posicionamento claro da Câmara Municipal de Lisboa”.

Em resposta, o vice-presidente da câmara recusou pronunciar-se sobre o assunto: “Sei que o Bloco de Esquerda está preocupado com a questão de sobrealojamento de pessoas que vivem em casas sem condições, onde tivemos já episódios muito dramáticos e trágicos de incêndios, onde chegamos à conclusão de que havia circunstâncias de passagens de atestados de residência que levavam muita gente a viver [em casas sem condições]”.

“Este é um drama em relação ao qual, naturalmente, somos solidários e que acreditamos que as juntas de freguesia procuram também responder com as iniciativas que tomam”, declarou Filipe Anacoreta Correia.

Em causa está um edital assinado pela presidente da Junta de Freguesia de Arroios, Madalena Natividade (eleita nas listas da coligação “Novos Tempos” de PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança), com a data de 9 de fevereiro, segundo o qual a autarquia passou a exigir um título de autorização de residência válido (arrendamento ou compra de casa) para emitir atestados de residência a cidadãos estrangeiros extracomunitários, apesar de a lei estabelecer que para esse atestado é suficiente o testemunho de duas pessoas recenseadas na freguesia ou uma declaração de honra da pessoa que requer o documento.

Onze associações e coletividades de apoio a migrantes repudiaram a decisão da Junta de Freguesia de Arroios, alertando que a mesma “agudiza a criminalização da imigração” e dificulta “o processo de regularização dos migrantes, o usufruto dos seus direitos e o cumprimento das suas obrigações legais”, já que o atestado é “exigido para coisas tão essenciais como a obtenção de uma autorização de residência, a inscrição no Serviço Nacional de Saúde, na escola ou até nas Finanças”.

Em resposta escrita à Lusa, a presidente da Junta de Freguesia de Arroios, Madalena Natividade, salientou que a autarquia está obrigada ao “estrito cumprimento” da lei no âmbito das suas atribuições e competências legais, o que inclui estar “impedida de emitir documentos que contenham declarações e outras decisões que não estejam em conformidade com a lei aplicável”.

Para o executivo da junta, antes de se passar um atestado de residência, a autarquia “tem o dever” de “solicitar que o requerente faça prova de ser, de facto e de direito, titular de título de residência válido”, sob pena de não poder deferir o pedido.

Neste âmbito, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes (PS), repudiou a política da Junta de Freguesia de Arroios e meia centena de profissionais de saúde exigiram a suspensão imediata desta decisão.

Também a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) defendeu que a emissão pelas freguesias de atestados de residência a cidadãos estrangeiros não precisa da apresentação de qualquer título de residência, porque não é competência destas autarquias aferir a legalidade de permanência de imigrantes no país.

Arroios é uma freguesia onde vivem cidadãos oriundos de vários países, concentrando largas dezenas de nacionalidades diferentes, muitos dos quais em situações precárias.