“É algo atípico que uma pessoa recorde o livro que está a ler e não se recorde do nome dos filhos”. A explicação foi dada esta terça-feira pela perita do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), Maria Isabel Santana, que foi chamada para explicar em tribunal, no âmbito do processo EDP, o último relatório feito sobre a doença de Alzheimer de Ricardo Salgado. “Na perícia, havia algum esforço insuficiente ou menor esforço em relação a memórias mais antigas, como filhos, mas recordava-se perfeitamente do livro que estava a ler. E isso não é típico da doença de Alzheimer. Significa que pode haver um padrão insuficiente”, sublinhou a perita.

O último relatório do Instituto de Medicina Legal referia que existia a possibilidade de Ricardo Salgado ter “exacerbado” os sintomas da doença, mas Francisco Proença de Carvalho, advogado do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) que está acusado de dois crimes de corrupção ativa e um crime de branqueamento de capitais, quis perceber qual o motivo para constar no relatório a conclusão de um exame que indicava um possível exagero dos sintomas e não constar a conclusão de outro exame que indicava o contrário.

Caso EDP. Ricardo Salgado esteve dentro da sala de tribunal dez minutos, mas não prestou declarações

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“A doença de Alzheimer é uma doença que dá sobretudo efeitos na memória recente. Em relação à orientação existe alguma discrepância em relação à perícia que nós realizámos”, acrescentou a perita. A resposta foi dada de imediato pela defesa de Salgado: “Isto consta na perícia, não consta no relatório, mas consta na perícia”. Questionada sobre a razão pela qual uma das conclusões não constava do relatório, Maria Isabel Santana voltou a repetir que “aqui não há desmentidos, aqui há um teste que indica e outro que não indica”.

Além de Maria Isabel Santana, também Joaquim Cerejeira, perito do INML, falou em tribunal e adiantou que Salgado “não tem défices muito graves na funções intelectual”. “Ele consegue responder a perguntar complexas, o que está mais afetado é a memória“, acrescentou. No entanto, este perito referiu que “há um declínio entre o que [Ricardo Salgado] era antes e o que é agora”.

Durante cerca de duas horas, Francisco Proença de Carvalho quis saber quais os critérios que guiaram o relatório que indicou um possível exagero dos sintomas de Alzheimer, com o perito do INML a admitir que Salgado “podia estar num dia menos capaz de responder às perguntas” — perguntas que incluiam quem era o primeiro-ministro, em que mês estava, por exemplo. “Há várias hipóteses, mas nós seguimos aquela que é mais provável”.

Normalmente, o doente de Alzheimer esforça-se por responder às perguntas, não diz que não sabe, isso é mais típico no doente depressivo. Claro que não podemos excluir que uma vez por outra um doente de Alzheimer diga que não sabe, porque está cansado. O esforço baixo não é muito típico da doença de Alzheimer. Quando ele responde não sei, não me lembro, esse é um indicador de baixo esforço. “, explicou Joaquim Cerejeira.

O julgamento do processo EDP está já na reta final e o foco desta terça-feira foi também a psicóloga que fez o última avaliação neuropsicológica ao ex-banqueiro. “A especialidade da dra Renata Benavente em [psicologia] justiça e em [psicologia] comunitária são compatíveis com a área de Alzheimer?”, questionou Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado. “Nesse caso específico, não”, respondeu a perita Maria Isabel Santana.

Ricardo Salgado está a exagerar a doença de Alzheimer?

A defesa de Salgado quis ainda falar sobre o currículo da psicóloga Renata Benavente. “O que eu posso dizer é que a dra Renata fez uma avaliação com base na neuropsicologia e no currículo dela constam várias formações em neuropsicologia”, explicou Maria Isabel Santana. Esta perita elaborou o relatório final, com base na avaliação neuropsicológica, tendo admitido esta terça-feira não ter reunido com a psicóloga que fez a avaliação.

As alegações finais deste processo estavam marcadas já para esta semana, mas as sessões foram adiadas, ainda com datas a confirmar — ou final de abril, ou início de maio. Falta ouvir Jean-Luc Schneider, antigo administrador das sociedades ESFIL e Enterprises, mas só no próximo dia 19 de abril é que o tribunal sabe se Schneider quer ser ouvido como testemunha, uma vez que é arguido no processo BES Venezuela.

Manuel Pinho — esta terça-feira foi o primeiro dia em que não esteve presente no tribunal — está acusado pelo Ministério Público de dois crimes de corrupção passiva, um deles para ato ilícito, um crime de branqueamento de capitais e outro crime de fraude fiscal e o tribunal decidiu manter todos os crimes, tal como constam na acusação. Sobre Alexandra Pinho recaem os crimes de branqueamento de capitais e de fraude fiscal — os dois em co-autoria material, em concurso efetivo, com o ex-marido. Já Ricardo Salgado é julgado por dois crimes de corrupção ativa e um crime de branqueamento de capitais.