A tomada de posse de qualquer Governo constitui um momento raro — é difícil encontrar tantos ministros, novos e cessantes, juntos por metro quadrado –, um vaivém de protagonistas políticos que se prolonga durante uma tarde inteira. Mas a tomada de posse desta terça-feira, dia em que Luís Montenegro entrou no Palácio Nacional da Ajuda como primeiro-ministro indigitado e saiu como primeiro-ministro empossado, foi marcada por mais do que esse expectável corrupio: houve ausências (Pedro Nuno Santos) e presenças a registar (António Costa, que decidiu falar e dar novidades, e André Ventura, que mudou de ideias e lá foi à posse). E claro, uma frente de novos ministros apostados em garantir que têm “energia” e preparação para tempos que se adivinham difíceis.

Faltavam menos de 20 minutos para a cerimónia começar quando de um dos carros saiu Luís Montenegro, de mãos dadas com a mulher, Carla Montenegro, ambos vestidos de azul bebé (ele na gravata, ela no conjunto de calças e casaco) e passo decidido rumo à sala em que pronunciaria, tal como os seus 17 ministros, a frase da praxe: “Juro solenemente, por minha honra, que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas”. Imediatamente a seguir chegaria António Costa, e antes dos dois tinham-se sucedido as entradas mudas dos ministros do novo Governo e dos governantes que cessaram funções (exceção feita a Paulo Rangel, que, saído de um táxi e não de uma das dezenas de carros guiados por motoristas, disse aos jornalistas ter ser um “privilégio” e uma grande responsabilidade assumir o mandato como ministro Adjunto e dos Negócios Estrangeiros numa altura de tão grande “incerteza”).

Os protagonistas políticos, os novos e os antigos, preparavam-se assim para ouvir antes de falar, reservando o que teriam a dizer para a saída. Com mais uma exceção, desta vez no PS: os socialistas ouviram recados diretos de Luís Montenegro — o presidente do PSD pressionou o PS defendendo se quem lhe viabilizar o programa de Governo, como Pedro Nuno Santos prometeu fazer, deve deixá-lo governar depois — e optaram por mergulhar num silêncio total.

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Da parte do PS, começou por não haver qualquer reação. Mais: Pedro Nuno Santos não marcou presença, o partido não deu explicações sobre essa opção e fez-se representar pela dirigente Alexandra Leitão, que entrou e saiu em silêncio depois de ouvir os discursos de Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa. Só horas depois começaram a ouvir-se reações de dirigentes socialistas: na CNN, António Mendonça Mendes disse não considerar “correta” a forma como Montenegro “se dirigiu ao PS” (“a própria expressão [forças de bloqueio] é muito infeliz”) e recusou que o partido possa ser a “muleta” do PSD.

Chegou a haver, além de Pedro Nuno, outro líder cuja presença pareceu estar em risco, mas acabou por se confirmar, sentando-se no Palácio da Ajuda e reagindo aos discursos. Foi o caso de André Ventura, que tinha transmitido aos jornalistas, através da sua assessoria, que não estaria presente na tomada de posse e reagiria aos discursos a partir da sede nacional do partido. Afinal, Ventura acabaria por mudar de ideias: saiu de uma reunião com os deputados do Chega, chegou já em cima da hora mas sem uma quebra de protocolo como a que protagonizou há dois anos e ouviu em primeira mão os recados do PSD para o PS.

Foram esses que lhe serviram para declarar que o PSD escolheu o seu caminho — para Ventura, um caminho de colaboração com o PS que espera que lhe permita tomar conta da oposição — e esclarecer que acabou por estar na posse para evitar “leituras erradas”, como a de que o Chega age como uma “força de bloqueio”.

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O pedido de Costa e as primeiras palavras dos ministros

Na dança das saídas, houve mais uma que marcou a tarde: a de António Costa, que, ao contrário de todos os seus ministros — perto de si seguiam Mariana Vieira da Silva, que abraçou à despedida, e Fernando Medina — decidiu quebrar o silêncio e falar. Por entre elogios ao discurso “coerente” de Montenegro — mesmo que as ideias que defende sejam, naturalmente, diferentes das de Costa — e congratulações pela eficácia da passagem de pasta, Costa deixou ali, à porta do Palácio Nacional da Ajuda, uma das novidades do dia: o pedido que fez ao Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça para ser ouvido “com a maior celeridade possível” no caso relacionado com a Operação Influencer.

Curiosamente, enquanto Costa falava aos jornalistas, já na qualidade de militante de base do PS e ex-primeiro-ministro, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, preparava-se para abandonar o Palácio. Costa, que já disse estar “magoado” mas não ser “rancoroso” e até já deixou no ar uma questão dirigida à procuradora — sobre se voltaria a escrever o mesmo comunicado, que implicava o primeiro-ministro no caso judicial que está em análise no Supremo — não se cruzou com Gago, que segundos depois da partida do primeiro-ministro aguardava, abrigada da chuva, pelo seu carro.

Sairiam depois os 18 elementos que compõem, até agora, o Governo (faltam os secretários de Estado, que tomarão posse esta sexta-feira). Muitos não quiseram dizer nada aos jornalistas, e multiplicaram-se as referências ao trabalho que haverá pela frente (“Vamos trabalhar”, “vamos ter tempo para falar” e outras variações do género). Depois de fazer o seu primeiro discurso enquanto chefe de Governo, Montenegro saiu como entrou: de mão dada com a mulher, em passo rápido, e a atirar: “Diria que está tudo dito. Por hoje, por hoje…”.

Um dos poucos ministros que deixaram uma mensagem ligeiramente mais longa foi um dos que deverão ter uma tarefa mais complicada em mãos: foi o caso de Pedro Duarte, que ficará responsável pelos Assuntos Parlamentares e, assim, pelas negociações difíceis que se avizinham no Parlamento. A mensagem foi de abertura ao diálogo, para o qual disse estar “preparadíssimo” — um diálogo de que o PSD precisa, como Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de frisar neste primeiro conjunto de avisos a Luís Montenegro.

“Devemos saudar a dialética democrática, há muitos grupos parlamentares com vontade de contribuir para o futuro do país”, frisou o novo ministro, antes de defender que se deve falar com todos (em resposta a uma pergunta sobre o Chega): “Os portugueses escolheram quem escolheram, não vai ser o Governo a redefinir a composição parlamentar”. Confiante em que o Parlamento “vai funcionar”, defendeu que o mais “saudável” em democracia não é impor ideias unilaterais, mas “cooperar”.

Outras ministras, como Ana Paula Martins, da Saúde, ou Maria Graça Carvalho, do Ambiente, deixaram mensagens rápidas sempre no mesmo sentido: o Governo está consciente de que tem muito trabalho pela frente e que, mais do que falar, tem de fazer — o quanto antes. Por isso mesmo, a primeira prometeu logo estar “preparada” para apresentar o prometido plano de emergência para a Saúde, e a segunda — a única com experiência ministerial — lembrou a sua experiência negocial em Bruxelas, onde estava até agora como eurodeputada.

Partidos prometem abertura, BE e PCP ausentes

Quanto aos partidos, dividiram-se em dois grupos: os que quiseram estar na cerimónia e ouvir em primeira mão o que Luís Montenegro tinha para dizer e os que fizeram questão de ficar de fora. Neste último grupo só se incluem Bloco de Esquerda e PCP. No caso dos comunistas, há décadas que não participam em tomadas de posse e só abriram uma exceção em 2015, no início do governo da geringonça, para “marcar uma posição política em relação à insistência do Presidente Cavaco em dar posse ao Governo do PSD/CDS”, como recordou fonte do partido ao Observador.

Ainda assim, a partir do Parlamento, Paula Santos reagiu ao discurso de Montenegro, acusando o novo primeiro-ministro de parecer já estar a fazer “um exercício para fugir aos compromissos assumidos”.

Já o Bloco decidiu reagir à tomada de posse apenas a partir do Parlamento, pela voz de Marisa Matias.”Tal como aconteceu no passado, o Bloco não estará representado na tomada de posse de um governo de direita”, dizia fonte oficial do partido ao Observador, ao início da tarde. Mais tarde, Matias criticaria Montenegro por ter “recuperado tradição péssima da direita de chamar às forças da oposição forças de bloqueio” e não ter sido, na opinião do Bloco, claro em relação à forma como cumprirá as suas promessas eleitorais. O que os bloquistas escolheram destacar foi “a constatação da profunda instabilidade deste Governo, que nem sequer conseguiu condições para a estabilidade do seu funcionamento”.

Os restantes partidos marcaram presença na Ajuda e mostraram perspetivas um pouco mais otimistas, ou pelo menos de maior abertura, em relação ao novo Executivo. Pela Iniciativa Liberal, Rui Rocha constatou que o partido tem agora uma oportunidade maior para fazer passar as suas propostas, dizendo ter a garantia de Luís Montenegro de que há uma “disponibilidade” para o diálogo — e prometendo-lhe de volta a sua “exigência” relativamente à governação.

O PAN pediu “mais rasgo ambição”, sobretudo em matérias ambientais ou de direitos humanos, mas sinalizou a Montenegro que deve criar desde já “pontes” e fazer um “diálogo prévio” com todas as forças democráticas antes de que o programa do governo seja apresentado na próxima semana. O Livre reforçou os pedidos e promessas de diálogo, embora constatando que, em matérias como o Ambiente ou a Habitação, o discurso de Montenegro “foi muito pouco” — e rematou dizendo que, quanto ao Orçamento do Estado, o Livre está disponível para negociar mas “dificilmente” conseguirá “acompanhar” um documento que reflita o programa da AD.

Ventura remataria com elogios ao discurso “positivo” de Luís Montenegro, sobretudo por ter escolhido temas como a corrupção ou a imigração, mas também com um reforço da mensagem que quer passar: Montenegro “fez hoje”, como no entender do Chega já tinha feito antes, uma “escolha”– “e essa escolha é o PS”. Entre o silêncio dos socialistas, que têm garantido não estar disponíveis para aprovar Orçamentos do PSD, e o ataque de Ventura, que continua apostado em colar os partidos do centro para se apresentar como líder da oposição, o novo Governo dividiu-se, ainda debaixo de chuva, pelos carros que o esperavam, rumo ao início de um mandato desafiante.