Quase 24 horas depois da tomada de posse do novo Governo, o líder do PS vem falar pela primeira vez, tentando desdramatizar a sua ausência da cerimónia do Palácio da Ajuda — “não pude ir, ponto final” — e colocando a batata quente das condições de governação exclusivamente nas mãos de Luís Montenegro. Ainda que não tenha estado na tomada de posse, Pedro Nuno Santos ouviu o novo primeiro-ministro e não gostou da “chantagem sobre o PS”, avisando-o para “não se colocar em becos sem saída”.

O socialista surgiu na sede nacional do PS desconfiado de que o novo Governo está já a preparar caminho para uma nova ida a votos. Chegou a dizê-lo sem grande margem para dúvidas no final da conferência de imprensa, quando afirmou que o PSD “não pode estar sistematicamente a vitimizar-se como que a preparar um discurso para uma eventual campanha”. “Não precisamos de um governo que se prepare para um combate com a oposição, mas de um Governo que governe”, reclamou perante os jornalistas.

Vitimização, lamentação e queixume” foi o que o líder do PS disse ter visto na intervenção inaugural de Montenegro, além da “chantagem” sobre o PS. E isto porque, no dia anterior, o primeiro-ministro tinha-se dirigido muito em particular ao PS pedindo-lhe clareza quanto ao seu papel futuro: “Ser oposição democrática ou ser bloqueio democrático”. A resposta de Pedro Nuno Santos ao desafio que não gostou de ouvir foi que será “oposição responsável”.

O que quer isto dizer? Está aberto a negociar atualizações de algumas carreiras da função pública mesmo que isso tenha de passar por um retificativo e aberto a acertos de especialidade no Orçamento para 2025. Mas mais do que isso é “muito difícil”, repetiu. “Não estejam à espera que perante o anúncio da AD de não haver capacidade de dar respostas a algumas reivindicações, mas há para reduzir impostos às empresas, que depois tem o apoio do PS. Isso não acontecerá”.

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A redução do IRC, que a AD tinha no seu programa eleitoral, é uma linha vermelha para os socialistas e Pedro Nuno voltou a dizer que essa é intransponível, colocando-se de parte de um Orçamento que siga esse caminho. Aliás, mantém a suspeita sobre o cenário macroecómico que acompanhou o programa eleitoral da AD — e que durante a campanha disse ser “irrealista” — e agora diz que “não é o excedente que coloca pressão sobre a governação, mas o programa económico do PSD e da AD, a pressão vem daí”. Isto depois de Montenegro ter reagido aos 3,1 mil milhões de euros de excedente em 2023 com o aviso de que “não ficámos um país rico só porque tivemos um superavit orçamental”.

Assim, para o Orçamento do Estado do próximo ano, que terá de ser apresentado em outubro, Pedro Nuno Santos não promete nada, apenas que vai esperar pela proposta. E repete que “é praticamente impossível” viabilizá-la, já que “há divergências de fundo sobre muitas matérias”. Só antevê abertura para negociações na especialidade: “Na especialidade haverá matérias com as quais concordamos, mas temos de esperar pelo Orçamento”.

Pelo caminho vai empurrando a AD mais para o lado do Chega, de forma muito direta: “Há mais semelhança entre a AD e o Chega do que com o PS”. “Temos visões diferentes do estado social, das respostas que é preciso dar ao desenvolvimento económico e da política fiscal”, disse considerando que “é difícil compatibilizar a nossa visão do país da visão da AD”.

Ainda assim, diz que vai procurar Montenegro para lhe apresentar numa conversa a sua disponibilidade para aprovar um retificativo que inclua atualizações de carreiras — o que o ex-ministro das Finanças, Fernando Medina, disse que era possível fazer sem mexer no OE deste ano. Sobre este ponto, Pedro Nuno voltou, no entanto, à semana inaugural do novo Parlamento e à eleição do presidente da Assembleia da República para dizer que foi ele e não Montenegro quem apareceu com uma solução e que não é contactando 15 minutos antes “que se trabalha com o PS”.

“Se há um líder político que se disponibilizou para governar, tem de apresentar soluções e não fazer reptos públicos ao PS. Isso não funciona assim. A forma de trabalhar connosco é respeitando o PS”. A AD não pode ter uma “posição de arrogância” achando que o PS “está obrigado a suportar o seu Governo. Não está, não vai estar, não é esse o nosso papel e não vai ser nunca”, afirmou por fim. O que espera, disse ainda, é que “a humildade invocada” por Montenegro “seja vista na prática aceitando as propostas que o PS faz e os desafios que vai apresentando”. Em troca, promete ir vendo o que fará sobre o que quiser o PSD.