“Zénite” é uma peça sobre seis pessoas surpreendidas pelo desaparecimento do telhado da sua casa, e é também o primeiro ato de uma nova plateia móvel, construída com entulho das obras do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM).

A estreia acontece na próxima quinta-feira, 27 de junho, num espaço ao ar livre da Bobadela, no concelho de Loures, inserida no ciclo “Abril abriu” do TNDM.

Dirigida por Sílvio Vieira, a peça decorre ao longo de duas horas e meia, entre uma espécie de miradouro sobranceiro à Quinta da Barroca, de onde se avista o rio Trancão, e o que resta de um edifício onde a ação culminará, depois de atravessar caminhos de terra batida.

“Zénite” aborda a questão social do que é uma pessoa ou um grupo de pessoas sem teto, […] seja porque aconteceu uma catástrofe ou porque não têm dinheiro para pagar a renda”, disse Sílvio Vieira no final de um ensaio de imprensa. “Esse elemento concreto, real, social, existe e está presente no espetáculo”.

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A peça acompanha seis pessoas que, de um momento para o outro, se veem literalmente entre ruínas, quando o telhado da sua casa desaparece. Hão de descobri-lo enterrado num pântano, junto ao rio. A sequência de acontecimentos faz com que as seis personagens se confrontem e dividam entre si.

Um sobrevivente de guerra, uma pessoa sem casa e nómadas contam-se entre as seis personagens, num espetáculo construído a partir de um “dispositivo híper teatral que depois pudesse justificar a presença de texto”, disse o encenador.

Os gestos dominam a narrativa, que o espaço determina, e só haverá “falas” nos últimos 20 minutos e um breve enquadramento, feito por uma voz feminina, durante um dos percursos da fase inicial. O texto resulta de improvisações feitas com o elenco e de depoimentos de sobreviventes dos bombardeamentos atómicos de Hiroshima e Nagasaki, na II Guerra Mundial, traduzidos por Sílvio Vieira.

No início, aproxima-se um pequeno barco com quatro pessoas que outras duas aguardam na margem do rio. Em conjunto irão enrolar e desenrolar um grande pano vermelho. Mais à frente, jogarão entre si um pedaço de madeira e, por fim, confrontar-se-ão pela posse de comida.

O espaço da realidade social está presente em toda a ação, mas há também uma questão estética, como a estrutura de telhado branco no terreno pantanoso, que constitui um “elemento mais onírico”, disse Vieira. No final, numa sala da casa em ruínas, o entulho preenche quase todo o espaço.

Só aí cada uma das seis personagens fala sobre si mesma como quem lê um diário de bordo, depois de se abrir o imenso pano de veludo vermelho, o mesmo do início da peça (um pano de cena da companhia Artistas Unidos que já tinha sido do TNDM).

“Zénite” encerra uma trilogia iniciada por Sílvio Vieira em 2021 com “Arena”, seguida de “Equador” (2023). A trilogia tem como objeto “o espaço” onde os espetáculos foram criados.

“A ideia é que o espaço funcione um bocadinho como o texto num processo mais tradicional de teatro […]. É o espaço que motiva as improvisações, a dramaturgia, os figurinos, a cenografia”, disse Sílvio Vieira.

Quando o ator e encenador soube que o TNDM ia entrar em obras pensou em “utilizar o entulho para fazer qualquer coisa, um recinto, um teatro ao ar livre”, explicou. Após uma série de obstáculos, porque a construção de uma bancada ou de um auditório seria caríssima, deparou-se com a Quinta da Barroca: um vale, uma ruína e um rio, espaço ideal para os 35 blocos que podem acolher 70 espectadores. O Teatro Zénite pode assim recriar-se em qualquer lugar, onde possa ser instalada esta plateia.

“Zénite” é uma criação conjunta com os seus intérpretes, Catarina Rabaça, Gaya de Medeiros, Márcia Cardoso, Miguel Galamba, Rita Cabaço e Tadeu Faustino.

A conceção do Teatro Zénite é de Rafael dos Santos e Sílvio Vieira. Santos também assina a cenografia. Os figurinos são de Marine Sigaut, o desenho de luz de Pedro Guimarães, o som de Kino Sousa e a voz de Anabela Ribeiro.

“Zénite” fica em cena até 21 de julho, com sessões de sexta-feira a domingo, às 20h30. No dia 5 de julho não há récita.

A representação decorre num percurso pedonal de cerca de dois quilómetros, em terreno acidentado e com alguma inclinação, num lugar “isolado e sem oferta de restauração”. O TNDM aconselha que os espectadores levem “roupa e calçado confortável, um agasalho e repelente de insetos, água e uma refeição leve”.