Quatro demissões, 200 mil subscrições canceladas e críticas dos jornalistas do caso Watergate. O bloqueio do Washington Post à tradicional declaração de apoio a um candidato presidencial está a fazer-se sentir na redação do jornal. Mais dois editores e uma colunista apresentaram a demissão esta segunda-feira e milhares de leitores já cancelaram as suas assinaturas, depois de a decisão ter sido anunciada na passada sexta-feira.
A equipa editorial do Post já tinha um rascunho de uma declaração de apoio a Kamala Harris. Com a proibição de a publicar, dois editores, David Hoffman e Molly Roberts, apresentaram a sua demissão desta equipa. Hoffman, que ganhou o Pulitzer este ano pela sua análise de novas tecnologias em autocracias, destacou “a ameaça muito real de autocracia na candidatura de Donald Trump”. “Acho inconcebível que tenhamos perdido a nossa voz neste momento perigoso. Posiciono-me contra o silêncio face à ditadura”, afirma Hoffman na sua carta de demissão, partilhada nas redes sociais.
Hoffman’s letter to opinion editor David Shipley pic.twitter.com/YoFp1mMx63
— Max Tani (@maxwelltani) October 28, 2024
A editora Molly Roberts salientou por sua vez a tradição norte-americana de as equipas editoriais apoiarem candidatos presidenciais. “Queremos fazer o mundo um lugar melhor, apoiando o melhor candidato com as melhores políticas e condenando o pior. Queremos mudar mentes. Mas acima de tudo, queremos escrever com transparência moral”, escreveu. “O imperativo de apoiar Kamala Harris sobre Donald Trump é tão moralmente transparente quanto possível. Pior, o nosso silêncio é exatamente o que Donald Trump quer para os media, que nos mantenhamos em silêncio”, acrescentou, numa carta também publicada no X.
— Molly Roberts (@mollylroberts) October 28, 2024
Mas os editores não foram os únicos a sair. Antes, a colunista Michele Norris, abdicou do seu espaço de opinião, considerando que a “decisão de impedir um apoio quando princípios democráticos estão em perigo é um erro terrível”. Os três nomes juntam-se a Robert Kagan, que já tinha apresentado a demissão na sexta-feira, também em protesto com a decisão do publisher, que terá sido ordenada pelo dono do jornal, o milionário Jeff Bezos.
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O alerta sobre a ameaça que Donald Trump representa para a democracia norte-americana foi deixado ainda por dois dos nomes mais sonantes na história do jornal: Bob Woodward e Carl Bernstein, responsáveis pela investigação que expôs o escândalo Watergate em 1972. “Sob a liderança de Jeff Bezos, a operação noticiosa do Washington Post usou recursos abundantes para investigar rigorosamente o perigo e os danos que uma segunda presidência Trump podia causar e isso torna a decisão ainda mais surpreendente e desapontante, especialmente tão tarde no processo eleitoral”, lamentou o par, numa declaração conjunta.
Statement on Washington Post’s refusal to endorse presidential candidate. pic.twitter.com/r8jrMPW5GR
— Carl Bernstein (@carlbernstein) October 26, 2024
Os protestos não se fizeram sentir apenas na redação. 200 mil leitores cancelaram as suas subscrições digitais do Washington Post até ao meio dia desta segunda-feira, cerca de 8% de todos os assinantes do jornal, segundo dados da NPR, que adianta que o número continuou a crescer de forma “colossal” durante a tarde. O desagrado dos leitores também se sentiu na peça mais vista no passado domingo: um artigo de opinião de cariz humorístico intitulado “Cabe-me a mim, a colunista de humor, apoiar Harris para Presidente. Não é isso que é suposto o jornal fazer?”.