O Banco de Portugal assume que deverá no futuro ter uma especial preocupação em tomar “decisões de supervisão de forma mais tempestiva e determinada, mesmo que tal implique um maior risco de litigância”. Esta é uma das lições que o supervisor tira da sua atuação no caso Banco Espírito Santo (BES) e que surge entre as 19 recomendações que resultam da auditoria interna realizada após a queda do BES.

A entidade liderada por Carlos Costa recusou divulgar os resultados da auditoria, mas tornou esta quinta-feira públicas as recomendações para uma melhor ação do próprio Banco de Portugal (BdP). Estes conselhos têm dois destinatários: o poder legislativo (Governo e Parlamento) e o próprio supervisor bancário, com o BdP a reconhecer falhas, ainda que de forma implícita, na sua atuação no caso BES.

Acumulação de cargos de gestão, limites na concessão de crédito a acionistas, proibição de empréstimos a gestores, identificação de todos os acionistas com 2% ou mais, exposição a entidades do grupo ou países terceiros, comercialização de produtos financeiros, auditores, mais determinação e rapidez nas decisões, são as áreas onde o Banco de Portugal reconhece que é preciso mudar. Ser mais vigilante, ter uma aplicação mais restrita, ser menos tolerante e maior capacidade de decisão, são recomendações que sugerem, no mínimo, uma autocrítica à gestão do sensível dossiê BES.

Em matéria legislativa, o BdP propõe que se deve proibir a comercialização, “pelas instituições de crédito, de títulos de capital e de dívida das empresas não financeiras do grupo a que pertencem”.

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Esta é apenas uma das intenções do supervisor que vai ao encontro do defendido pela oposição. Os partidos apresentaram propostas de alteração à legislação que serão votadas esta sexta-feira, depois de terem sido discutidas na semana passada.

A Comissão de Avaliação às Decisões e à Atuação do Banco de Portugal na Supervisão do BES (assim se chamou o grupo de trabalho que levou a cabo a auditoria), dividiu as recomendações entre alterações à prática da instituição e em recomendações de alterações legislativas. Este documento aparece na semana antes de Carlos Costa voltar à Assembleia da República para a audição prévia à sua recondução no cargo.

Alterações à lei:

  • Conflito de interesses: Aprofundamento das regras para evitar conflitos de interesse nas instituições de crédito;
  • Exposição a partes relacionadas: Redução gradual do limite de grandes riscos a partes relacionadas – O BdP até preferia que as instituições europeias se decidissem pela proibição, mas pelo menos defende um limite mais baixo “de 5% ou 10% dos fundos próprios consolidados”;
  • Comercialização de títulos do mesmo grupo: Propor ao Governo a proibição de comercialização, pelas instituições de crédito, de títulos de capital e de dívida das empresas não financeiras do grupo a que pertencem;
  • Exposição a investidores qualificados: Redução gradual do limite de exposição a detentores de participações qualificadas na instituição de crédito em percentagem dos seus fundos próprios;
  • Proibição de venda a clientes não institucionais: Neste ponto, o BdP aproxima-se de algumas das propostas que estão em discussão no Parlamento e defende a proibição de comercialização nos bancos de vários instrumentos financeiros a clientes não profissionais, entre eles “instrumentos financeiros emitidos por entidades detentoras de participações qualificadas, incluindo sociedades em relação de domínio com aquelas”; e ainda “de ações ou outros instrumentos que qualifiquem como fundos próprios regulamentares do grupo financeiro a que pertence a instituição de crédito para efeitos de supervisão em base consolidada”;
  • Identificação de accionistas: O BdP quer uma maior identificação dos acionistas, nomeadamente dos “detentores de participações a partir de 2%” e ainda dos beneficiários últimos das participações nas entidades financeiras, quando se trata de sociedades;
  • Exposição a empresas participadas: Uma das lições do BES foi que o banco estava demasiado exposto às empresas do GES. Agora, o BdP reconhece que é preciso “propor ao Governo o estabelecimento de um limite à exposição total (crédito e capital) a empresas participadas (por exemplo, 10% dos fundos próprios em base consolidada). Propor também que a alteração correspondente tenha lugar na regulamentação europeia”;
  • Concessão de crédito: O BdP quer evitar a concessão de crédito a todos os membros dos conselhos de administração, geral e de supervisão, bem como a sociedades ou outros entes coletivos por eles direta ou indiretamente dominados”;
  • Papel comercial: O BdP quer “propor ao Governo e em articulação com a CMVM um aumento substancial do patamar mínimo para que uma emissão de papel comercial seja classificada como particular”;
  • Supervisão: A alteração é apenas indicativa, mas admite, implicitamente, um reconhecimento de uma falha. A comissão de auditoria do Banco de Portugal defende que os “supervisores financeiros nacionais e do Governo uma reflexão sobre possíveis melhorias no modelo institucional de supervisão financeira português, à luz das melhores práticas internacionais e da evolução previsível do enquadramento europeu”;
  • Auditores externos: Neste capítulo, há várias sugestões  como a contratação do auditor externo por um órgão do Conselho de Administração independente da Comissão Executiva ou ainda a “restrição ou proibição de prestação de serviços de consultoria pelas empresas que simultaneamente prestam serviços de auditoria ao grupo financeiro”. Mas há mais, o BdP defende uma “obrigatoriedade de rotação do auditor externo” ao fim de três mandatos de três anos ou de dois mandatos de quatro anos e por fim uma “certificação prévia pelo Banco de Portugal” das sociedades de auditoria que pretendam exercer a sua atividade em instituições de crédito e sociedades financeiras.

 Recomendações do supervisor a si próprio

  • Conflitos de interesses: Aplicar de forma mais estrita o regime de acumulação de cargos de gestão por parte de administradores de bancos fora dos seus grupos financeiros. Ser mais estrito na aplicação dos limites à concessão de créditos a detentores de participações qualificadas (2% ou mais). Ser particularmente vigilante em relação ao cumprimento da proibição de conceder empréstimos a membros dos órgãos sociais ou entidades por estes controladas. Retomar a exigência da entrega de declarações periódicas.
  • Exposição a acionistas e participadas: Não tolerar, em nenhum caso, a falta de esclarecimento sobre quais os beneficiários últimos das participações de pelo menos 2%. E em caso de dívida inibir os direitos de votos desses acionistas até ao cabal esclarecimento.
  • Exposição dentro do mesmo grupo: Monitorização permanente. E se a exposição ultrapassar um patamar de alerta, por exemplo 5% dos capitais próprios consolidados, reforçar o acompanhamento e até determinar a redução ou anulação da exposição. Não dar isenções de grandes riscos para exposições dentro do grupo ou a filiais em países terceiros, se não estiver garantido o acesso a toda a informação. Uma recomendação que resulta diretamente da experiência do BESA (Banco Espírito Santo Angola).
  • Venda de produtos financeiros pelos bancos: Desenvolver capacidade técnica para monitorizar a comercialização de todos os produtos financeiros, para avaliar se o banco está em condições de comercializar. Controlar a exposição que resulte dessa venda. Alertar outros reguladores, CMVM e ASF (seguros e fundos de pensões) no caso de ser detetada qualquer irregularidade.
  • Auditores: Emitir orientações para os auditores que clarifiquem as expectativas do que se espera do seu trabalho e reforce a exigência das suas análises.
  • Atitude face aos supervisionados: Ter uma especial preocupação na supervisão direta de instituições menos significativas e de “tomar decisões de supervisão de forma mais tempestiva (célere) e determinada, mesmo que tal implique um maior risco de litigância”.  Promover reflexão interna sobre a organização das funções jurídicas na sua articulação com a supervisão.