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2019 é o ano do fim da “gerigonça”. A esquerda, nesta altura do campeonato, já fez a sua descolagem, aprovado que está o último Orçamento da legislatura. As posições conjuntas assinadas em 2015 com o PS de António Costa apontavam um acordo “na perspetiva da legislatura” e a aprovação do Orçamento para 2019, já libertou das amarras os parceiros da “geringonça”. Os próximos quatro meses serão já de campanha, com vista às europeias de 26 de maio. E a seguir a elas, as máquinas dos partidos seguem oleadas para as legislativas de 6 outubro. Serão praticamente nove meses consecutivos de candidaturas, listas, programas, promessas, muitos quilómetros, comícios, rua, campanha ao rubro. E vários bicos de obra para resolver pelo meio.
Lei laboral, professores, Leis de Bases da Saúde e Lei de Bases da Habitação — e, pelo meio de todos estes temas, as greves que os vários setores vão promover durante o ano. É por aqui que vão passar as grandes negociações políticas do último ano da legislatura, que vão obrigar o PS a dialogar à esquerda e à direita se quiser chegar a julho com o caderno de encargos traçado pelo líder do partido concluído.
A agulha socialista vai girar em função dos temas. Se, na Saúde, o acordo parece mais viável à esquerda, é também daí (sobretudo, do lado do PCP), que surgem os sinais de maior afastamento no que toca às mexidas no Código do Trabalho. Mas nem por isso PSD e CDS dão sinais de facilidade: as cativações de Mário Centeno vão continuar a marcar o discurso dos partidos à direita do PS e o tom pode subir com a aproximação dos (vários) momentos eleitorais do ano.
Depois, há os sindicatos. O secretário-geral da CGTP já prometeu um ano “quentinho” caso as negociações falhem. Os pontos de reivindicação foram enunciados por Arménio Carlos numa entrevista à revista Visão: salários, lei laboral (com a contratação coletiva pelo meio), distribuição de riqueza e direitos, liberdades e garantias. “Se os resultados não vêm, precisamos de recorrer aos meios que temos à nossa disposição.”
Lei laboral: há vida além da “geringonça”
As mexidas na Lei Laboral são uma das ameaças à paz parlamentar da “geringonça”. Mais crítico que o Bloco de Esquerda, o PCP deixou sinais claros de rejeição das propostas de alteração ao Código do Trabalho que o Governo apresentou na Assembleia da República e, antes de o Parlamento fechar para as festividades, Jerónimo de Sousa chegou a pedir a António Costa que “retirasse” a proposta da mesa. O primeiro-ministro tem “pena” da distância de posições, mas não cedeu na defesa do documento. A discussão na especialidade vai marcar os próximos meses no Parlamento e à esquerda a convergência verificada várias vezes ao longo desta legislatura deve dar lugar a desencontros.
A proposta do ministério de Vieira da Silva nunca foi vista como um documento sagrado na bancada do PS. Mas mesmo que Carlos César tenha anunciado a apresentação de propostas de alteração para breve, não é expectável que venham aí novas medidas. A bancada socialista quer “afinar” a proposta, que mereceu um apoio generalizado dos parceiros sociais (só a CGTP ficou fora do acordo), “sem colocar em causa integridade do documento” original, diz fonte da bancada ao Observador.
Um dos pontos a ser trabalhado é a “norma anti-abuso” ao recurso de trabalhadores em período experimental. A proposta do Governo pretende alargar para 180 dias o período experimental e a bancada do PS quer evitar que “uma empresa possa recorrer de forma reiterada a figuras experimentais, acabando por não ficar com o trabalhador”. Esta é uma das alterações que os socialistas devem propor, mas ainda não há limites definidos.
Outra reserva prende-se com a “forma como a taxa de rotatividade excessiva está montada” na proposta do Governo. A bancada do PS quer limitar as exceções previstas na lei para justificar o ritmo de entradas e saídas de trabalhadores. Também aqui não está fechada a forma como essa limitação vai passar para o papel.
Para os comunistas este é “o grande desafio político do próximo ano”. Paulo Raimundo, do Secretariado Nacional do PCP, explica ao Observador que este dossier, por interferir diretamente “com os direitos dos trabalhadores”, que sempre foi caro ao partido, será uma das principais lutas políticas de 2019. “Não apenas no plano político, mas também no âmbito social”, adverte, tocando ao de leve num dos trunfos com que o PCP conta: os sindicatos.
Este aviso casa com a crítica que fazem aos socialistas. “Em matérias que nós consideramos essenciais, como esta, o PS tem preferido o apoio do PSD e do CDS. Neste caso, pode voltar fazê-lo. Se assim for, será uma triste notícia, mas não propriamente uma novidade”, conclui.
Como seria de esperar, o Bloco de Esquerda também não vai dar a mão aos socialistas se o entendimento for conseguido à direita. “Não podemos perder a oportunidade desta legislatura para alterar a Lei do Trabalho que foi deixada pela troika”, defende Marisa Matias ao Observador. “É uma das lutas fundamentais de 2019. E há duas matérias que para o Bloco são cruciais neste debate: a contratação coletiva e a precariedade“. Neste último ponto, as posições da bancada socialista podem aproximar-se das bloquistas, mas dificilmente haverá consenso no que diz respeito à contratação coletiva.
O BE sabe que um entendimento à esquerda é difícil por esta altura, até porque na generalidade a proposta do Governo teve a aprovação de PSD e CDS e na Concertação Social só faltou a assinatura da CGTP. Mas a eurodeputada do Bloco garante que o partido está disposto a falar com os socialistas para inverter o caminho até agora seguido pelo Executivo de António Costa. “O sucesso do diálogo à esquerda depende apenas do PS”, assegura.
Já na convenção do partido, a tónica de prosseguimento do caminho de convergência com o PS tinha marcado os discursos das suas figuras mais destacadas. “A legislatura não acaba com a aprovação do Orçamento do Estado de 2019”, repetiram inúmeras vezes. Agora, Marisa Matias volta a frisar a ideia: “Felizmente há, como sempre houve, política além dos orçamentos. Não vamos desistir”, garante, passando todas as responsabilidades para o lado de Costa.
Já PSD e CDS não vão carregar muito neste tema, até porque um entendimento com o PS neste pacote pode ser benéfico para o eleitorado da “direita tradicional”. Em ano de eleições, este é um argumento que tem um peso particular para os cálculos de ambos os partidos.
Professores: Governo com respaldo de Belém nas novas negociações
O potencial incendiário do tema é considerável, ainda mais tratando-se de ano eleitoral. Professores na rua, em manifestações, com ameaças de bloqueio de anos letivos são, neste momento, uma hipótese forte para 2019. O Governo entra, pelo menos, no novo ano com sinais nesse sentido, depois de obrigado (pelo Presidente e pelo Parlamento) a voltar à mesa de negociações com os professores. A probabilidade de conseguir satisfazer por completo as exigências dos sindicatos é, no entanto, baixa. E nessa matéria, o governo conta com a compreensão de Belém.
Quando o Presidente da República mandou para trás o decreto que recuperava dois anos, nove meses e 18 dias do tempo de carreira congelado aos professores, manteve-se fora de considerações políticas sobre o conteúdo do mesmo. Obrigou à repetição das negociações entre Governo e sindicatos, mas sem tomar parte.
Em Belém, existe sensibilidade face a um dos argumentos mais repetido pelo Governo durante esta negociação: a recuperação de todo o tempo congelado (nove anos, quatro meses e dois dias) que os sindicatos exigem tem um peso incomportável para as contas de Mário Centeno, são 600 milhões de euros. Nas negociações tem, aliás, participado um enviado de Centeno, o secretário de Estado do Orçamento João Leão, que estimou que a recuperação de quase três anos de congelamento teria um custo adicional de cerca de 200 milhões de euros. Não tem havido permissão para ir além.
A compreensão de Marcelo pode servir de respaldo ao Governo para insistir com a mesma proposta nas negociações que terá de reabrir em 2019, sem pôr em risco as metas com que já se comprometeu. Já se sabe que chamará de novo os sindicatos, mas ainda não se sabe quando nem o que estará disponível para pôr em cima da mesa. O Governo argumenta, além das finanças, que também não quer tratamentos desiguais entre setores da Administração Pública, criando situações de injustiça. E depois há ainda toda a retórica sobre a cedência que já fez, quando os sindicatos continuam intransigentes, exigindo recuperar as carreiras que estiveram congeladas entre 2011 e 2017 e também entre 2005 e 2007.
São cerca de 100 mil professores que estão nos quadros, uma massa significativa que o PS arrisca deixar descontente num ano eleitoral. Contra a possível insatisfação, o argumento socialista vira ao contrário: foram os sindicatos e os partidos que fizeram com que os professores não pudessem recuperar sequer uma parte do que foi congelado. Nas contas do Governo, este ano, seriam cerca de 13 mil os professores em mudança de escalão que poderiam ver acelerar a progressão na carreira com a contabilização de quase três anos de congelamento.
Mesmo que a proposta do Governo volte nos mesmo moldes e, desta vez, o decreto saia promulgado pelo Presidente da República, os partidos poderão a chamá-lo para apreciação parlamentar o que, segundo o regimento da Assembleia da República, pode ser feito pelos deputados “para efeitos de cessação de vigência ou de alteração” de decretos. E neste caso, obrigar mesmo o governo à reposição integral do tempo congelado. O cenário está na cabeça do Presidente da República, que nos últimos meses viu o PSD de Rui Rio a ser encaminhado para uma posição sem volta nesta matéria, quando a Madeira (PSD) aprovou a contagem integral do tempo, faseada ao longo de sete anos.
Madeira. Professores recuperam todo o tempo de serviço congelado a partir de janeiro de 2019
Na Madeira, que tem eleições em setembro, a decisão foi tomada — e também nos Açores, governados pelo socialista Vasco Cordeiro, que vai repor os sete anos de congelamento. Uma pressão extra para o Governo liderado por António Costa que muito dificilmente se livrará deste peso sob os ombros quando percorrer a estrada eleitoral — ainda por cima tem eleições em dois momentos delicados no ensino: o final do ano letivo e o arranque do seguinte. Não será o primeiro chefe de um Executivo a ir para eleições com este setor na rua. Em 2009, José Sócrates teve a mesma sorte, depois de um primeiro mandato no Governo em guerra constante com os professores, sobretudo por causa do modelo de avaliação que queria implementar. Na reeleição, perdeu a maioria absoluta.
Saúde: entre a “denúncia” à direita e o “diálogo” à esquerda
António Costa apontou-o como um dos temas a fechar até ao fim da legislatura. A proposta do Governo para a nova Lei de Bases da Saúde relançou o debate e a vice-presidente da bancada parlamentar do PS Jamila Madeira admite uma “convergência muito clara” entre essa versão e “as propostas do Bloco de Esquerda e do PCP”. Mas chama os “verdadeiros defensores do Serviço Nacional de Saúde” porque, garante, “há todas as condições para um diálogo” alargado.
O Bloco de Esquerda manifestou reservas quando ainda não havia proposta do Ministério da Saúde apresentada e chegou a acusar o PS de estar mais interessado na “sua costela de negócio” do que em apostar no SNS. Uma crítica em que o PCP também já apostou, por exemplo quando Jerónimo de Sousa disse que “os problemas” no setor “abriram campo à proliferação do negócio da doença privada à custa dos recursos públicos”.
Jamila Madeira entende que, no documento da ministra Marta Temido, “está claramente vertida a relação de coexistência com o setor privado”, mas num modelo em que esse recurso só acontece “quando o SNS necessite, suplementarmente” ao serviço público e apenas para “suprir faltas pontuais”. Um pouco “à semelhança daquilo que existe para a Educação”, compara a deputada socialista.
Em relação às Parcerias Público-Privadas — outro ponto sensível para a esquerda —, Jamila Madeira diz que “o que se propõe é que sejam de carácter temporário”, e defende que o perfil dos cuidados de saúde em Portugal, tal como estão definidos na proposta do Ministério da Saúde, espelham o espírito que António Arnaut já defendia na proposta que desenhou com o bloquista João Semedo.
Mesmo a quebra no investimento com que o setor se tem confrontado, e que se traduz na degradação e equipamentos e em queixas dos profissionais relativamente às suas carreiras, tem vindo “a ser recuperado”, defende o PS. O Bloco puxa esse ponto para a lista das principais questões a tratar.
Certo é que o tema não vai sair da agenda, promessa de comunistas. “A defesa do SNS será uma das lutas de que não vamos abdicar”, garante Paulo Raimundo, do secretariado nacional do PCP. Basta lembrar as greves dos últimos meses ou as paralisações já anunciadas para os próximos meses para perceber que a contestação vai continuar nas ruas.
No Parlamento, o Bloco de Esquerda promete abertura para o diálogo — uma posição que não surpreende, tendo em conta que João Semedo esteve na primeira linha deste debate. “O debate em torno da Lei de Bases da Saúde está completamente em aberto” e “a proposta do Bloco de Esquerda tem muito em comum com a proposta de Arnaut e de João Semedo”, sublinha Marias Matias, admitindo, ainda assim, que o diálogo dos próximos meses vai ser “um caminho difícil”.
Todos os partidos apresentaram ou vão apresentar propostas de novas Lei de Bases da Saúde, mas a eurodeputada defende que o Bloco apresentou “a mais completa”. As PPP ou a contratação de serviços de diagnóstico aos operadores privados surgem à cabeça como os pontos que mais afastam neste momento o Bloco do PS mas, reconhece a eurodeputada, “existe uma grande convergência noutros aspetos”.
O discurso assume outro tom à direita. “É verdade que as greves têm efeitos que não desvalorizamos, mas também não nos iludimos a achar que só há problemas por causa das greves”, diz António Leitão Amaro. A pensar no setor da Saúde de forma mais alargada, o vice-presidente da bancada do PSD lembra que “houve cortes no investimento, houve cativações, há os efeitos da redução das horas de trabalho”.
O CDS “vai seguramente a jogo” no debate sobre a Lei de Bases e apresentará as suas propostas, mas não baixa a guarda. Nuno Magalhães, presidente da bancada parlamentar centrista, considera que na Saúde, como na Educação ou nas infraestruturas, “PS, PCP e Bloco de Esquerda vão intensificar a farsa” daquilo que Assunção Cristas definiu como a “austeridade maquilhada”.
Habitação: PSD entrou em jogo para salvar PS
As leis para a habitação são uma prioridade para quase todos os partidos para o que resta de legislatura. Não por acaso, a Lei de Bases da Habitação vai estar em debate no Parlamento logo na primeira semana de janeiro. Aliás, já esta sexta-feira, o Diário de Notícias noticiou que o Bloco de Esquerda vai propor que, no crédito à habitação, se proceda a uma alteração para que a entrega da casa ao banco possa servir para saldar a totalidade da dívida.
Esta é apenas a mais recente novidade numa pasta que tem conhecido vários avanços e recuos e que tem colocado de um lado o Bloco de Esquerda e o PCP e do outro o PS. Um afastamento no seio da solução governativa que foi tido quase como incontornável em outubro quando o deputado socialista João Torres anunciou, em declarações aos jornalistas no Parlamento, que o partido estava disposto a negociar medidas com “outras forças políticas, que não o PCP ou o Bloco de Esquerda”.
Exatamente dois meses depois, e já após a polémica saída de Helena Roseta do cargo de coordenadora do grupo de trabalho parlamentar sobre habitação, o PSD anunciou que ia apresentar dez propostas. Os socialistas tinham assim encontrado a força política fora da “geringonça” capaz de contribuir para o sucesso desta legislação.
Habitação. PS procurava parceiro, PSD vai a jogo com dez propostas
Das dez propostas, quatro foram aprovadas na generalidade com a abstenção do PS. PCP e BE votaram contra e o PSD e o CDS deram luz verde aos documentos. Dos quatro, destacam-se sobretudo a atribuição de benefícios fiscais a contratos a partir de dois anos e o aperfeiçoamento do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA).
Os benefícios fiscais para os senhorios fazem parte do leque de linhas vermelhas tanto do Bloco de Esquerda como do PCP, que se opõem de forma veemente a qualquer concessão deste tipo. Para ambos os partidos, a defesa dos inquilinos e o combate à especulação imobiliária são pilares basilares de uma lei de bases pensada para este setor.
No entanto, há uma pedra no sapato para o BE nesta matéria: o caso Robles. Marisa Matias assegura que “o trabalho feito ao longo dos anos na área da Habitação” e “a assunção do erro de gestão” cometido no caso que envolveu Ricardo Robles são suficientes para legitimar qualquer medida que o partido queira fazer passar neste ponto. “Dificilmente um partido teria resolvido o problema da mesma forma”, diz, fazendo um auto-elogio à postura do Bloco.
“Este é um dos temas essenciais para o Bloco de Esquerda para o que resta de legislatura”, admite a eurodeputada bloquista. Reconhecendo que, numa lógica eleitoral, o argumento envolvendo Ricardo Robles possa vir a ser usado por outros partidos, Marisa Matias acredita que “vai haver bom senso” nesse debate. “As eleições têm datas próprias, se houver vontade política dá sempre para avançar nestas matérias”, sublinhou.
Para o PCP, este também é um assunto importante, embora o grande foco esteja na legislação laboral. Paulo Raimundo espera que o ambiente de pré-campanha “não tolde em demasia a discussão de propostas”. E garante que não é por “não haver nenhum orçamento para aprovar nesta legislatura” que “o PCP vai desistir de qualquer luta”. “Não nos amedrontamos”, afiança.
Uma economia pouco amiga de eleições
Se os resultados económicos têm sido um dos trunfos mais explorados pelo governo e pelo PS (que chegou a espalhar cartazes a festejar o défice mais baixo da democracia), as previsões para 2019 não são, porventura, as que António Costa desejaria para enfrentar um intenso ano eleitoral. O próprio primeiro-ministro se encarregou já de baixar as expectativas com o discurso que fez no dia de Natal, quando disse: “Eu não me iludo e não nos podemos iludir com os números”.
Retirou do discurso a expressão “virar a página da austeridade” e falou antes dos “anos difíceis” que ficaram para trás. A tónica foi a de que há “grandes desafios”, “muito trabalho pela frente” e que 2019 não vai ser ano de facilitismos.
O empurrão externo dado à economia nacional vai perder força em 2019, com as principais previsões a apontar para uma desaceleração da conjuntura externa. As exportações começaram já a ressentir-se e o Banco de Portugal já reviu em baixa as projeções de crescimento económico para 2019, apostando nos 1,8% – número bem diferente daquele que o governo inscreveu no OE 2019, 2,2%.
Não será, nem de perto nem de longe, o diabo que se acredita que Passos Coelho previu um dia, mas o PSD já afiou as garras para esse combate em 2019: “O ano da propaganda máxima foi 2017, estávamos a recuperar do solavanco de 2016. Agora isso acabou”, diz Leitão Amaro, que acredita que “as pessoas vão perceber que não houve nenhum milagre económico, nem a política de devolução de rendimentos solucionou os problemas do país. Houve um empurrão externo à economia, o governo não o aproveitou e Portugal ficou para trás na Europa.”
Ainda assim, as previsões do Banco de Portugal não confirmam um cenário excessivamente pessimista. Os analistas do banco central falam de um crescimento “mais sustentável”, porque mais baseado no aumento do peso das exportações que no consumo privado. Também o investimento empresarial deverá ganhar mais dinamismo, beneficiando de condições de procura e financiamento favoráveis. E espera-se também impacto positivo dos fundos europeus do PT2020.
Mas há muitas incertezas à espreita, e nem é preciso sair da Europa, que se prepara para a inédita experiência do Brexit, numa altura em que também ninguém sabe com o que pode contar na Itália. Internamente com muitas negociações por fechar e com reivindicações em força nas ruas, Costa sabe que não vai contar com o contexto económico ideal.
Eleições à porta e greves (em série) dentro de casa
Nos transportes, na justiça, nas escolas, nas prisões, forças de segurança, enfermeiros, os funcionários dos registos e do notariado. Não faltaram no final deste ano as greves e não vão faltar no arranque do ano. Aliás, já há até um pré-aviso de greve para os primeiros dez meses de 2019, dos oficiais de justiça. E uma ameaça de greve geral da função pública.
Só ao fim de três anos em funções, este Governo conheceu a sua primeira greve geral (outubro passado). Mas arranca o último ano da legislatura com o secretário-geral da CGTP a não deixar essa hipótese fora do baralho. Os sindicatos da função pública não consideram suficiente a proposta do Governo que incidiu exclusivamente sobre os salários mais baixos, com a remuneração mínima no Estado a passar de 580 euros para 635 no próximo anos. Segundo as contas do Governo, a medida abrange cerca e 70 mil funcionários públicos e custaria 50 milhões de euros, os tais que o Governo disponibilizou para aumentar os funcionários públicos em 2019. A negociação continua, com os sindicatos da função pública a exigirem aumentos para todos os funcionários.
É uma das áreas de tensão, mas no Governo o olhar detém-se na metade cheia do copo: o Orçamento para 2019 conta com 800 milhões para remunerações no Estado, a serem aplicados entre promoções e progressões. Centeno coloca-o como “o maior incremento salarial da administração pública portuguesa da última década”. Da mesma maneira que o Executivo insiste que o descongelamento das carreiras é um passo de gigante quando nos últimos sete anos estiveram congeladas. Nada disto tem afastado a contestação.
Ainda assim, onde a tensão tem sido maior neste final de ano é quanto às falhas de funcionamentos dos serviços públicos, que a oposição no Parlamento — e a esquerda que apoia o Governo também — tem aproveitado para atirar ao Governo. Exemplo disso mesmo é o que António Leitão Amaro, do PSD, diz ao Observador: “O maior desafio para o governo vão ser as pessoas e as empresas que vão sentir em 2019 os efeitos do abrandamento económico, ao mesmo tempo que pagam impostos como nunca e têm serviços públicos que não funcionam.” A pressão é crescente à entrada no ano em que se jogam eleições legislativas e é nesta perspetiva que está a ser vista pelos socialistas que olham para o ritmo da contestação social nos últimos tempos como um sinal do acelerar das máquinas partidárias e sindicais.
Prometidas para o próximo ano há já uma greve parcial dos oficiais de justiça, com pré-aviso emitido, que vai de 4 de janeiro a 4 de outubro. Os juízes já marcaram 21 dias de greve para 2019, tendo definido as datas em que vão estar em protesto até ao período das eleições (há mais três dias por marcar para outubro de 2019), por causa da falta de acordo na revisão do Estatuto dos Magistrados. Os enfermeiros também já apontaram nova greve nos blocos operatórios com início a 14 de janeiro de 2019 e fim previsto para 28 de fevereiro, abrangendo sete unidades hospitalares. Não será a única, apesar de haver uma reunião com o Governo agendada para 3 de janeiro para tentar um acordo sobre as carreiras destes profissionais de saúde.
E há ainda a questão dos professores, com Mário Nogueira (Fenprof) a afirmar que “o Conselho Nacional da Fenprof proclamou 2019 como ano de luta dos professores. Não vamos desistir de recuperar todo o tempo de serviço”, disse ainda este mês. E entre 3 de janeiro e 5 de abril de 2019, no segundo período do ano letivo, a Fenprof quer fazer uma grande manifestação nacional. O ano começará quente e assim promete continuar.