Henrique Granadeiro, antigo presidente da comissão executiva e do conselho de administração da PT, é acusado pelo Ministério Público (MP) de ter sido alegadamente corrompido entre 2006 e 2011 por Ricardo Salgado para alegadamente beneficiar o Grupo Espírito Santo (GES) em diversos momentos da gestão da Portugal Telecom (PT). A oposição da administração da PT liderada por Granadeiro à OPA da Sonaecom à principal operadora portuguesa, o negócio da venda da Vivo e a entrada no capital social da empresa brasileira Oi são os dossiês onde os investigadores da Operação Marquês entendem que Henrique Granadeiro alegadamente favoreceu o GES a troco de uma soma total de cerca de 24 milhões de euros.
A todas aquelas imputações do MP, o ex-líder da PT respondeu com diferentes explicações. Desde pagamentos por serviços prestados (anos antes) em fábricas do grupo GES — como a recuperação da SECLA, uma fábrica de cerâmica nas Caldas da Rainha –, passando por serviços de consultadoria nos negócios agrícolas da família Espírito Santo no Brasil, Paraguai ou Portugal e terminando na alegada venda de uma parte do capital social da empresa que detém a Herdade do Vale do Rico Homem à sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises — o famoso e secreto ‘saco azul’ do GES –, vários foram os argumentos apresentados por Granadeiro para refutar as suspeitas da equipa do procurador Rosário Teixeira.
Ao longo do interrogatório, o antigo gestor admite que é amigo de Ricardo Salgado, mesmo após este estar “leproso”, conta que Sócrates queria mesmo que a PT comprasse a TVI (terá valido Granadeiro, que diz ter sido a “pílula do dia seguinte” do negócio), revelou que conheceu o ex-primeiro-ministro antes de este ser governante por ser namorado de Fernanda Câncio e ainda justifica ter contas bancárias em Genebra porque na altura era “chique ter uma conta na Suíça“.
[Veja aqui o episódio da minisérie “Sim, Sr. Procurador” sobre o interrogatório a Henrique Granadeiro]
Nas respostas que deu aos procuradores Rosário Teixeira e Inês Bonina e ao inspetor Paulo Silva (da Autoridade Tributária) repetiu várias vezes a expressão “Sempre vivi do meu dinheiro e só tenho o dinheiro que ganhei“. Disse, logo no início, que queria colaborar com a justiça e lembrou ao procurador que, na Comissão Parlamentar de Inquérito, foi o “único que assumiu responsabilidades” pelos investimentos realizados em papel comercial na Rioforte (a holding do GES para a área não financeira).
O interrogatório ao ex-gestor da PT foi realizado a 3 de março de 2017. Henrique Granadeiro é acusado pelo MP de ter cometido alegadamente oito crimes: um de corrupção passiva, dois de branqueamento de capitais, um de peculato, um de abuso de confiança e três de fraude fiscal qualificada.
A OPA da Sonae à PT. “Nunca fui cabo de ordens de ninguém”
O MP procurou perceber, no interrogatório, de que forma Henrique Granadeiro chega à presidência do conselho de administração da PT e o porquê de acumular nessa altura esse cargo de chairman com o de chief executive officer. O procurador Rosário Teixeira procurava, desde logo, perceber se a decisão de tornar Granadeiro uma espécie de todo-poderoso da PT naquela altura foi influenciada por Ricardo Salgado, de forma a ter um homem de mão na rejeição da OPA da Sonaecom à PT, em 2006. Granadeiro defende-se dizendo que a decisão de acumular os cargos foi sua, mas admite que teve a aceitação dos acionistas (entre os quais Ricardo Salgado). Não negou ser amigo do ex-banqueiro, mas diz que nunca foi “cabo de ordens de ninguém” e que sempre mandou sozinho.
Procurador Rosário Teixeira: Mas relativamente à opção de juntar na mesma pessoa a … a presidência do conselho de administração e da comissão executiva, que o sr. dr. disse que realmente…
Henrique Granadeiro: Isso foi uma decisão minha.
Procurador Rosário Teixeira: Pronto, foi uma decisão sua.
Henrique Granadeiro: Foi uma decisão…
Procurador Rosário Teixeira: ...com o apoio dos acionistas, suponho?
Henrique Granadeiro: Sim. Agora, quando o… o, o, o senhor procurador em todo o conjunto, me põe aí como 0 cabo de ordens do dr. Ricardo Salgado, eu gostava de lhe dizer que… eu nunca fui cabo de ordens de ninguém. Sempre mandei sozinho, a única vez que mandei a meias foi a partir de 4 de Junho de 2013, quando fiquei a… a… a presidente, a CEO da PT SGPS e o eng. Zeinal Bava ficou a presidir à PT Portugal, que era quem tinha, digamos, a totalidade da operação da PT SGPS.
A ligação ao ex-líder do BES. “Sou amigo do dr. Salgado, apesar de ele estar leproso”
O procurador Rosário Teixeira e o inspetor Paulo Silva tentaram então afunilar a conversa e perceber se existia uma relação de amizade entre Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado. Granadeiro explica que o seu grande amigo na família era José Manuel Espírito Santo (o “Zé Manel”, a quem chama de “irmão adotivo”), mas não nega que é amigo de Salgado — mesmo que após a queda do BES o banqueiro tenha ficado “leproso” (ou seja, publicamente não aconselhável). Admite, no entanto, que foi Ricardo Salgado (a par de Carlos Santos Ferreira, então presidente da CGD) que indicaram o seu nome para presidir à PT.
Procurador Rosário Teixeira: Mas voltando à parte das relações com… como diz e bem há aqui alguma… um acentuar, digamos assim, de um relacionamento preferencial entre o sr. dr. e o dr. Ricardo Salgado, não era assim? Isto é… o… BES e a pessoa o dr. Ricardo Salgado exerciam ou não alguma preponderância na definição de alguma estratégia da PT?
Henrique Granadeiro: O dr. Ricardo Salgado era, daqueles acionistas todos, o único que percebia de telecomunicações. Porque é que o BES está, na, na, na, na PT? Isto é o resultado de uma fusão, como o sr. procurador sabe. E a fusão da… dos TLP … das telecomunicações TLP, a … dos CTT e da Marconi.
(…)
Procurador Rosário Teixeira: É verdade que o sr. dr. mantinha uma relação de amizade com o dr. Ricardo Salgado, já há alguns anos, isto é, o conhecia.
Henrique Granadeiro: Não, não é verdade. Eu sou muito amigo… sou irmão adotivo do Zé Manel Espírito Santo, que foi meu companheiro de estudos e que, de facto, — como alguns outros, graças a Deus, tenho mais do que um — é uma pessoa com quem eu tinha uma enorme abertura. (…) e o dr. Zé Manel Espírito Santo várias vezes quis que eu fosse para 0 BES e eu disse ao dr. Zé Espírito Santo que (…) não queria sujeitar uma boa amizade a um bom negócio, e por isso eu nunca exerci funções na área financeira do BES. E conhecia o dr. Ricardo Salgado como… como… conhecia-o e tinha uma boa relação com ele, mas naquela altura ainda nem sequer tinha uma relação de amizade. Quer dizer, quem fez a recomendação da minha candidatura foi o Zé Manel, o Zé Manel Espírito Santo, com resistência de pessoas como Patrick Monteiro de Barros, que depois acabou até por vender as ações e, portanto, aquilo não foi, não foi pacífico e…
Procurador Rosário Teixeira: Estamos a falar da, do assumir do, do… da sua função como presidente do conselho de administração…
Henrique Granadeiro: Sim…
Procurador Rosário Teixeira: … da PT?
Henrique Granadeiro: … e sobretudo da influência que o Dr. Ricardo Salgado, porventura, tinha com base num relacionamento histórico.
Procurador Rosário Teixeira: Certo.
Henrique Granadeiro: Esse relacionamento histórico não é… não existiu. Nós começamos a estreitar as relações a partir da al… da minha ida para a PT. (…) Aí, efetivamente começamos a… ter, digamos, uma frequência maior e tornamo-nos amigos. Portanto, eu sou amigo do dr. Ricardo Salgado, mesmo apesar de agora, de… de ele estar leproso e porventura eu hoje também vou passar a ser leproso, mas a… eu não o renego… porque eu acho que ele foi uma vítima da, de uma…
Inspetor Paulo Silva: Mas do seu conhecimento do dr. Zé Manel Espírito Santo, já… era uma pessoa indicada pelo BES para estar dentro da PT ou …?
Henrique Granadeiro: Eu fui indicado…
Inspetor Paulo Silva: … esse convite é enviado por ele, mas por orientações do dr. Ricardo ou por outro…?
Henrique Granadeiro: Não. O convite foi-me feito pelo dr. Carlos Santos Ferreira.
Inspetor Paulo Silva: Sim.
Henrique Granadeiro: … a e pelo… Dr. Ricardo Salgado.
Inspetor Paulo Silva: O convite.
Henrique Granadeiro: O convite para ser…
Inspetor Paulo Silva: Há bocado tinha sido o Zé Manel.
Procurador Rosário Teixeira: Para ser?
Henrique Granadeiro: Não, não, o Zé Manel é que indicou ao dr. Ricardo Salgado.
Inspetor Paulo Silva: Ah! Ok.
Os primeiros 6,5 milhões. Não foi pela OPA, foi por uma fábrica nas Caldas
Ao longo do interrogatório, Henrique Granadeiro vai contando um pouco da história recente da PT e vai fazendo pequenas revelações. Sobre a influência do Estado na empresa, admite que foi o ex-ministro de Sócrates Mário Lino que indicou Rui Pedro Soares para o conselho de administração da PT e também que reuniu com Lino durante a OPA da Sonaecom.
Procurador Rosário Teixeira: E isso pressupunha, também, até haver o… digo eu, o acordo do accionista Estado?
Henrique Granadeiro:: Claro. Porque uma das… poderes, um dos poderes da golden share era…
Procurador Rosário Teixeira: Era designar o…
Henrique Granadeiro: … de ter a… de ter o direito de veto ou de ter o direito de co… também de aprovação, dum terço do conselho de administração e do presidente. E depois tinha dois a… tinha um… 0 direito a opinar sobre um administrador executivo, numa comissão de cinco, ou dois administradores executivos numa comissão de sete. Portanto eu, quando constituí o conselho, tive que, digamos, que ir ouvir o Governo, no caso o eng. Mário Lino, apresentar-lhe o, o, o conselho e, efectivamente, ele foi influente na designação de uma das pessoas para a comissão executiva, que foi o Dr. Rui So… Rui Pedro Soares e na, na, na, na, na, no conselho de administração ele praticamente, não sei se chegou a fazer, alguma sugestão, mas…
Granadeiro diz também que Miguel Horta e Costa, seu antecessor da PT, sofria por um dos jornais do grupo Lusomundo (mais tarde vendido à Controlinveste), o 24 horas, ter criado uma secção chamada “Belas e Perigosas”, “que passava o tempo a meter-se com as namoradas do dr. Pedro Santana Lopes, que por acaso era primeiro-ministro, todos os dias“.
Quanto às transferências, como já tinha noticiado o Observador, foram feitas a partir de uma conta da sociedade offshore ES Enterprises no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, para a conta que pertence a Henrique Granadeiro no Banco Pictet. Granadeiro — que assumiu a liderança executiva da PT em 2007, sucedendo a Miguel Horta e Costa — terá recebido duas transferências nesse mesmo ano do ‘saco azul’ do GES, num total de 6,5 milhões de euros. A primeira transferência, no montante de 6 milhões de euros, terá ocorrido em julho de 2007, enquanto a segunda, no montante de cerca de 500 mil euros, ter-se-á verificado no último mês desse ano.
Qual o objetivo das transferências de 2007? Na versão da equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira, Ricardo Salgado pretendeu, por um lado, premiar Granadeiro pelo seu trabalho na luta vitoriosa contra a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonae – OPA essa que tinha sido derrotada em 2007.
Henrique Granadeiro justifica à justiça que este dinheiro está relacionado com trabalhos que tinha realizado anos antes para o Grupo Espírito Santo relacionados com uma empresa de cerâmica das Caldas da Rainha e não como pagamento de alegadas “luvas” — como acusou o Ministério Público — pela sua atuação de oposição à Sonaecom durante o processo da OPA.
Procurador Rosário Teixeira: Dr. Henrique Granadeiro, vamos tentar ser aqui um bocadinho mais objetivos para andar para a frente. Está aqui reconhecido que efetivamente dentro desta estratégia de oposição à OPA, houve, os acionistas acabaram por ganhar ao dinheiro, já nos pós-OPA, e nós encontramos aqui uma transferência para, ou por outra duas, para uma conta do Banco Pictet que será da sua titularidade em… logo a seguir à OPA, ainda em 2007, mais propriamente em Julho e em Novembro, ou por outra em Dezembro de 2007. Em Julho de 2007 e em Dezembro de 2007. A quê que se reportam essas transferências e isso tem realmente alguma coisa a ver consigo ou com o dr. Ricardo Salgado?
Henrique Granadeiro: Essas transferências de… Aí, o que é que disse de sete mil euros, sete milhões?
Procurador Rosário Teixeira: Sete milhões de euros a primeira e depois quatrocentos e noventa e seis mil.
Henrique Granadeiro: A minha convi… a minha convicção é que eram seis milhões.
Procurador Rosário Teixeira: Podemos, conferir isso. Mas eu acho que a… pelos dados que tenho são sete milhões, mas… Em ambos…
Henrique Granadeiro: Eu os dados que tenho são seis.
Procurador Rosário Teixeira: E então a que é que se reportam (imperceptível)?
Henrique Granadeiro: Esse reportam-se a uma, a uma, a um trabalho que eu fiz para o Grupo Espírito Santo que tinha que ver com o turner round [sic] da SECLA, que é uma empresa de cerâmica… e a Aleluia. A SECLA era uma empresa de cerâmica com seiscentos e muitos trabalhadores..
Procurador Rosário Teixeira: Das Caldas da Rainha.
Henrique Granadeiro: … das Caldas da Rainha, devia um milhão e oitocentos mil contos ao Fisco e estava já em processo de execução. E… aquilo era… a maior parte, era do BES e do BPA. E também, e individualmente de alguns do Zé Manel Espírito Santo, por exemplo, e do Fritz da Cunha, que é cunhado dele. Bom, e aquilo era um assun…, uma coisa que estava bastante azeda, porque na, na nessa altura quando vinham trabalhadores com bandeiras negras para sede, para a porta dos bancos, a, a reclamar a … os salários…
Procurador Rosário Teixeira: Mas estamos a falar… esses trabalhos foram feitos em que anos? Em que épocas? Anos antes destes?
Henrique Granadeiro: Sim… foram feitos a… dois mil e … entre dois mil e dois mil e quatro.
(…)
Inspetor Paulo Silva: Não era com o sr. dr., mas então e, quando começou estes trabalhos, que alguns deles parece-me que tinha que ter começado nos finais dos anos noventa, porque se não as coisas não estavam a bater certo…
Henrique Granadeiro: Sim, este foi em 2001.
Inspetor Paulo Silva: … fixou logo, desde logo qual era os, a remuneração dos seus honorários…
Henrique Granadeiro: Não fixei, não…
Inspetor Paulo Silva: … como é que isto ficou acordado então?
Henrique Granadeiro: Nunca fiz nenhum contrato, nem nunca… estabeleci qualquer honorário.
Inspetor Paulo Silva: Até na al…, até podia estar a ser gratuito, pelo que estou a perceber?
O pagamento de Salgado. “Naquela altura era chique ter uma conta na Suíça”
O MP tentou então perceber mais sobre as circunstâncias do pagamento a Granadeiro. Depois de revelar que não houve contrato, Henrique Granadeiro admite que foi um “pagamento generoso” definido de forma arbitrária por Salgado e diz que demorou alguns anos porque não é do seu feitio andar a puxar pelo casaco a dizer “Eh pá, paga o que deves“. Em resposta ao inspetor tributário que o questionou sobre as contas que tinha em Genebra, diz que ele [Paulo Silva] é “muito novo” e, por isso talvez não saiba, que “naquela altura era muito chique ter uma conta na Suíça“.
Procurador Rosário Teixeira: Mas houve alguma intervenção… (…) …sua [para] o dr. Ricardo Salgado, pagar…
Henrique Granadeiro: Não, eu… eu nunca, nunca, nunca, nunca lhe fui puxar pelo, pelo, pelo, pelo casaco a dizer: “Eh pá paga o que deves…”. Quer dizer, não era esse o tipo de relação…
Procurador Rosário Teixeira: Foi fixado algum preço entre vocês os dois?
Henrique Granadeiro: Não foi fixado…
Procurador Rosário Teixeira: Não?
Henrique Granadeiro: …nenhum preço. Sabe que eu…
Procurador Rosário Teixeira: Estas duas transferências que aqui estão, os tais seis milhões e mais os quatrocentos e noventa e seis, ambos se inserem nesse preço, é?
Henrique Granadeiro: De certeza absoluta. De certeza absoluta. E, devo dizer-lhe uma coisa, esses quatrocentos e tal…
Inspetor Paulo Silva: Mas como é que con… como é que se concretizaram essas transferências? Como é que alguém soube do seu número da conta, para onde tinha de ser mandado este dinheiro? E quanto é que era para ser mandado?
Henrique Granadeiro: Não, 0 número da conta, perguntaram-me…
Inspetor Paulo Silva: Quem é que perguntou?
Henrique Granadeiro: O dr. Ricardo Salgado.
Inspetor Paulo Silva: Pediu-lhe o número da conta para lhe transferir as verbas. E já na altura lhe disse quanto é que lhe ia pagar? Não?
Henrique Granadeiro: Por acaso não disse.
Inspetor Paulo Silva: Foi uma só… Só ao ver o extracto é que…
Henrique Granadeiro: É verdade.
Inspetor Paulo Silva: … foi a sua surpresa.
Henrique Granadeiro: É verdade.
Inês Bonina (MP): E porque é que foi para, porque é que foi para a Suíça e não foi para cá, para uma conta em Portugal?
Inspetor Paulo Silva: Os trabalhos eram tão evidentes e tão claros.
Henrique Granadeiro: Sabe que, isto… o sr. é muito novo, e eu posso escandalizar com isso, mas naquela altura era, era, era chique ter uma conta na Suíça. (…) Mas de qualquer modo achei que esse pagamento, dos seis milhões, que foi generoso.
A OPA da Telefónica à Vivo. Granadeiro para Sócrates: “Não tenho vocação para palhaço”
O MP entende que Ricardo Salgado pretendeu comprometer a administração da PT com a sua estratégia para a empresa, nomeadamente com a necessidade que existia em encontrar uma alternativa à operadora Vivo para que a PT continuasse no Brasil – ideia que era encarada por Salgado como essencial. O interrogatório prossegue nesse sentido, com Henrique Granadeiro a negar encontros com José Dirceu (apenas assume um almoço em Nova Iorque), a admitir que recorreu a Mário Soares para atestar a seriedade do advogado João Abrantes Serra e ainda a classificar Dilma Rousseff como sendo “muito chauvinista“. O ex-líder da PT disse igualmente que teve vários encontros com Lula da Silva.
Henrique Granadeiro pessoaliza a “guerra” com a gigante espanhola Telefonica, explicando que considerou uma “traição” alguns dos movimentos do líder da Telefonica, César Alierta, e que, também por isso, venderia cara qualquer transação. Sabia que iria perder 50% da Vivo a partir do momento em que a Telefonica (que tinha 50% da Vivo) decidiu comprar a outra metade — a dimensão da operadora espanhola suplantava em muito a capacidade financeira da PT. Confessou igualmente que disse a José Sócrates que não tinha “vocação para palhaço” depois de ter conseguido aprovar a venda da Vivo por mais de sete mil milhões de euros e o então primeiro-ministro continuar a insistir que era necessário comprar parte de outra operadora (a Oi) no Brasil. Isto, como se escrevia na altura nos jornais, para a PT não passar a ser uma “PTzinha”.
Procurador Rosário Teixeira: E então qual era a solução?
Henrique Granadeiro: Portanto, a solução era ganhar dimensão, ganhar escala, que se conseguia com o, com o Brasil. Se conseguíssemos ficar na Vivo, ótimo, porque tínhamos uma, uma situação muito boa.
Procurador Rosário Teixeira: Mas ó dr., onde quero chegar…
Henrique Granadeiro: Mas o problema é que não era crível…
Procurador Rosário Teixeira: … é haver uma segunda linha de investimento no Brasil que seria a Telemar ou seria uma nova operadora ou fosse o que fosse…
Henrique Granadeiro: Nova operadora, não.
Procurador Rosário Teixeira: Como é que ela era financiada? Como é que ela podia ser financiada, se não vendessem a Vivo? Não havia hipótese de se financiar?
Henrique Granadeiro: Não havia hipótese, não. Não. E mesmo… quando, quando, quando o… Alierta, o sr. Alierta veio com dois dos seus membros do conselho de administração, por causa da Vivo, ele foi falar com o sr. primeiro-ministro, com o sr. eng. Sócrates e o sr. eng. Sócrates disse: “Olhe, você bateu na porta errada, o presidente da companhia é o dr. Henrique Granadeiro, o CEO é o eng. Ze… Zeinal Bava, portanto você, fale com eles”. Pronto.
(…)
Procurador Rosário Teixeira: Aquilo que o Alierta queria do primeiro-ministro era… negociar a… a Vivo?
Henrique Granadeiro: A Vivo, a Vivo… E então, fomos ter uma reunião no Ritz, numa suite do Ritz. E… e 0 sr. Alierta deu-nos conhecimento, deu-nos conta de que queria comprar a nossa participação na Vivo.
(….)
Henrique Granadeiro: Nós não queríamos vender. A gestão [o conselho de administração da PT] não queria vender e os acionistas também não queriam vender, a 6,5 [mil milhões de euros]. E a assembleia geral foi no dia a seguir a nós sermos derrotados pelos espanhóis na África do Sul, no Campeonato do Mundo, ou no campeonato… no Campeonato do Mundo. (…) Eh pá, nós vimos aquilo lá na PT e estávamos… ficámos enraivecidos como é natural e disseram-me amanhã, nós vamos dar um, um charuto ó, ó, ó, ó espanhóis. Bom. E …
Inspetor Paulo Silva: Portanto, era a desforra, não é?
Henrique Granadeiro: Era a desforra.
(…)
Henrique Granadeiro: Eu, eu, eu fui falar com o sr. primeiro-ministro…
Procurador Rosário Teixeira: Certo. E então?
Henrique Granadeiro: … a seguir à assembleia geral. E disse-lhe…
Procurador Rosário Teixeira: Foi a S. Bento…
Henrique Grandeiro: (…) fui a S. Bento, muito formalmente, a uma reunião e disse: “Sr. primeiro-ministro não estou, não tenho vocação para palhaço, e portanto nós…” (…) Porque os… os espanhóis aumentaram trinta dias, a … a … proposta (…) Ainda na altura 7,15 [mil milhões de euros]. Portanto, e … portanto nós… disse: “Se o senhor [primeiro-ministro] condiciona a venda da… a …a … a coisa, vamos lá (imperceptível) negociações”.
Procurador Rosário Teixeira: Mas condiciona à quê? A questão era essa: condiciona o investimento?
Henrique Granadeiro: Condiciona a manter uma presença no Brasil.
Procurador Rosário Teixeira: A manter uma presença no Brasil.
Henrique Granadeiro: E eu disse-lhe que não podia aceitar que ele me pusesse, digamos, essa condição de resolver o problema do Brasil.
(…)
Procurador Rosário Teixeira: [José Sócrates] falava sempre no Brasil?
Henrique Granadeiro: Sim, sempre no Brasil e falou com, com, com o Lula e falou com, com, com muita gente. Portanto ele tinha… achava que era importante e… e… portanto… quando se falava no Brasil…
Amigo de Sócrates através de Câncio e “a beber um copo aqui, outro ali”
A equipa de investigação da Operação Marquês tentou perceber também qual a ligação de Henrique Granadeiro ao principal arguido do processo, o ex-primeiro-ministro José Sócrates. O antigo chairman da PT explicou que começou a relacionar-se com Sócrates por intermédio da sua ex-mulher Margarida Marante, que era amiga de Fernanda Câncio, que, por sua vez, namorava com José Sócrates — e que o foi conhecendo enquanto “bebia um copo aqui, outro copo ali”. Fala até do afastamento da sua ex-mulher da revista Marie Claire e da mãe do atual primeiro-ministro António Costa, Maria Antónia Palla, da revista Máxima. Diz ainda que foi ele que “bancou” a defesa dos processos que colocaram contra a proprietária das revistas. E revela que Sócrates foi ao casamento do seu filho.
Procurador Rosário Teixeira: Sr. dr., relativamente ainda à OPA, tem ideia a … de ter chegado a ter alguma reunião em casa, na casa particular do eng. José Sócrates por causa ou relacionado com a OPA ou mesmo com a Vivo? Nunca lá foi?
Henrique Granadeiro: Nem sequer sei onde ele mora.
Inspetor Paulo Silva: … e ele na sua casa em… em Reguengos?
Henrique Granadeiro: – Ah! Ele em Reguengos esteve, esteve no casamento… do
Inspetor Paulo Silva: Hum, hum.
Henrique Granadeiro: … do meu filho, e isso é capaz…
Inspetor Paulo Silva: Em que ano?
Henrique Granadeiro: O meu filho casou quando?
Nuno Líbano Monteiro (advogado): Eu acho que foi há dois anos. Também estive no casamento, portanto.
(…)
Inspetor Paulo Silva: Mas então o eng. José Sócrates já era seu amigo?
Henrique Granadeiro: O eng. José Sócrates era, era meu amigo, o meu … isto a … pelo seguinte, o eng. Sócrates namorava com uma senhora que… que tem sido muito envolvida…
Inspetor Paulo Silva: Certo.
Henrique Granadeiro: … nas coisas, que era a Fernanda Câncio.
Inspetor Paulo Silva: Certo.
Henrique Granadeiro: E eu era casado com a senhora Margarida Marante.
Inspetor Paulo Silva: Certo.
Henrique Granadeiro:… que infelizmente já faleceu. A Fernanda Câncio a … a minha mulher trabalhava numa… numa… numa… numa revista do público feminino que era a Marie Claire e o… o José Eduardo Moniz pôs na rua a minha mulher por causa da Marie Claire, a, a Elisa da, da, da, da Elle e a Maria Antónia Palia, a mulher, a mãe do primeiro-ministro da Máxima, alegando que não podiam acumular, coisa que, era o mais frequente possível, não é? Pronto, uma forma de sanear a coisa.
Procuradora Inês Bonina: E depois ganharam o processo, não foi?
Henrique Granadeiro: E depois ganharam o processo, exacto. Quem bancou isso até fui eu. E… e portanto eu conheci muito bem a Fernanda Câncio, que era uma das…
Procurador Rosário Teixeira: Era amiga da… da dra. Margarida.
Henrique Granadeiro: … adjuntas de coisa. E eu conheci, conheci o, o… o eng. Sócrates nessas a… encontros, jantares, ir beber uma copo aqui, outro copo ali. E… depois ele foi secretário de Estado do Ambiente, fez uma, fez um bom trabalho, um trabalho extraordinário (…).
Compra da TVI pela PT. Sócrates queria, Zeinal foi o pai, Granadeiro a pílula do dia seguinte
Henrique Grandeiro confessa que José Sócrates queria mesmo que a PT comprasse a TVI em 2009 (ano eleitoral e em que o socialista seria eleito para um segundo mandato). E que esse era também um desejo de Zeinal Bava para arranjar conteúdos para as novas tecnologias do Meo.
Granadeiro lembra aos procuradores que, se Zeinal foi o “pai” da ideia, ele foi a “pílula do dia seguinte“. O próprio Granadeiro comunicou a Sócrates — no final de um jantar em casa de Manuel Pinho quando já estavam “todos soltos” — que não haveria compra e confessa que o primeiro-ministro ficou “muito contrariado“.
Inspetor Paulo Silva: Mas falou algumas situações com o eng. José Sócrates sobre a, a… o eventual interesse da PT em comprar a TVI?
Henrique Granadeiro: Falei.
Inspetor Paulo Silva: Sim.
Henrique Granadeiro: Falei-lhe porque… primeiro foi uma operação que estávamos a fazer por trás da orelha, o Rui Pedro Soares e…
Inspetor Paulo Silva: Certo.
Henrique Granadeiro: … e o Zeinal Bava. E o Zeinal Bava, fixado em arranjar conteúdos para as novas tecnologias que nós estávamos a oferecer no Meo, queria comprar, digamos, a, a… a TVI, que era uma fábrica de conteúdos.
Inspetor Paulo Silva: Certo.
Henrique Granadeiro: E, é de longe a maior produtora de… telenovelas…
Inspetor Paulo Silva: Certo.
Henrique Granadeiro: … e outras coisas assim. E os… e o negócio do ponto de vista económico até a… até era bom.
Inspetor Paulo Silva: E então as conversas com o primeiro-ministro [José Sócrates] o que eram?
Henrique Granadeiro: E… e… com o, com o primeiro-ministro eu nunca, só falei com ele uma vez, e como… como lhe vou… lhe vou contar as circunstâncias. E quando o… o Zeinal me veio falar nisso, eu disse: “Ó Zeinal, as coisas antes de serem boas ou más têm que ser possíveis. E eu não vou discutir consigo se o negócio é bom, como você me diz, ou se é mau. Porque o negócio pura e simplesmente não é possível e não é possível porque estão… estamos em vésperas de eleições e os … você não ouve já o rufar dos tambores da, das campanhas e você quer pôr a PT no centro da, no centro da, da, das campanhas, com o desprestígio que isso vai trazer prá, prá PT. Vai dividir os nossos clientes… primeiro ‘tá os nossos clientes. Uns são do Benfica outros são do Sporting e tal…”. A gente, a gente patrocinava as camisolas de, dos três: do Porto, do, do Benfica [e do Sporting]…
(…)
E… e… depois a… por sinal nesse dia eu tinha sido convidado para um jantar em casa do Manuel Pinho e com muita surpresa vi que quando cheguei lá estavam para aí umas doze ou quinze pessoas e com mais surpresa ainda vi chegar o eng. Sócrates, primeiro-ministro. Bom, lá estivemos a almoçar ou jantar e essas coisas todas. Depois quando acabou o jantar, estávamos já todos soltos, eu disse-lhe: “Sr. primeiro-ministro, o negócio da TVI não se faz porque eu recusei o agendamento dele no conselho e portanto não (imperceptível)…”. E eu expliquei-lhe. E expli …expliquei ao sr., ao sr. procurador que….
Inspetor Paulo Silva: Mas porque é que foi dizer isso? Qual era o…
Henrique Granadeiro: O quê?
Inspetor Paulo Silva: O que é que, o que é que o sr. primeiro-ministro tem a ver com a TVI?
Henrique Granadeiro: Porque, aqueles tipos que andavam a fazer isso…
Inspetor Paulo Silva: Hum, hum.
Hernrique Granadeiro: … se gabavam de andar a fazê-lo para… ‘tou convencido que, que andavam a fazer uma gracinha ou uma coisa agradável pó, pó …
Inspetor Paulo Silva: Para o sr. primeiro-ministro.
Henrique Granadeiro: Para o primeiro-ministro, para o sr. primeiro-ministro.
Inspetor Paulo Silva: E ele então o que é que respondeu?
Henrique Granadeiro: Ele disse-me que, se, se, se eu… Ele acabou por concordar comigo, muito contrariado, que ele era uma pessoa muito firme nas suas coisas, mas não me pareceu que tivesse assim tão firme e, de qualquer modo, não tive nenhuma retaliação pelo facto de ter abortado a operação. Aliás quando foi na… houve uma comissão parlamentar de inquérito sobre isso.
Inspetor Paulo Silva: Certo.
Henrique Granadeiro: E aquele senhor, muito simpático do, do, do Bloco de Esquerda, o que é médico, o dr. [João] Semedo…
Inspetor Paulo Silva: Dr. Semedo.
Henrique Granadeiro: … Semedo disse, disse, quando me interrogaram, disse-me: “Como é que você diz 0 que diz, quando esteve aqui antes de si (Granadeiro vira-se para o advogado e diz: “Tu, parece que estavas lá”), o dr. … o eng. Zeinal Bava que se, se apresentou como pai da, da, do negócio?”. E eu disse: “Olhe, se ele é o pai do negócio, eu fui a pílula do dia seguinte”.
“Luvas” pela resistência à Telefónica na Vivo? Não! A “vaca ranhosa” do Paraguai e o “défice da batata”
Henrique Granadeiro explica aos procuradores quais foram os trabalhos que fez para o Grupo Espírito Santo e que justificariam os pagamentos que recebeu.
Procurador Rosário Teixeira: Sr. dr. Granadeiro, depois de consumado este negócio da, da, da PT, da, da venda da Vivo, já no final de 2010, foram iniciados os pagamentos da, por parte da Telefónica, e há de novo transferências para a conta junto do Banco Pictet, a mesma conta 95446, estamos a falar de transferências de 8 de Novembro de 2010 e 12 de Novembro de 2010, ambos no montante total de três milhões e meio de euros. O que é isto? O que é que isto tem que ver com este negócio?
Henrique Granadeiro: E uma… é uma operação de um e meio e outra de dois, de dois.
(…)
Procurador Rosário Teixeira: Então ó sr. dr. esses de um milhão e meio foi por causa desse projecto dito do arroz, e então os dois milhões?
Henrique Granadeiro: Não.
Inspetor Paulo Silva: E… os dois milhões a seguir?
Henrique Granadeiro: Não, foi ainda por outras coisas, que não sei o quê.
Inspetor Paulo Silva: Por exemplo.
Henrique Granadeiro: Com, com, com a área financeira, portanto…
Procuradora Inês Bonina: Esse projecto do arroz materialização do documento?
Henrique Granadeiro: Não, a… materializou-se… sim, eu apresentei um documento estratégico.
Procuradora Inês Bonina: Houve um estudo?
Henrique Granadeiro: Sim, sim. O défice da batata…
Inspetor Paulo Silva: E começava a produzir esse arroz?
Henrique Granadeiro: Sim, sim.
Inspetor Paulo Silva: Como é que se chama a marca desse arroz, já agora?
Henrique Granadeiro: Ah, não faço ideia.
(…)
Procuradora Inês Bonina: Não conservou uma cópia desse estudo?
Henrique Granadeiro: Ouça lá eu tenho 73 anos, acha que ando com o arquivo às costas desde…
Procurador Rosário Teixeira: E a seguir passados poucos dias…
Henrique Granadeiro: Não, não.
Procurador Rosário Teixeira: … recebe mais dois milhões de euros.
Henrique Granadeiro: Isso tem, isso tem que ver com o Brasil.
Procurador Rosário Teixeira: Tem que ver com o Brasil? Então explique lá essa do…
Henrique Granadeiro: O Brasil. O [Grupo] Espírito Santo tem a… uma exposição no Brasil, na área agropecuária, enorme. Pronto. Trabalhos que eu fiz: fiz um trabalho no Paraguai, para uma… exploração pecuária de 15.000 cabeças, 15.000 cabeças, numa herdade ou em duas herdades, uma que era “O Charco”, e outra que é “Golondrina”. A “Golondrina” foi uma herdade construída pelo António Espírito Santo, portanto que é da geração do Zé Manel, que é a geração anterior à do Ricardo, embora o Ricardo e o Zé Manel são da mesma idade, mas são de gerações diferentes. Essa exploração de 15.000 vacas, a vaca base era o “zebu”, que é a vaca típica do, do Brasil, assim como a “ranhosa” e coiso e através de um, de um, de uma tecnologia que eu consegui implantar com um veterinário escocês, começamos a fazer transplantes de embriões. Os transplantes de embriões, em Portugal ainda só se usa nas vacas leiteiras, porque estão estabuladas, são mais fáceis de… de manejar, tal. Nos rebanhos grandes, quinze mil… era uma coisa…
Procuradora Inês Bonina: Mas esses pagamentos feitos anos, tantos anos mais tarde como é que foram combinados?
Henrique Granadeiro: Eu nunca combinei isso…
Procuradora Inês Bonina: Recebeu… recebeu um telefonema do dr. Ricardo Salgado ou o dinheiro apareceu- lhe na conta de repente, como é que foi?
Henrique Granadeiro: Não. Ele avisou-me que me ia pagar.
Procuradora Inês Bonina: Hum.
Henrique Granadeiro: Se achava bem e obviamente que eu achava bem.
Advogado Nuno Líbano Monteiro: Mas eu creio que não, que não, que os… os, a questão do, do, do gado, do gado “zebu” é um exemplo, porque há mais, há mais matérias…
Henrique Granadeiro: É um exemplo. Não, há mais… quer dizer… eu falei do Brasil, do Paraguai, e do Brasil. No Brasil fui chamado para uma questão que era uma fazenda, que é o maior lar… laranjal ou o maior pomar de citrinos da América do Sul, que é… uma fazenda a sul de S. Paulo, que se chama “Botucatu”. Essa fazenda “Botucatu” tem todo o género de, de citrinos, portanto, laranja, há, há muitas variedades de laranja, de limões, limão galego, que se usa muito na Brasil, o li… limão siciliano, é o que nós usamos cá em Portugal.
Os 14 milhões de 2011 e 2012 e a compra do “Vale do Rico Homem”. É fazer as contas.
Tal como o Observador noticiou, Ricardo Salgado justificou os cerca de 24 milhões de euros transferidos entre 2007 e 2012 pela Espírito Santo (ES) Enterprises para a conta suíça de Henrique Granadeiro com serviços que o ex-presidente da Portugal Telecom tinha prestado ao GES na área agrícola e também com a aquisição de uma parte da empresa que detém a Herdade do Vale do Rico Homem — uma das várias explorações vinícolas detidas por Henrique Granadeiro.
Herdade do Vale do Rico Homem de Henrique Granadeiro arrestada pela Justiça
Já na parte final do interrogatório, Henrique Granadeiro tenta explicar que o dinheiro que recebeu de Ricardo Salgado em 2011 e 2012 na sua conta do Banco Pictet está relacionado com a venda da herdade do Vale do Rico Homem.
Procurador Rosário Teixeira: Existem depois aqui outros pagamentos já em Outubro de 2011. Para uma outra conta, junto do… Banco Pictet. Estão também ligados com pagamentos a si?
Henrique Granadeiro: Sim, sim, estou… eu, eu… eu só trabalhava com o Banco Pictet e…
Procurador Rosário Teixeira: Dois mil… dois milhões.
Henrique Granadeiro: Isso é um contrato que eu fíz com o Grupo Espírito Santo, respeitante a uma, a uma sociedade que eu tenho em Portugal, na zona de São Manços, não sei se vos diz alguma coisa, logo a seguir a Évora, entre Évora e Beja, e que é uma, uma herdade com oitocentos e trinta ou oitocentos e quarenta hectares, toda regada pelo, pelo Alqueva. E portanto, e eu…
Procurador Rosário Teixeira: Como é que se chama essa propriedade?
Henrique Granadeiro: Chama-se Vale do Rico Homem.
Procurador Rosário Teixeira: Vale do Rico Homem.
(…)
Procurador Rosário Teixeira: E esse contrato… Pois é isso. E de quando? Existe? Tem consigo?
Henrique Granadeiro: O contrato… O primeiro pagamento é o sinal e… e… e princípio de pagamento…
Procurador Rosário Teixeira: Os nove milhões e oitocentos mil… francos suíços.
Henrique Granadeiro: Francos suíços. O segundo pagamento é…
Inspetor Paulo Silva: Foi dez mil euros… Dez milhões.
Henrique Granadeiro: … o segundo pagamento foi na data do contrato e o terceiro foi, digamos, a, a espora foi, foi dois milhões de euros, foi, foi, foi um bocado mais tarde.
Inspetor Paulo Silva: Então quanto é que é o negócio, com os trinta por cento?
Henrique Granadeiro: Foi catorze milhões, cento e… e qualquer coisa, cento e quarenta e um, ou… ou …
Procurador Rosário Teixeira: O negócio total são catorze milhões, mas de quê? De francos, ou… ou de euros?
Henrique Granadeiro: Não, não, de euros. Catorze milhões, cento e quarenta e… qualquer coisa. Eu já lhe digo.
Inspetor Paulo Silva: Esse negócio foi, então com? Com quem é que foi?
Henrique Granadeiro: Com o … Com quem tratei tudo, foi com o dr. Ricardo Salgado, depois aquilo passou para, para… pra, pra Suíça, e… o… o, o, o… o contrato foi assinado com o sr. Jean Luc- Schneider em nome da, do Grupo Espírito Santo lá na Suíça.
Procurador Rosário Teixeira: Então, e esse contrato depois foi feito logo naquela altura, na altura do segundo pagamento, estamos a falar de…
Henrique Granadeiro: Por…
Procurador Rosário Teixeira: … 10/01/2012.
Henrique Granadeiro: O negócio…
Procurador Rosário Teixeira: … pagamento dos quatro milhões de euros.
Henrique Granadeiro: O negócio foi feito com o primeiro pagamento.
Procurador Rosário Teixeira: É que eu percebi, que há pouco tinha-me dito que o primeiro [pagamento] era um sinal e o segundo foi na data do, do contrato.
Henrique Granadeiro: Sim.
Procurador Rosário Teixeira: Será assim? E depois…
Henrique Granadeiro: Exacto.
Procurador Rosário Teixeira: … 0 terceiro são dois milhões de euros, já em 2012…
Henrique Granadeiro Foi o remanescente.
Procurador Rosário Teixeira: Pronto. Mas então, vamos lá ver, vamos recapitular. Primeiro pagamento, 12/10/2011, qualquer coisa como 7,3 milhões de euros, é o sinal.
Henrique Granadeiro: Sim, é o sinal e princípio de pagamento. Sim.
Procurador Rosário Teixeira: Pronto. 10 de Janeiro de 2012, mais 4 milhões de euros, é a data do contrato.
Henrique Granadeiro: É a data do contrato.
Procurador Rosário Teixeira: Pronto. E depois em Nov… em Novembro de 2012, há mais 2 milhões de euros…
Henrique Granadeiro: Que foi, foi o remanescente.
Procurador Rosário Teixeira:… a finalizar.
Henrique Granadeiro: Sim.
Procurador Rosário Teixeira: E porque é que tem esta diferença de dez meses a…
Henrique Granadeiro: Porque eles queriam ter a certeza que eu, que avançava com o projecto de regadio. O projecto de regadio no contrato… é… é o que lhe dá (imperceptível) opting out.
O MP acredita que a alegada venda à ES Enterprises de uma parte do capital social da empresa que detém a Herdade do Vale do Rico Homem terá sido forjada. Contudo, uma “vez que se tratam de factos posteriores aos inicialmente investigados nos presentes autos e de forma a que possa ser completada a investigação dos mesmos”, lê-se no despacho de encerramento de inquérito da Operação Marquês, foi extraída uma certidão para abertura de um inquérito autónomo com vista à investigação do crime de branqueamento de capitais no âmbito do negócio que Henrique Granadeiro (e Ricardo Salgado) dizem que existiu. O ex-líder da PT e o ex-homem forte do BES são os suspeitos desse novo inquérito criminal.
Granadeiro, por seu lado, enfrenta ainda outra suspeita que será investigada no mesmo processo: a de que terá comprado um apartamento na zona das Amoreiras, no valor de 1,7 milhões de euros, com uma parte do dinheiro que lhe terá sido pago pela ES Enterprises por ordens de Ricardo Salgado.
Granadeiro terá pago metade de um apartamento com 571 mil euros em dinheiro vivo e uma obra de arte