As causas da queda do avião da Azerbaijan Airlines, que na quarta-feira se despenhou no Cazaquistão e provocou 38 mortos, ainda não são conhecidas — mas crescem as suspeitas de que terá sido provocada por um sistema aéreo russo. Esta hipótese é colocada por meios de comunicação russos críticos do Kremlin e por um elemento do governo ucraniano, mas também por vários especialistas independentes, que à imprensa internacional apontam para danos consistentes com o que seria expectável no caso de impacto provocado por equipamentos de defesa anti-aérea. Esta quinta-feira, quatro fontes do Azerbaijão com conhecimento da investigação e que falaram à Reuters sob anonimato confirmaram que foi mesmo um sistema russo a provocar a queda.
O avião, um Embraer 190, viajava de Baku para Grozny, a capital da Chechénia, uma das repúblicas da federação russa, quando foi obrigado a fazer uma aterragem de emergência em Aktau. Numa primeira declaração, o Presidente do Azerbaijão disse que o mau tempo obrigou a aeronave, onde seguiam 67 pessoas, a mudar de rota. A autoridade russa de controlo de aviação (Rosaviatsia), por seu turno, disse que as informações preliminares apontavam para que os pilotos divergiram para a cidade cazaque depois de um choque com aves que teria interferido com o voo e precipitado a aterragem inesperada.
Alguns meios de comunicação russos independentes contestam estas hipóteses. O Meduza, por exemplo, refere que “as imagens mostram claramente indícios de um grande ataque de mísseis anti-aéreos na cauda do avião”. Isso mesmo tem sido destacado por especialistas internacionais, como Matt Borie, dirigente da Osprey Flight Solutions, uma empresa ligada à segurança na aviação. “Provavelmente foi abatido por um sistema de defesa aérea militar russo”, disse ao Wall Street Journal.
As autoridades da Rússia e do Cazaquistão procuraram acalmar a especulação em torno do incidente. O porta-voz do Kremlin sublinhou que é preciso esperar pelo fim da investigação. Do mesmo modo, o líder do senado cazaque alertou que as causas da queda ainda não são conhecidas. “Nenhum destes países — nem o Azerbaijão, a Rússia ou o Cazaquistão — está interessado em esconder informação. Todas as informações serão tornadas públicas”, afirmou Ashimbayev Maulen. As autoridades revelaram, entretanto, que a caixa negra do avião já foi recuperada, notando que poderá ajudar a determinar as causas do incidente.
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Avião sobrevoou área que tem sido atacada com drones e onde a Rússia se tem defendido com tecnologias de interferência
O avião da Azerbaijan Airlines esteve no ar durante 2 horas e 33 minutos. Mas o voo só deveria ter durado 57 minutos, diz o site especializado em monitorização de voos FlightRadar24. “A altitude oscilou durante 74 minutos antes de se despenhar perto do aeroporto de Aktau, a 433 quilómetros do destino original”, relatou no X (antigo Twitter).
Segundo o FlightRadar24, a aeronave foi exposta a “fortes” interferências de GPS perto de Grozny, o que fez com que transmitisse dados ADS-B — informações que permitem aos sites de monitorização acompanhar a trajetória do voo — incorretos. O Embraer 190 acabou mesmo por desaparecer momentaneamente dos radares.
O voo desviou-se centenas de quilómetros da rota programada, acabando por se despenhar na margem oposta do Mar Cáspio. As autoridades não explicaram, até ao momento, por que motivo o avião atravessou o mar, mas o incidente terá ocorrido pouco depois de ataques de drones terem atingido o sul da Rússia.
What we know about Azerbaijan Airlines flight #J28243
Aircraft: Embraer ERJ-190
Registration: 4K-AZ65
Age: 11 years
Origin: Baku (GYD)
Destination : Grozny (GRV)
Average flight time: 57 minutesThe aircraft was exposed to GPS jamming and spoofing near Grozny.
The altitude was… pic.twitter.com/degVXopts2
— Flightradar24 (@flightradar24) December 25, 2024
A imprensa internacional nota que a Rússia já usou tecnologias de interferência para se defender contra ataques de drones ucranianos. Quando partiu de Baku, na quarta-feira de manhã, o avião da Azerbaijan Airlines estava a sobrevoar precisamente uma parte da Chechénia onde isso é feito.
O Ministério da Defesa russo afirmou que na noite de terça para quarta-feira foram abatidos 59 drones ucranianos, um deles na cidade de Vladikavkaz (Ossétia do Norte), a oeste de Grozny, três horas antes da queda do avião. No Telegram, o governador regional Sergei Menyaylo disse que o dispositivo provocou um incêndio num centro comercial, registando-se uma morte. Antes disso, a 15 de dezembro, a Associated Press tinha noticiado um ataque com drone em Grozny, que o líder checheno, Ramzan Kadyrov, confirmou ter atingido um campo do batalhão da polícia de choque.
Na manhã da queda do avião, algumas zonas da Chechénia voltaram a ser atacadas com drones, segundo relataram alguns meios de comunicação. O Guardian noticiou, por exemplo, que Khamzat Kadyrov, um (oficial) de segurança local e sobrinho do líder checheno, escreveu no Instagram que “todos os drones foram abatidos com sucesso.”
O Wall Steet Journal nota que, para combater os ataques com drones, as autoridades russas têm usado com frequência sistemas antiaéreos SA-22, que estão equipados com mísseis terra-ar. Estes sistemas, acrescenta, têm o alcance necessário para atingir um avião a altitude cruzeiro.
Responsável ucraniano fala em incidente provocado pela defesa aérea russa. Moscovo pede que se evite especulação
Oficialmente, a Ucrânia não se pronunciou sobre a queda do avião no Cazaquistão. No entanto, o líder do Centro de Combate à Desinformação recorreu à rede social X para acusar a Rússia de estar por detrás do incidente. “Um avião Embraer 190 da Azerbaijan Airlines, que voava de Baku para Grozny, foi abatido pela defesa aérea russa”, afirmou. “No entanto, admitir isto é incoveniente para todos, por isso serão feitos esforços para o cobrir, mesmo os buracos no que restou da aeronave”, escreveu Andriy Kovalenko.
This morning, an Embraer 190 aircraft of an Azerbaijani airline, flying from Baku to Grozny, was shot down by a Russian air defense system. However, admitting this is inconvenient for everyone, so efforts will be made to cover it up, even the holes in the remaining parts of the…
— Andriy Kovalenko (@AndriKovalenko) December 25, 2024
Andriy Kovalenko referiu vídeos do interior do avião que mostram coletes salva-vidas perfurados por estilhaços e outros danos. “A Rússia devia ter fechado o espaço aéreo sobre Grozny, mas não o fez. O avião foi danificado pelos russos e enviado para o Cazaquistão em vez de aterrar de emergência em Grozny para salvar vidas. Numa palavra: Rússia”, acrescentou.
Depois da queda, a Euronews, que cita fontes oficiais ligadas à investigação do acidente, revelou ainda que alguns dos passageiros que sobreviveram relataram que na aproximação a Grozny ouviram uma explosão seguida do que pareciam ser estilhaços a atingir o avião.
A Rússia pronunciou-se sobre o incidente logo nas primeiras horas. “Preliminar: após uma colisão com aves, devido a uma situação de emergência a bordo, o comandante decidiu voar para um aeródromo alternativo — Aktau foi o escolhido”, disse a autoridade russa de controlo de aviação.
A propósito desta declaração, um analista da consultora AeroDynamic Advisory disse à agencia Reuters que, geralmente, numa colisão com aves um avião tenta aterrar no aeroporto mais próximo — neste caso tratar-se-ia do aeroporto de Makhachkala, que estava fechado. “Pode perder-se o controlo do avião, mas isso não leva ao desvio descontrolado da rota planeada”, explicou Richard Aboulafia.
O Kremlin alerta contra conclusões precipitadas sobre a queda do avião. “Seria errado construir qualquer hipótese antes das conclusões da investigação. Claro que nós não o podemos fazer e ninguém devia fazê-lo”, sublinhou o porta-voz Dmitry Peskov esta quinta-feira, citado pela agência estatal russa Tass.
Bloggers de guerra russos sugerem queda provocada pela defesa aérea
Vários canais de bloggers militares russos, que ganharam destaque a reportar a guerra na Ucrânia, estão a pronunciar-se sobre as potenciais causas do incidente e a sugerir que o avião terá sido alvo da defesa área russa. O Fighterbomber, alegadamente dirigido pelo capitão do exército russo Ilya Tumanov, publicou um vídeo que mostra buracos na zona lateral do avião, que se tem sugerido assemelhar-se a danos provocados por uma explosão com estilhaços. O canal notou que é improvável que tenham sido provocados por uma colisão com aves.
Também o Baza, um canal de Telegram com ligações aos serviços de segurança russos, disse que “os buracos parecem aqueles deixados após um bombardeamento ou uma explosão.” “O avião estava a caminho de Grozny — na altura, um ataque de UAVs [drones] ucranianos estava a ser repelido na região. Vários drones foram abatidos sobre Vladikavkaz, na Ossétia do Norte, e na vizinha Ingushetia”, acrescentou.
Já o Rybar, um dos mais influentes canais de Telegram sobre a guerra na Ucrânia e próximo do exército russo, faz uma descrição semelhante e diz que os danos na fuselagem se assemelham a “elementos de impacto de um míssil anti-aéreo”.
Especialistas admitem que queda de avião pode ser resultado da defesa aérea russa
Especialistas em aviação sugeriram que o padrão de danos no interior e exterior do avião são um indício de que a defesa área russa em Grozny poderá ter provocado a queda. Ao Wall Stret Journal, um dirigente da Osprey Flight Solutions, uma empresa de segurança de aviação, indicou que o padrão de danos que é visível nas imagens do acidente não parece consistente com o de um acidente provocado por uma colisão com aves, mas sublinhou que é preciso mais informações para o confirmar.
“As imagens dos destroços e as circunstâncias em torno do ambiente de segurança do espaço aéreo no sudoeste da Rússia indicam a possibilidade do avião ter sido atingido por algum tipo de fogo antiaéreo”, afirmou Matt Borie.
“Parece-se muito com a detonação de um míssil de defesa aérea na parte traseira e à esquerda do avião, se olharmos para o padrão dos estilhaços que vemos”, disse também à BBC Radio 4 Justin Crump, conselheiro de risco da empresa Sibylline.
Já um especialista em aviação cazaque disse ao Orda news que a possibilidade de a queda do avião ter sido provocada por um choque com aves era “praticamente impossível” dada a altitude a que voava quando se deram os problemas. Citado pelo jornal Guardian, Serik Mukhtybayev apontou para um impacto externo como a causa mais provável. As pistas que indicam na direção do Kremlin acumulam-se.