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Com promessa de uma lauta refeição, a encomenda foi feita e o chef pôs o manjar no forno. Só que, contrariando alguma expectativa criada, o prato principal seguiu para o congelador, à espera de um veredito. No Parlamento, os partidos – que já afiavam as facas -, prometem não ficar de braços cruzados: o PSD exige que a lista dos grandes devedores seja mesmo divulgada e acusa o Banco de Portugal de estar a cometer uma ilegalidade; o Bloco de Esquerda avisa que não foi para isto que participou na elaboração da lei.
Para já, está servida apenas a entrada: o supervisor apresentou 34 páginas recheadas de ressalvas, critérios, metodologia, definições e uns pozinhos de números (já antes conhecidos) sobre as ajudas do Estado recebidas pelos bancos que estão a ser escrutinados.
E em relação às novidades sobre os grandes devedores; sobre os empréstimos que contraíram e ficaram por pagar; e outros ativos que causaram mossa na banca e levaram aos auxílios estatais? Nem uma linha. Como exige a lei, o Banco de Portugal recolheu e produziu o que considera ser “informação relevante” sobre as instituições de crédito que beneficiaram de ajudas do Estado, só que não é conhecida a informação considerada sensível – que esteve guardada a sete chaves pelo presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues, e que esta terça-feira foi entregue à presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Teresa Leal Coelho. O documento passou para a deputada social-democrata às 12:30, conforme se pode ler na deliberação da Mesa da Assembleia da República. Cabe agora aos deputados decidir o que fazer com o documento.
Porque é que o conteúdo mais relevante não é divulgado?
A resposta está logo no preâmbulo do relatório. O Banco de Portugal alerta que o conteúdo do anexo – o tal que fica escondido – “requer um dever de reserva especial, que salvaguarde firmemente o segredo a que essa informação está sujeita, de modo a não prejudicar as instituições de crédito, as empresas e a economia”.
O supervisor explica que a informação “está abrangida pelo segredo bancário” que vincula os bancos, porque estão em causa nomeadamente operações de crédito “com dados individuais sobre os clientes”. O Banco de Portugal lembra ainda que, ele próprio, tem um dever de segredo, tendo de garantir “a confidencialidade da informação reportada” e o cumprimento dos “requisitos legais em matéria de proteção de dados pessoais”.
Banco de Portugal prefere que sejam bancos a divulgar grandes devedores à Assembleia da República
Mas os potenciais problemas de divulgar a informação sigilosa não ficam por aqui, com o supervisor a avisar que é fundamental preservar a “estrita observância de princípios estruturantes de sã e leal concorrência entre as instituições de crédito”, bem como das empresas que operam no mercado português. E que é necessário “salvaguardar a estabilidade financeira e o regular financiamento da economia”.
Isto porque a informação do anexo “contém elementos detalhados e sensíveis sobre operações que poderão estar ainda vigentes”. O Banco de Portugal dá o exemplo de operações de crédito em que os contratos ainda não terminaram, “nomeadamente quanto aos níveis de imparidade constituídos, às garantias associadas a essas operações e às ações em curso para recuperação de perdas”.
um dever de reserva especial, que salvaguarde firmemente o segredo a que essa informação está
sujeita, de modo a não prejudicar as instituições de crédito, as empresas e a economia.
A eventual divulgação dessa informação — assegura ainda — “constituiria um risco significativo para a estabilidade financeira e o regular financiamento da economia, ao introduzir distorções muito significativas nas condições negociais das entidades envolvidas, tanto em possíveis ações de reestruturação como de venda de operações a terceiros, criando igualmente um grave e injustificado desequilíbrio concorrencial” face a entidades que não estejam abrangidas pelo relatório.
Os argumentos do Banco de Portugal para não divulgar a informação sensível incluem ainda o risco de “dano reputacional” para bancos e empresas. Um dano que, na opinião da instituição liderada por Carlos Costa, poderá contribuir “para uma perceção negativa por parte dos atuais e futuros clientes em favor de entidades não sujeitas ao escrutínio” do relatório. E, mais ainda, deixa claro que, no caso das empresas, e em particular as que regularizaram ou estão a regularizar a sua situação, “a eventual perda de confiança poderá ter impacto significativo na sua atividade e, deste modo, no emprego gerado, com as consequentes implicações em termos de estabilidade financeira”, remata o Banco de Portugal.
De que se queixa o Banco de Portugal?
Além das considerações sobre os perigos de divulgar informação sensível, o supervisor lamenta os prazos apertados e o acesso difícil à informação. Foi “particularmente exigente”, lamenta o supervisor, tendo em conta que a informação do anexo – a tal que está em espera – “não é contemplada nos reportes para fins de supervisão prudencial e estatísticos remetidos ao Banco de Portugal, tal como não o é a qualquer outra autoridade a nível europeu”.
Até porque — diz ainda — “a formulação do pedido de informação em causa às instituições implicou a interpretação dos conceitos, objetivos e requisitos previstos na lei”, bem como “um juízo de natureza técnica quanto a alguns pressupostos, de modo a garantir a exequibilidade e consistência do exercício”.
O supervisor garante ter “procurado sempre preservar o espírito do legislador” e sublinha que a informação do relatório “é da exclusiva responsabilidade” dos bancos, avisando que não é sua competência neste caso certificar esse mesmo conteúdo. Em todo o caso, o Banco de Portugal adianta que “durante o exercício, foram promovidas diligências junto das entidades pertinentes” para tornar o relatório mais consistente e completo.
Como é que chegámos aqui?
O documento decorre de uma lei publicada em fevereiro em Diário da República, que pede ao supervisor a produção de um relatório extraordinário sobre os bancos que beneficiaram de ajudas públicas nos últimos 12 anos: Caixa Geral de Depósitos, BES/Novo Banco, Banif, BPN, mas também BCP e BPI – que receberam injeções de fundos públicos (capital contingente) durante o período de resgate financeiro para cumprirem os rácios de capital exigidos.
À exceção do PS, todos os partidos com assento parlamentar chegaram em janeiro a um texto de consenso antes de aprovarem a medida. O PSD ainda queria deixar de fora os bancos que acabaram por devolver toda a ajuda pública que receberam, mas PS, Bloco de Esquerda e PCP fizeram finca-pé para evitar discriminação contra a Caixa Geral de Depósitos. No final, os dois partidos que ajudam a sustentar o Governo juntaram-se aos partidos de direita na aprovação da medida. O PS absteve-se.
Divulgação de grandes devedores à banca. Esquerda recusa livrar BCP e BPI
Os deputados deram então ao Banco de Portugal pouco mais de 3 meses para produzir o relatório. Ou seja, no máximo, tinha de ser entregue até à penúltima semana de maio. Em cheio na reta final da campanha eleitoral.
Esse prazo de “100 dias corridos” fora contestado pelo Banco de Portugal logo em janeiro, no parecer entregue ao Parlamento, considerando que o calendário exigido não era “exequível”. Acabou por ser, mas, como vimos, o supervisor fez questão de se voltar a queixar dos prazos no preâmbulo do relatório que chegou ao Parlamento na semana passada.
Grandes devedores levam Ferro Rodrigues a convocar reunião da mesa da AR
Depois disso, Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, guardou religiosamente o documento, querendo assegurar que a divulgação respeita a lei e não põe em causa o Parlamento. “Fica depositado, à minha guarda, no meu Gabinete”, avisou no despacho da semana passada. Todo o cuidado é pouco, depois do último deslize do Parlamento – que divulgou sem querer a auditoria sobre a CGD em que se conseguia ler a informação escondida.
Já esta terça-feira, Ferro Rodrigues deu luz verde ao Banco de Portugal para libertar a parte não problemática e entregou toda a informação a Teresa Leal Coelho. Numa nota enviada à agência Lusa, o presidente do Parlamento revelou ter transmitido à presidente da Comissão de Orçamento e Finanças a “preocupação com o cumprimento da lei – na letra e no espírito”, lembrando as regras de sigilo bancário a que aludiu o Banco de Portugal.
Então, e agora?
Depois de um conjunto de reuniões convocadas em despacho de Ferro Rodrigues para esta terça-feira, aguarda-se a decisão final sobre o que fazer com o problemático anexo. O presidente da Assembleia da República teve de manhã uma reunião da mesa do Parlamento e, de seguida, um encontro com os presidentes da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e da II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos
E dessas reuniões, saíram recados. Duarte Pacheco, deputado do PSD e secretário da Mesa da Assembleia da República, avisou que “a última palavra cabe ao Parlamento”, que vai agora examinar o relatório e falar com o supervisor. “A comissão de finanças irá analisar a informação que o Banco de Portugal considera que pode ser disponibilizada publicamente, fará a sua avaliação e em contactos que irão ser feitos entre a comissão e o Banco de Portugal ficará definido se a comissão aceita esse critério ou se considera que há informação que está catalogada e que não deveria estar”, vincou o deputado social-democrata.
Tudo isto acontece poucas semanas depois de uma polémica e altamente mediatizada audição no Parlamento de um dos maiores devedores da CGD, Joe Berardo. Portugal despertou (outra vez) para a questão dos grandes devedores à banca, o que dá menos margem aos responsáveis políticos e de supervisão para deixarem no cofre toda a informação considerada sensível.
Artigo atualizado com informação de que Teresa Leal Coelho já recebeu a informação que estava guardada por Ferro Rodrigues.
Do “choque” à “trafulhice”: as respostas às frases polémicas de Berardo