Saiu desta entrevista não com um, mas dois tabus — embora negue categoricamente que o sejam. Com mandato de apenas dois anos e meio como presidente da Assembleia da República, em virtude do acordo feito com os socialistas no início da legislatura, diz-se totalmente focado em cumprir a missão até ao fim. Mas, ao mesmo tempo, não se exclui em definitivo de nenhuma corrida eleitoral. Nem à Presidência da República, agendada para o arranque de 2026, ou, antes mesmo, à Câmara Municipal do Porto, no final 2025. Tudo em aberto, portanto.
Em entrevista ao Observador, a partir da Sala do Senado, no Parlamento, José Pedro Aguiar-Branco chega mesmo a dizer que não seria uma despromoção passar de presidente da Assembleia da República para a presidência da segunda cidade mais importante do país. “Ser presidente da Câmara do Porto não era passar de cavalo para burro”, assume.
Quanto às próximas eleições presidenciais, o antigo ministro da Defesa insiste que este não é o tempo de discutir a sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa, escusa-se a comentar uma eventual candidatura de Luís Marques Mendes e tão pouco comenta a hipótese de o próximo Presidente da República ser um militar. Mas deixa um recado para bom entendedor. “Quando estamos a fazer uma função e a pensar noutra, fazemos mal as duas.”
Aguiar-Branco fala ainda das mais recentes declarações de Pedro Pinto e André Ventura sobre a morte de Odair Moniz e, ainda que garanta não se rever naquelas palavras, mantém a doutrina que definiu para o seu mandato como presidente da Assembleia da República. “O tempo em que um político julga o discurso de outro político, numa lógica criminal, acabou lá atrás, em 1974. Portanto, não vão encontrar em mim um censor”.
[Veja aqui a entrevista a José Pedro Aguiar-Branco]
“O julgamento do discurso político é feito pelo povo na hora de votar”
Começando pelo último debate a que assistimos no Parlamento. Há comentadores que o consideram corresponsável pelo atual estado do debate político, pela posição que teve de uma amplitude muito grande em relação ao conceito de liberdade de expressão. Sente-se corresponsável pelo que aconteceu no encerramento do debate do Orçamento do Estado?
Convivo bem com a crítica. É natural que haja quem entenda isso. Mas acho que sou corresponsável pela liberdade de expressão ter saído reforçada e revejo-me muito bem na dialética democrática, na crítica relativamente a quem pensa diferente de mim. A expressão do que temos no Parlamento é a expressão do voto popular. É uma legitimidade democrática que resulta diretamente do voto direto e universal dos portugueses. Os representantes do povo português estão na Assembleia da República e, como disse uma vez, o julgamento do discurso político não é feito pelo presidente da Assembleia da República e não é feito pelos jornalistas; é feito pelo povo na hora de votar.
Chegou a confessar que estava a perder um bocadinho a paciência. Isso não é uma falha sua?
Não, não é. Primeiro, o Parlamento está a funcionar. Muitos diziam que ia ser impossível este Parlamento funcionar e ele está a funcionar. Muitos diziam que o Orçamento não ia ser aprovado; e foi aprovado. Há uma determinada normalidade democrática e não há nenhuma paralisia, bem pelo contrário, das instituições. Depois, a polarização dos Parlamentos é comum em toda a Europa. É natural que quando existe uma polarização maior que as tensões surjam com mais regularidade. Mas a verdade é que a tensão surge, as observações que faço, quando considero que são declarações excessivas na dialética democrática, acabam por ser acatadas. Não vejo que daí resulte nenhuma situação dramática para a democracia. Pelo contrário.
Em julho disse, em entrevista, que o ambiente estava a melhorar e o debate estava melhor. Depois do que se passou na última semana, continua com a mesma opinião?
Sim. É evidente que preferia que não acontecessem. É evidente que acho que o tratamento de urbanidade que devia existir entre os senhores deputados deveria ser mais consistente. Mas, se fizermos um paralelo em relação ao que são todos os Parlamentos hoje em dia, com a muita fragmentação que há das diversas dimensões ideológicas, o nosso não foge à regra. É evidente que há momentos de maior tensão, há momentos em que eu próprio, de uma forma pedagógica, chamo a atenção de que não deveria estar isso a acontecer e tento conduzir os trabalhos de forma a não inflamar mais. No final do dia, as coisas são democraticamente aceites, são votadas e a democracia está a funcionar.
“Não vão em encontrar em mim um censor”
O deputado e líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, disse que se as polícias “disparassem mais a matar, o país estaria mais na ordem”. Se tivesse dito isto no plenário, chamaria a atenção ou cabe dentro dessa latitude da liberdade de expressão?
O deputado pode dizer isso. Pode dizer isso. E é responsável por aquilo que diz. E se o que ele diz tem uma qualificação que é suscetível de ser considerado crime, os tribunais é que fazem essa avaliação.
Se fosse no plenário da Assembleia da República…
Uma vez que ele acabasse de dizer o que disse, como noutras situações, chamaria a atenção para um conjunto de linguagem que deve ser evitada. Mas não vou passar disso para aquilo que é a censura ao conteúdo do que se diz, porque a censura em relação ao conteúdo é muito perigoso e acho que não compete ao presidente da Assembleia da República. Ouço muitas coisas de que não gosto, mas o maior exercício de pedagogia que posso fazer é aceitar que na casa da democracia possa ser dito aquilo que tem de ser dito. A qualificação, se houver algum momento em que é para qualificar juridicamente como crime, são os tribunais a fazer. O tempo em que um político julga o discurso de outro político, numa lógica criminal, acabou lá atrás, em 1974. Portanto, não vão encontrar no presidente da Assembleia da República um censor dos conteúdos. Isso não.
Mas as declarações de Pedro Pinto e de André Ventura, que também foram muito criticadas, podem ser alvo de avaliação ou da Comissão da Transparência ou da Conferência de Líderes.
Não podemos confundir as coisas. Se uma coisa é crime ou não é crime, quem qualifica não é nenhum de nós; são os tribunais.
Há a dimensão criminal e a dimensão da conduta neste Parlamento.
Existe um código ético que obriga a uma determinada lógica de urbanidade, mas que, inclusivamente, não tem nenhuma dimensão punitiva. É uma autorregulação que devemos ter, que depois se traduz numa matéria de urbanidade, mas que não tem a ver com a qualificação de natureza criminal. E a censura está nessa zona. Eu não passo a linha da qualificação jurídica de uma declaração ou de uma opinião, porque a nossa Constituição consagra, e por alguma razão consagra, a imunidade criminal, civil e disciplinar dos seus deputados. Não podemos ignorar o que é que a nossa Constituição diz. E a Constituição diz que ninguém no exercício da sua atividade de deputado e na dinâmica do discurso político pode ser perseguido por isso. Se houver alguma situação que, ainda assim, os tribunais queiram averiguar, têm de pedir o levantamento da imunidade parlamentar.
Há uns meses, quando outra questão se levantou relativamente ao comportamento de alguns deputados do Chega, existiram algumas denúncias de deputadas que dizem ter ouvido, entre outras coisas, ofensas nos corredores. Na altura incentivou que chegassem algumas queixas. Chegaram?
Não, não chegaram. Mas acho que, havendo esse tipo de situações, seria útil, porque já se enquadra naquilo que é relação entre deputados e aí o presidente deve intervir. O presidente da Assembleia pode interromper ou advertir um determinado deputado quando o discurso é injurioso, é demasiado agressivo, condiciona a dialética democrática ou está a coagir outro deputado.
Esquecendo o plano formal. Qual é a sua opinião sobre as declarações quer de Pedro Pinto, quer de André Ventura?
Eu não teria dito, não me revejo. Mas não desejo fazer mais qualificações.
“Todos os deputados sentem que sou equidistante”
Disse que houve aproveitamento político com o caso da morte de Odair Moniz. A quem é que se referia concretamente? Quem é que fez esse aproveitamento político?
Toda a gente viu que, perante uma determinada situação, houve imediatamente um conjunto de intervenções tentando colocar o lado bom contra o lado mau para retirar daí, a meu ver e dos 10 milhões de portugueses, determinados aproveitamentos políticos. Apelei à moderação, no sentido de que este é o tempo da Justiça. A Justiça tem um tempo diferente do tempo mediático; o tempo mediático é um tempo mais emocional, é um tempo mais subjetivo, que muitas vezes não é compatível com o tempo da Justiça, que é mais racional, mais frio e que tem de apurar objetivamente as responsabilidades.
Há instantes disse que em nada faria para contribuir para o inflamar da dialética parlamentar. Os seus antecessores contribuíram para isso?
Não me vou pronunciar sobre os antecessores. Devo dizer que sinto que os deputados e os grupos parlamentares sentem que sou equidistante em relação a todos.
Ao contrário de Augusto Santos Silva, por exemplo.
Eu sou. O que me importa é aquilo que eu sou. Quase que me arriscaria a dizer, se fizessem uma sondagem, acho que todos os deputados irão responder unanimemente que sou equidistante. Comigo, não há nem beneficiados, nem prejudicados.
Voltamos ao início da nossa entrevista: há gente que o acusa de estar a permitir precisamente que o Chega vá testando os limites dessa tolerância.
O que é que posso dizer? Vivemos numa sociedade democrática e livre. Estou muito bem com a minha consciência. Nunca, nunca, nunca aceitarei para mim próprio as tais linhas vermelhas de limitar o conteúdo de expressão. Porque na casa da democracia, todos os deputados têm legitimidade democrática, todos têm a mesma legitimidade que eu tenho, como digo. Não me substituo ao povo na avaliação do que deve ser o mandato dos deputados. Não me sinto a vanguarda do povo, que tem em si a sageza, a inteligência e o bom senso de julgar. E mais: até acho que esse julgamento será melhor quanto menos simulado e mais transparente e mais real for o que se diz na Assembleia. É isso que se espera e desejo que o povo português esteja atento.
O Presidente da República visitou os bairros onde decorreram os mais recentes tumultos. Tem apostado numa presidência do Parlamento mais próxima dos cidadãos – pelo menos é um dos seus objetivos enunciados. Também tenciona visitar estes bairros nos próximos dias?
Não está previsto que isso aconteça.
Mas não entende que seja parte das suas funções?
Tenho definido um determinado registo de aproximação e de abertura do Parlamento às pessoas. Mas não tenho uma dimensão de poder executivo.
Precisamente. Luís Montenegro tem sido criticado por ainda não ter ido ao local.
Não falo pelo Governo. Na minha função, quero que essa abertura e que essa melhor ligação entre os eleitores e os eleitos seja compreendida. Mas não me quero substituir nem ao Governo, nem ao Presidente da República.
No lugar de Luís Montenegro, já teria ido ao local onde decorreram os tumultos?
Sou presidente da Assembleia da República e nessa qualidade não me compete fazer nenhum juízo em relação a isso.
“Não acho que seja inevitável que esta legislatura fique a meio”
Disse esperar que Pedro Nuno Santos demonstrasse maturidade política e sentido de interesse nacional no processo de discussão na especialidade do Orçamento do Estado. Isto não é uma forma de pressão sobre o maior partido da oposição?
Não. Primeiro, vem na sequência do já tinha referido em relação ao Orçamento na generalidade e não foi só em relação ao secretário-geral do PS. Quando ainda estava em negociações, fiz esse apelo, atendendo a uma circunstância muito simples: os portugueses não queriam eleições.
Mas repetiu-o agora, já depois da aprovação, isso não é uma ingerência na dinâmica dos partidos?
Não disse só em relação ao secretário-geral do PS. Mas vai ao encontro do que o próprio secretário-geral do PS referiu, quando clarificou o que iria fazer na especialidade, e também do que o Governo foi referindo, porque também foi dizendo que haveria margem para poder acomodar algumas alterações preservando aquilo que seria o excedente previsto. Se todos estão a dizer isso, porque é que seria o Presidente da Assembleia da República a dizer o contrário?
O Orçamento foi aprovado na generalidade, mas ainda há muitas dúvidas nesta fase de especialidade, sobretudo em duas matérias, a descida do IRC e o aumento extraordinário das pensões, é ou não legítimo que PS e Chega mudem estas matérias na especialidade?
Legítimo, é. Mas o que se espera é que quem deseja que haja uma viabilização na especialidade do respectivo Orçamento, tenha em atenção que as maiorias que se formam durante a especialidade não ponham em causa o próprio objetivo que foi referido.
Ou seja, alinha na tese do Governo que essa seria uma forma de desvirtuar o orçamento.
Não tenho de alinhar na tese do Governo. A minha posição tem de ser de apelar a que haja moderação. Os portugueses não iriam compreender [um chumbo do Orçamento]. Mas nem vou laborar nisso. Estou firmemente convicto de que, no final do dia, vai imperar esse sentido de responsabilidade.
Acha que não há o risco de sair daqui um orçamento de Estado no qual o governo não se revê?
Riscos existem sempre, mas não acredito que se vão verificar.
Nem que levem ao extremo de termos as bancadas que suportam o Governo a votar contra o próprio Orçamento?
Não vou laborar sobre essa hipótese. Percebo que haja interesse, mas a mim compete-me contribuir para que haja uma viabilização do Orçamento.
Ainda recentemente lamentou a visão conflitual na política e a falta de capacidade de diálogo, sobretudo entre os dois maiores partidos, PS e PSD. Vimos o que foi a pré-discussão deste Orçamento e foi bastante evidente que aquilo que acabou por salvar o documento foi o risco de eleições antecipadas e de dissolução do Parlamento. Isso no Orçamento de 2026 já não acontecerá, porque o Presidente da República perde essa capacidade. É inevitável que esta legislatura venha a ser interrompida a meio?
Não acho que seja inevitável, porque acho que as circunstâncias de hoje podem ser muito diferentes em 2025. Se fizermos uma análise a um ano de distância em política, ela é muito complicada. O que vejo é que os Parlamentos estão hoje muito fragmentados. Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha… Há uma realidade que é diferente da que era antes, o que obriga a que haja uma dinâmica muito mais forte para a procura de consensos. Não estávamos habituados, não era tanto assim, a nossa história democrática foi menos exigente nessa matéria. Mas é uma realidade que atravessa toda a Europa.
Perdemos a capacidade de ter uma legislatura que dure quatro anos?
Não. Acho que é mais exigente para a tentativa de obter consensos. E essa é uma arte que tem de estar hoje mais presente do que estava no passado, quando havia uma dimensão mais bipolar. Hoje é necessário que haja mais capacidade para o consenso, para aceitar as diferenças, mais tentativa de chegar a meio da ponte e isso vai-se praticando. Acho sinceramente que essa prática aconteceu em relação a este Orçamento,
Acha mesmo razoável acreditar que esta legislatura dure até ao fim?
Vamos ver, vamos ver. Não arriscaria a fazer nenhuma previsão com um ano de antecedência.
Foi eleito precisamente na sequência de um acordo com o PS para uma presidência rotativa do Parlamento. Existe algum cenário em que seja possível a sua continuidade? Desejaria ficar os quatro anos como presidente da Assembleia?
É verdade que um acordo é sempre possível de ser ponderado, não é? É a própria lógica dos acordos. Mas só posso responder por mim: chegarei ao momento em que está acordado apresentar a renúncia e fá-lo-ei. Que não haja nenhuma dúvida a esse propósito. Cumpro sempre aquilo que digo. Nessa altura se verá as circunstâncias que existem. As circunstâncias que existem podem determinar muita coisa, até em nome do próprio interesse nacional. É verdade que quando aceitei ser candidato à presidência da Assembleia da República foi num horizonte de quatro anos. Fez-se um acordo que alterou isso. Cumprirei a minha parte do acordo.
Já alguém do PS o abordou no sentido de prolongar esse acordo?
Não, não.
Mas a saída de Francisco Assis da Assembleia da República, já que era ele a figura indicada pelo PS, não facilita essa sua continuidade?
Não sei, mas isso não me compete a mim.
“Não quero introduzir a questão das presidenciais agora”
Diz estar focado na função que ocupa atualmente, mas também diz que é cedo para discutir eleições presidenciais. Quer isto dizer que não se exclui dessa corrida?
Quer dizer exatamente o que disse. Ou seja, compreendo que para nós que estamos na dimensão mais política essa questão exista, mas neste momento temos na agenda prioritária para os portugueses outros assuntos.
Mas poderia perfeitamente desfazer já o tabu e dizer que não está interessado nessa corrida.
Já ando nisto há muitos anos. Está a dizer que há um tabu e não existe tabu nenhum. Portanto, a palavra é sua não é minha. É natural que na dimensão da política pura que estas questões se coloquem, mas os portugueses não estão minimamente interessados em presidenciais. Querem ver o Orçamento aprovado. Depois temos as eleições autárquicas, em que também se falam de muitos nomes. É preciso uma capacidade de polivalência, qual trinco do futebol, a jogar em vários tabuleiros, que eu não tenho.
Pergunta clássica que já lhe fizeram muitas vezes ao longo do seu percurso político: então é algo que não exclui?
Pois, e também lhe posso responder que tenho mais de 35 anos, sou eleitor ativo, essas coisas todas. Por isso, a maneira que acho que é correta em relação à agenda é que neste momento temos Orçamento e a matéria das presidenciais ainda não deve ser colocada. Há outros temas importantes e outras matérias importantes. As autárquicas são importantíssimas para as populações locais, quer para a dimensão política de vitórias em Câmaras importantes e menos importantes. Estamos nessa dinâmica e devemos respeitar os portugueses nisso. Os portugueses estão cansados de estar sistematicamente a pensar noutras coisas que não são exatamente problema direto deles. Introduzimos mais um tema, que são as presidenciais, e não queria contribuir para isso.
Em rigor, foi a direção PSD que contribuiu para isso. O partido fez bem em introduzir este tema na agenda? A ida ao congresso de Luís Marques Mendes ajudou?
Há uma moção de estratégia que tem que ser apresentada para dois anos.
Não foi só uma moção de estratégia. O primeiro-ministro, na entrevista que concedeu à SIC, falou abertamente sobre o tema.
Mas há uma moção de estratégia que tem que apresentar o perfil e o critério que o partido vê em relação às presidenciais, certo? Era neste congresso que tinha que fazer. É natural que, vendo essa aprovação no congresso dessa estratégia presidencial, que questionem o primeiro-ministro em relação à mesma. Tanto quanto sei não falou se apoia A, B, C ou D. Referiu qual era o critério que passa por um militante do partido.
Também encaixa no perfil da moção de estratégia.
Quem? Eu? Sou militante do PSD, é verdade. Depois não sei se tem mais algum requisito, não sei.
Alargar a base eleitoral do PSD.
Se acha que alargo, fico muito satisfeito, agradeço.
Disse nesta entrevista que tem sido um presidente da Assembleia da República equidistante e que isso é reconhecido por todos.
Se é reconhecido, sinto-me satisfeito. É porque estou a cumprir bem o meu mandato de presidente da Assembleia da República, que é no que estou focado. E digo-lhe mesmo, por experiência de vida que já vai levando alguns anos: quando estamos a fazer uma função e a pensar noutra, fazemos mal as duas. Devemos focar-nos na que estamos a fazer, fazê-la bem, no melhor que sabemos e é esse o foco que tenho neste momento. Tenho um compromisso que resulta do acordo que foi feito. Na minha modesta opinião, acho que estou a contribuir para que os deputados sintam equidistância em relação ao seu presidente de uma forma positiva e com isso estou a cumprir a minha parte na democracia.
Mas é indesmentível que o Congresso do PSD não recebeu Luís Marques Mendes exatamente em clima de festa.
Não estava lá.
Mas acha que a cúpula do partido se precipitou nesta indicação? Luís Marques Mendes seria um bom candidato presidencial?
Mas vamos aos factos: o partido não se pronunciou em relação a A, B ou C. Penso eu. Não acompanhei.
Luís Montenegro disse que Marques Mendes era o que se encaixava melhor no perfil.
Não sei, eu não ouvi. Se disse, é uma opinião e é legítima.
Mas concorda com essa opinião?
Não tenho que concordar com a opinião porque não quero introduzir a questão das presidenciais agora. Não deixarei de me pronunciar sobre as presidenciais quando na agenda política for adequado que estejam essas questões. Não deixarei de emitir a minha opinião.
Foi ministro da Defesa. Como é que encara a possibilidade de o país poder ter um militar como Presidente da República? No plano abstrato, se não quiser falar de nomes.
Não há planos abstratos na política. Vou à resposta politicamente correta: do ponto de vista da democracia, qualquer português que preencha os requisitos da Constituição, desejando e sentindo que dá um contributo importante para o país, pode fazê-lo. É só isto que respondo. Agora, saber se é bem, mal, se está ou não está adequado, reservo essa minha opinião para o momento em que as presidenciais forem o tema.
Manuel Castro Almeida, o ministro da Coesão Territorial, disse que seria uma anormalidade.
Não deve haver essa discussão das presidenciais agora. E digo-lhe por respeito às preocupações que os portugueses têm. Tirando a nossa bolha política, os portugueses lá fora, e esforço-me por estar atento a essa realidade, não ligam ao assunto.
Só porque há pouco disse que uma pessoa, quando está a desempenhar uma função a pensar noutra está a fazê-lo mal. Identifica alguém que esteja a fazer isso?
Corre o risco de fazer as duas mal. Estou a dizer para mim próprio. Não é para ninguém. A minha experiência de vida mostra isso. Se isto pode ser um conselho para alguém, vai a título de conselho.
Vamos ao ato eleitoral que está mais perto e que já referiu que é muito relevante no próximo ano político: as autárquicas. Já foi presidente da Assembleia Municipal do Porto. Pedro Duarte seria o melhor candidato que o PSD tem para conquistar a Câmara?
Pedro Duarte seria seguramente um bom candidato. Agora, se é o melhor, os órgãos do PSD hão-de dizer.
Pelo seu critério, de não estar numa função a pensar noutra, já não cumpria.
Tem seguramente o perfil, mas não sei se iria ao encontro da vontade do próprio.
O cargo que desempenha agora inibe-o de dar algum contributo numa candidatura ao Porto?
Ainda não refleti sobre isso, se enquanto presidente da Assembleia da República poderia participar na campanha.
“Não é passar de cavalo para burro ser presidente da Câmara”
Há um caso que tem marcado as últimas semanas. A divergência entre o ministro dos Negócios Estrangeiros e militares no aeroporto de Figo Maduro. A revista Sábado até diz que a Aguiar Branco é um dos nomes que ao longo dos tempos se incompatibilizou com Paulo Rangel. Reconhece no ministro dos Negócios Estrangeiros este comportamento irascível?
Não sei se o comportamento foi irascível, portanto não posso estar a fazer um juízo de valor em relação a matérias que só li. Mas quanto à situação que é retratada nessa notícia da Sábado, ela é pública. Aconteceu quando nos candidatamos contra Pedro Passos Coelho a presidente do PSD e aí existiu uma situação de efetiva divergência de análise. Houve um momento em que ficamos numa situação menos confortável os dois, que depois ao longo dos anos se foi alterando. Cheguei a apoiar Paulo Rangel na candidatura mais recente ao PSD, portanto a notícia não tem uma factualidade. Isto foi há 15 ou 16 anos, já nem sei.
A questão é o desconforto entre as chefias militares e o ministro. Marcelo Rebelo de Sousa até já veio dizer que tinha passado também por situações incómodas naquele local. Não existe uma degradação na relação entre militares e altos cargos políticos?
Espero que não. Quando fui Ministro da Defesa, aconteceu num período particularmente crítico, com exigências de austeridade, cortes, situações que afeteram, e muito, todos os portugueses e também, em particular, a dimensão militar. Nunca deixei de ter todos os chefes militares a acompanharem-me em tudo, até na reforma que implementei. O espírito patriótico dos militares é muito forte, a dimensão de serviço à causa pública é exemplar, portanto acredito que nem de perto nem de longe haverá esse passo de crispação por parte dos militares.
A ministra da Administração Interna admitiu este fim de semana revisitar a questão da greve das forças de segurança mas depois recuou nessa matéria. Concorda com esta ideia?
Se recuou ainda bem. A greve da PSP, como dos militares, não deve ser possível.
O Parlamento é o órgão fiscalizador da ação governativa. Faz um balanço positivo da atuação do primeiro-ministro?
Compreendo esse tipo de perguntas mas estou nesta entrevista como presidente da Assembleia e não me desvio dessa função. Num dia que não esteja e se for candidato a outra coisa qualquer, falamos. Como presidente da Assembleia da República devo ter um discurso de moderação para que a dimensão democrática, o respeito institucional, o bom funcionamento entre os órgãos de soberania aconteça. Faço o meu pedaço pela democracia. Não devo, enquanto presidente da Assembleia da República, fazer comentários em relação ao desempenho do primeiro-ministro.
Admitiu a possibilidade de ser candidato a uma coisa qualquer.
Usei uma força de expressão.
Mas uma vez que é presidente da Assembleia da República, em política há muito a tese de não passar de cavalo para burro. A ser candidato a qualquer coisa no futuro, poderemos depreender que será para Presidente da República? Ou seria abusivo da nossa parte?
Vou-lhe responder em abstrato: ser presidente da Câmara do Porto não era passar de cavalo para burro.
Ganhamos mais um tabu. Mas é algo que deseja ou não?
A minha cultura democrática fez-se ainda antes do 25 de Abril e tem uma consistência enorme na minha maneira de ser. 1974, 1975, 1976 são anos em que, já como adulto, tive uma vivência do período revolucionário em que as matérias são muito fortes no que diz respeito à democracia. Vejo qualquer sufrágio direto e universal como o ponto máximo do exercício da democracia. Não é passar para burro ser presidente de Junta, não é passar para burro ser presidente da Câmara, não é passar para burro nada em que estejamos a representar de forma direta e universal cidadãos portugueses. Sinto isso nas minhas entranhas mesmo.
O Parlamento vai ter este ano, pela primeira vez, uma sessão solene do 25 de Novembro, que vai ser similar ao 25 de Abril, e em que a estrutura formal foi aprovada apenas pela direita. Uma sessão solene com estas características não devia ter tido pelo menos também o apoio do PS para ter uma ampla maioria de suporte?
O PS não foi tão contra o modelo como está a referir. Na falta do consenso, procurei que existisse um critério muito objetivo: procuramos todos os modelos de sessões solenes que aconteceram na Assembleia da República e com base nisso construir a do 25 de Novembro. Ainda assim houve quem entendesse que não devia ser assim, que devia ser menos que a do 25 de Abril, e aí é que a maioria teve um entendimento que prevaleceu.
Esta terça-feira há eleições nos Estados Unidos. Donald Trump ou Kamala Harris?
Pensei que me pudessem perguntar sobre isso e o que é que devo responder como Presidente da Assembleia da República e fiquei na dúvida, o que é uma coisa terrível. Talvez dê uma resposta à professor Marcelo Rebelo de Sousa: acho que me conhecem o suficiente para saber qual é a minha preferência.