O homem que durante anos foi o braço-direito de Isabel dos Santos é agora um dos administradores da Livrefluxo S.A., empresa que detém parte do capital da Cofina — a dona do Correio da Manhã, CMTV e revista Sábado —, da GreenVolt, energética portuguesa liderada por João Manso Neto, e da produtora de pasta de papel Altri. Arguido em Portugal e em Angola e com contas arrestadas, Mário Leite da Silva, apurou o Observador, entrou no final do ano passado na administração, enquanto vogal, da sociedade que detém cerca de 12% da Cofina e de que Domingos José Vieira de Matos é administrador e acionista dominante.

Além da presença na estrutura acionista da Cofina, a Livrefluxo tem também uma participação na Greenvolt, que aliás foi reforçada no mês passado, aumentando de 8,38% para 10,55% — na sequência do processo de distribuição de dividendos da Altri, que deixou de ter participação na empresa portuguesa de energia renovável.

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A empresa de que Mário Leite da Silva é agora administrador também detém uma parte da Altri, conforme se pode verificar no separador da estrutura acionista que está disponível no site da empresa: “As 26.669.010 ações da Altri, SGPS, S.A. detidas pela sociedade Livrefluxo, S.A. consideram-se imputáveis a Domingos José Vieira de Matos, seu administrador e acionista dominante”.

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Contactado pelo Observador, Mário Leite da Silva confirmou esta terça-feira a ligação à empresa, fazendo referência ao seu percurso e histórico enquanto gestor: “Confirmo que integro o Conselho de Administração da LivreFluxo S.A., a par da minha atividade académica, no âmbito de uma longa carreira de gestor ao longo da qual colaborei com a PwC, o Grupo Américo Amorim, a Eng.ª Isabel dos Santos e várias instituições de ensino superior”.

O Observador questionou também a CMVM, no dia 23 deste mês, sobre se neste caso existe enquadramento para uma avaliação de adequação e idoneidade do gestor, mas o regulador do mercado não enviou qualquer resposta até à publicação deste artigo.

A entrada de Leite da Silva numa empresa acionista da Cofina e o futuro do grupo

Foi no mês de novembro que Leite da Silva entrou na administração de uma das empresas acionistas de um dos maiores grupos de media em Portugal — que tem sido notícia por ser alvo de manifestações de interesse de compra de parte do seu capital —, o registo da “designação” pode ser consultado no Portal das Publicações e Atos Societários.

Em março, tal como noticiado pelo Observador, a Media Capital, dona da TVI e da CNN, encetou um conjunto de contactos e negociações para a compra da Cofina — um volte-face em relação ao cenário que chegou a ser colocado em cima da mesa em 2019, quando a Cofina tinha interesse em ficar com a Media Capital, que tem Mário Ferreira como principal acionista.

Nessa altura, o Observador explicava que a abordagem à Cofina por parte de Mário Ferreira teria de ter um perfil amigável, dado que o núcleo acionista da Cofina — composto por Paulo Fernandes (presidente executivo), os irmãos João e Pedro Borges de Oliveira, Ana Mendonça e Domingos Vieira de Matos, que estão juntos noutros negócios, como a Altri e a Greenvolt — nunca aceitaria uma operação hostil. Recorde-se que todos juntos detêm 71% do capital da Cofina.

Após a notícia, as negociações das ações da Media Capital e da Cofina foram suspensas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e a dona do Correio da Manhã emitiu um comunicado a referir “abordagens preliminares”: “A Cofina mais esclarece que foram realizadas abordagens preliminares por diversos assessores externos, com vista a encetar possíveis negociações, que estão a ser objeto de análise pela sociedade, sem que haja, na presente data, qualquer decisão ou conversações, entre a Cofina e, nomeadamente, a Media Capital ou os seus acionistas, relacionadas com a matéria da referida notícia.”

Também a Media Capital afirmou em comunicado estar “atenta e disponível para analisar oportunidades de negócio que possam surgir”.

Media Capital, dona da TVI, em negociações para comprar Cofina, que detém Correio da Manhã

Mas desde então muita coisa mudou. E, mais recentemente, surgiu uma outra frente interessada na compra da Cofina. Um conjunto de quadros da empresa liderados por Luís Santana, administrador executivo da Cofina, manifestaram interesse em pôr em marcha um “Management Buy Out” (MBO) — informação que Luís Santana confirmou à agência Lusa. “Eu e um conjunto de quadros da Cofina Media estamos a preparar um ‘Management Buy Out’, que planeamos apresentar oportunamente ao acionista da empresa, com o qual não temos mantido qualquer tipo de negociações”, disse.

Gestores liderados por Luís Santana preparam compra da Cofina Media

Segundo o semanário Expresso, com esse objetivo Luís Santana tem estado à procura de financiamento, junto de potenciais financiadores.

Um protesto e uma apreciação sem resposta do Ministério da Justiça

Este mês foi tornado público que o antigo gestor da empresária angolana apresentou ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, uma queixa pela forma como está a ser tratado pela Justiça angolana — um apelo que, segundo a SIC, acabou endereçado a António Costa antes da viagem deste a Angola. O protesto terá sido encaminhado para apreciação da ministra da Justiça, que questionada na última semana pelo Observador sobre qual o sentido a referida apreciação não enviou qualquer resposta até à publicação deste artigo.

Em causa, segundo Mário Leite da Silva, está o facto de há três anos ter o seu património e contas arrestadas em Portugal, por solicitação das autoridades de Luanda, sem que, acusa na queixa, tenha tido oportunidade de prestar esclarecimentos na investigação que corre naquele país.

“Quero acreditar que a intervenção de Vossa Excelência, como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, permita que a situação em que me encontro possa, finalmente, ter um desfecho célere e que a guerra de poder entre cidadãos de outro país deixe de ter consequências tão nefastas para a vida de cidadãos portugueses a quem está negado o acesso a princípios fundamentais de um Estado de Direito”, podia ler-se na queixa, citada por aquela estação de televisão.

Arguido em Portugal e em Angola e com património arrestado

O inquérito de que Mário Leite da Silva se queixou a Marcelo Rebelo de Sousa foi confirmado em 2020 pela Procuradoria Geral da República de Angola, na sequência do chamado caso Luanda Leaks — em que Leite da Silva é descrito como sendo um dos facilitadores de negócios de Isabel dos Santos, de quem nos últimos tempos tem feito por se afastar.

Isabel dos Santos e alguns cidadãos portugueses, entre eles Mário Leite da Silva, haviam sido constituídos arguidos e alvo de arresto preventivo, por decisão do Tribunal Provincial de Luanda. No caso da empresária angolana, por alegada má gestão e desvio de fundos no período em que liderou a Sonangol.

Ex-braço-direito tenta afastar-se de Isabel dos Santos e quer colaborar com as autoridades angolanas

A 22 de janeiro do mesmo ano, na sequência do processo, Leite da Silva renunciou ao cargo de presidente do Conselho de Administração do Banco de Fomento Angola, que assumira três anos antes. Na mesma altura, formalizou a renúncia ao cargo de presidente do Conselho de Administração da Efacec.

E, meses depois, as suas contas, assim como as de Isabel dos Santos e de outras pessoas próximas da empresária, acabariam por ser arrestadas também em território nacional, por decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal, na sequência de um pedido formal, via carta rogatória, formulado pelas autoridades de Luanda. Além disso, também foi constituído arguido pelo Ministério Público português.

Já este mês foi também conhecida a decisão do Tribunal da Relação de Amesterdão, na Holanda, que condenou Isabel dos Santos por ter dado ordens ilegais no dia em que foi exonerada da presidência da petrolífera angolana para serem transferidos para a sua esfera uma percentagem dos dividendos de uma holding da Sonangol, a Esperaza. No total terão sido desviados 52,6 milhões de euros da petrolífera. Esta decisão veio confirmar a de um tribunal arbitral, de há dois anos — Isabel dos Santos, que é alvo de um mandando de detenção internacional da Interpol, a pedido de Luanda, garantiu já nas redes sociais que vai recorrer. A recente decisão judicial, a que a SIC teve acesso, visa também Mário Leite da Silva e o ex-administrador financeiro na Sonangol, Sarju Raikundalia.