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Norwegian Army Soldiers North Of The Arctic Circle
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Robert Nickelsberg

Robert Nickelsberg

Ártico. O próximo ponto de tensão com Putin depois da guerra na Ucrânia?

A nova doutrina naval russa anunciada por Putin inclui a defesa "das águas russas do Ártico". Numa região cheia de riqueza natural e interesses geopolíticos, a guerra da Ucrânia deixa todos nervosos.

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Svalbard é um arquipélago gelado, onde vivem menos de três mil pessoas e é obrigatório andar armado quando se sai das cidades, por causa do risco de ataques dos ursos polares. É a zona permanentemente habitada mais a norte de todo o globo. E é também o “calcanhar de Aquiles da NATO no Ártico”, como lhe chamou em tempos um professor de Estudos de Segurança.

Formalmente, Svalbard está sob soberania norueguesa — mas graças a um tratado com um século, muitos outros países têm direito a explorar os seus recursos naturais. Em concreto a Rússia, que explora minas na região há anos, muitas vezes com recurso a trabalhadores ucranianos, na maioria vindos da região do Donbass. Na cidade abandonada de Pyramiden, ainda é possível encontrar um busto de Lenine e um slogan que diz “O comunismo é o nosso objetivo.”

Pyramiden, abandoned Russian settlement and coal mining community on Spitsbergen, Svalbard, Norway

Entrada da cidade abandonada de Pyramiden, onde durante décadas funcionaram minas soviéticas

Universal Images Group via Getty

Em janeiro deste ano, cerca de um mês antes da invasão russa da Ucrânia, deixou de haver internet por alguns dias em Svalbard. Um dos cabos de fibra ótica subaquático, que assegura o fornecimento, estava danificado. As autoridades locais disseram que uma das hipóteses para explicar o problema era o “impacto humano”, não chegando oficialmente a apontar dedos. Mas, para bom entendedor, meia palavra basta. No último relatório anual dos serviços de segurança noruegueses, destacava-se que a Rússia estava a desenvolver a capacidade de danificar cabos subaquáticos e o país era identificado como “a maior ameaça” para a Noruega em termos de ataques cibernéticos.

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Nada que seja propriamente novo. Há vários anos que a Rússia tem levado a cabo pequenas provocações no arquipélago, usando-o como se fosse seu território. Foi o caso da visita-surpresa do vice primeiro-ministro Dmitry Rogozin a Svalbard em 2015 ou a escala de forças especiais chechenas na região. Mas, até há pouco tempo, ninguém acreditava que a paz no Ártico estivesse verdadeiramente em causa. “Por um lado, a Rússia demonstra o seu poderio militar violando espaços aéreos e marítimos, realizando exercícios de larga escala, reabrindo bases soviéticas”, escrevia já em 2017 o Wilson Center. “Por outro lado, os responsáveis russos sublinham consistentemente a necessidade de despolitizar a cooperação na região e de manter canais de comunicação de alto nível.”

Com a guerra na Ucrânia, a situação mudou. Em junho, a Rússia acusou a Noruega de impedir a passagem pelas suas águas de um navio com destino a Svalbard, que transportava bens alimentares. “As autoridades norueguesas estão a tentar garantir que os menores russos fiquem sem comida, o que é imoral”, acusou um responsável de Moscovo. Na prática, a Noruega estava a aplicar as sanções europeias aplicadas à Rússia — e o país poderia contorná-las enviando o barco por outra rota, como fazia até então.

Uma suspensão e uma nova doutrina naval. As consequências da guerra da Ucrânia no Ártico

Um mês depois, a Rússia anunciava a sua nova doutrina naval, onde acusa os EUA e a NATO de estarem a tentar uma estratégia de domínio mundial — incluindo no Ártico. “Estas são as nossas águas”, declarou Vladimir Putin no discurso no Dia da Marinha russa, referindo-se a essa região. “Vamos garantir a sua proteção firme e com recurso a todos os meios.” O documento inclui agora menções a “Preparação e prontidão para a mobilização” e “Procedimentos para recurso aos instrumentos da política nacional marítima para proteger os interesses nacionais”, que estavam ausentes da versão anterior, publicada em 2015.

Rússia com nova Doutrina Naval, críticas às estratégias marítimas de EUA e NATO e novos mísseis cruzeiro

David Auerswald é taxativo sobre os últimos acontecimentos em Svalbard: “São daquelas ações provocadoras que chamam a atenção, mas é pouco provável que levem a um conflito armado”, diz ao Observador este professor da norte-americana National War College, que prestou declarações a título pessoal. Já quanto à questão do Ártico na nova doutrina naval russa, Auerswald diz que “é muito difícil saber as verdadeiras intenções da Rússia relativamente ao Ártico”, mas arrisca uma hipótese: “Os anúncios recentes parecem ser uma continuação da política russa e não uma iniciativa totalmente nova. A Rússia teve de desviar recursos significativos para sul, para o conflito na Ucrânia. Talvez estes anúncios sejam uma forma de compensar as capacidades militares decrescentes a norte.”

Russian President Vladimir Putin visits Franz Joseph Land in Arctic

Vladimir Putin e Dmitry Medvedev na sua viagem ao Ártico em 2017

Getty Images

Esta política de continuidade no Ártico é explicada ao Observador pelo russo Alexander Sergunin: “Já na estratégia naval russa de 2015 o Ártico e o Atlântico Norte eram identificados como regiões onde tem havido aumento de atividades militares da NATO”, afirma o professor da Universidade de São Petersburgo. “Esta doutrina naval mais recente é um reflexo das políticas mais assertivas da NATO na região na sequência deste agravar da crise ucraniana em 2022.”

Logo após o início da invasão à Ucrânia, sete dos oito membros do Conselho do Ártico — que reúne Rússia, Canadá, Estados Unidos, Dinamarca, Noruega, Islândia, Finlândia e Suécia — decidiram suspender a participação russa no órgão. Um primeiro sinal de que a definição da região como uma “zona de paz e cooperação”, como em tempos a definiu Mikhail Gorbachev, pode deixar de fazer sentido.

“A suspensão temporária da Rússia do Conselho do Ártico é um reconhecimento por parte dos poderes ocidentais de que o trabalho do Conselho já não pode ser compartimentalizado e afastado dos desenvolvimentos geopolíticos mais latos”, comenta David Auerswald. “Isto é novo. O Conselho continuou a funcionar depois da anexação russa da Crimeia em 2014, porque se acreditava que a cooperação científica e ambiental era importante e que o Conselho poderia ser um local onde a Rússia podia exercer o hábito da atividade diplomática normal.”

Logo após o início da invasão à Ucrânia, sete dos oito membros do Conselho do Ártico — que reúne Rússia, Canadá, Estados Unidos, Dinamarca, Noruega, Islândia, Finlândia e Suécia — decidiram suspender a participação russa no órgão. Um primeiro sinal que a definição da região como uma “zona de paz e cooperação”, como em tempos a definiu Mikhail Gorbachev, pode deixar de fazer sentido.

Na prática, os restantes países Árticos não se podem dar ao luxo de ignorar a Rússia. É o país que detém a maior área territorial da região, com uma costa ártica que se estende por quase 25 mil quilómetros e uma zona económica exclusiva com mais de dois milhões de quilómetros quadrados de área. Em termos militares, a Frota do Norte é a maior frota russa e o seu quartel-general, na península de Kola, tem depósitos de armamento nuclear. Mas essa mesma militarização pode fazer aumentar o risco na região, num momento em que a tensão na Ucrânia se alastra a outros pontos de globo.

As riquezas geladas do Ártico e a influência da China

E a guerra na Ucrânia começa a ter outros efeitos na região. As sanções aplicadas à Rússia têm levado à diminuição do investimento no Ártico, o que provocou o congelamento de vários projetos, incluindo até na área científica.

Também muitos investimentos económicos russos estão agora em stand by, e isso é dizer muito numa região que se manifesta como um novo El Dorado para muitos países. Com a aceleração das alterações climáticas, o degelo das calotes permite agora a navegação por zonas que antes não eram circuláveis, o que abre rotas comerciais inéditas. Além disso, o Ártico é rico em recursos: 16% de todo o petróleo mundial por explorar está ali, bem como 30% do gás natural. Somam-se a isso minerais raros.

“O Ártico está a aquecer de forma muito mais rápida do que o resto do planeta, o que significa que é agora mais fácil e barato aceder a hidrocarbonetos”, explica o professor Auerswald. “Ao mesmo tempo, porém, as sanções ocidentais tornam extremamente difícil [para] a Rússia continuar a extrair esses recursos em larga escala.” Empresas como a Total, a Exxon Mobil e a BP já cancelaram os projetos que tinham com Moscovo na região.

"A Rússia não está interessada em que a China tenha se torne um ator geopolítico mais relevante na região e vai tentar limitar a sua cooperação com Pequim no Ártico à esfera económica.”
Alexander Sergunin, professor da Universidade de São Petersburgo

Veja-se ainda o caso do projeto Arctic LNG 2, ligado à extração de gás liquefeito (GPL) no Ártico. Com a suspensão da compra de GPL russo por parte de quase toda a União Europeia (a Hungria ficou fora do acordo), a Rússia teve de interromper a construção de um projeto que tem um custo estimado de mais de 20 mil milhões de euros. “A primeira linha de produção do Arctic LNG 2 já está pronta a 98% e provavelmente entra em funcionamento em 2023. Contudo, a principal dona, a Novatek, anunciou recentemente que a construção da segunda e da terceira linhas de produção vai ser adiada por falta de investimento e de tecnologia”, ilustra Sergunin. Isso não significa, porém, a morte do projeto: “A China já é o maior investidor estrangeiro no Arctic LNG e certamente vai aumentar o seu papel neste setor.”

A isso soma-se a dependência russa dos mercados chineses, agora que o mercado europeu se fechou. Mas David Auerswald relembra que a China não tem a poção mágica para resolver todos os problemas económicos de Vladimir Putin: “A China não consegue preencher todo o vazio deixado pelo Ocidente. Dou apenas um exemplo: as linhas de abastecimento que existem atualmente e as planeadas representam apenas uma fração das que existem a ligar a Rússia à Europa.”

Workers Operate Oil Rig

O Ártico tem das maiores reservas de gás natural por explorar em todo o mundo

Corbis via Getty Images

Esta dependência, porém, não agrada a Moscovo. “A China sabe o quão dependente a Rússia se tornou da sua generosidade. E essa relação desequilibrada só vai fazer aumentar o sentimento de insegurança da Rússia”, acrescenta o professor norte-americano. Da Rússia chega a confirmação dessa perceção: “A Rússia não está interessada em que a China se torne um ator geopolítico mais relevante na região e vai tentar limitar a sua cooperação com Pequim no Ártico à esfera económica”, resume Alexander Sergunin.

Ao mesmo tempo, Moscovo tentará jogar com os receios do Ocidente face ao gigante chinês para não perder a sua influência na região. “Se sairmos de Spitsbergen, quem pode substituir-nos? A China, por exemplo”, avisou há uns tempos o cônsul russo Sergei Guschin, usando o nome russo de Svalbard (Spitsbergen), o arquipélago norueguês da discórdia.

NATO e Rússia. Um embate de titãs a Norte?

Este puzzle complexo não deixa ninguém indiferente no Ártico. A Noruega, país a que pertence Svalbard, já há muito que se preocupa com a atuação russa na região. “As Forças Armadas russas modernizaram-se significativamente nos últimos 12 anos”, avisou o ex-ministro da Defesa de Oslo, Frank Bakke-Jensen, no ano passado. “A Rússia consegue agora conduzir operações sobre uma vasta área no Ártico”, o que reduz “a liberdade de movimento da NATO”.

À altura, a Noruega era um dos vários membros do Conselho do Ártico que pertence à NATO, a par dos EUA, Canadá, Dinamarca e Islândia. Um ano e meio depois, porém, a situação é outra. A guerra na Ucrânia levou a Suécia e a Finlândia a pedirem a adesão à Aliança Atlântica, o que muda significativamente o cenário na região: em breve, a Rússia será o único país do Conselho que não pertence à NATO.

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Militares da NATO num dos exercícios militares da Aliança na região

Getty Images

Simbolicamente, é uma grande transformação da geopolítica do Ártico, que pode servir para a Rússia carregar no discurso de que se sente ameaçada pelo avançar das fronteiras da Aliança. Desde o início do conflito na Ucrânia, a NATO reforçou a sua presença no Ártico com uma série de exercícios militares no norte da Noruega, a que deu o nome de Resposta Fria 2022.

Mas, na prática, a mudança é mais cosmética, segundo o professor Sergunin. Apesar de reconhecer que, com a entrada na NATO, a relação da Rússia com a Finlândia e a Suécia “nunca mais será a mesma”, o russo considera que é uma mudança mais de forma do que de conteúdo. “A Suécia e a Finlândia estão alinhadas com o Ocidente há décadas. Ainda antes de se candidatarem à NATO, participaram em exercícios militares e treinos com membros da NATO durante anos. A única coisa que muda é que os dois países comprometem-se agora com o Artigo 5 [‘Um ataque a um membro é um ataque a todos’]”, diz.

"Eles estão a colocar recursos no Ártico que tentam projetar poder. Isso, combinado com a vontade da Rússia de desprezar o Direito Internacional, faz com que os Estados a Norte tenham todo o direito a preocuparem-se."
David Auerswald, professor da National War College

E haverá na verdade o risco de um conflito militar no Ártico? As opiniões dividem-se. Auerswald considera que o risco existe em várias formas, como “uma escalada na Ucrânia, uma invasão militar dos Estados bálticos ou um erro de cálculo durante um exercício militar”, que “inevitavelmente se espalhariam ao Ártico”, devido ao envolvimento da Frota do Norte. Já Sergunin sublinha que nenhuma das partes tem interesse em partir para um conflito na região, incluindo a própria Rússia: “Moscovo não está interessada em meter-se em mais um conflito perto da sua fronteira além do da Ucrânia. Além disso, [a Rússia] entende que agora, no Ártico, está rodeada de países da NATO e qualquer conflito com eles traz riscos de uma escalada militar considerável ou até mesmo uma guerra em larga escala.”

Putin Awards Naval Crew

As intenções militares da Rússia no Ártico não são claras e os especialistas dividem-se

Getty Images

Numa zona militarizada e numa época de tensão, o risco está sempre presente. A forma como se olha para o futuro no Ártico pode, por isso, ser mais ou menos cor-de-rosa. Alexander Sergunin quer manter-se otimista: “É claro que a nova fase da crise ucraniana tem um efeito de alastramento negativo ao Ártico, mas creio que é mais uma interrupção temporária da cooperação na região do que o início de um conflito”, afirma, apontando os problemas comuns que assolam todos os Estados da região, como as alterações climáticas.

Em Washington, porém, o ambiente é de reserva face a uma Rússia que se revelou imprevisível, como resume David Auerswald. “Eles estão a colocar recursos no Ártico que tentam projetar poder. Isso, combinado com a vontade da Rússia de desprezar o Direito Internacional, faz com que os Estados a Norte tenham todo o direito a preocuparem-se. As tentativas de intimidação russa podem escalar para a coerção militar — talvez até para um conflito armado.”

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