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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Auto-elogios, remorsos e alguma mágoa no adeus de Santana ao PSD. A carta nas entrelinhas

Pedro Santana Lopes disse definitivamente adeus ao PSD. Na longa carta aberta aos militantes, aqui descodificada, há despedida e análise política. Há pistas sobre o futuro e remorsos que não passaram.

É um longo olhar sobre o passado, com um orgulho evidente misturado com algum ressentimento, mágoa e a confissão de uma sensação de que o partido nunca esteve lá para ele, como ele esteve para o partido. A carta de Pedro Santana Lopes aos militantes do PSD, que o Observador revelou em primeira mão esta sexta-feira, tem muito da história como ele a tem contado ao longo dos anos.

Leia na íntegra a carta em que Santana se despede dos militantes do PSD

É uma longa missiva de despedida onde faz uma revisão elogiosa do seu próprio percurso e dedicação num PSD que chegou a liderar mas, admite agora, nunca aderiu verdadeiramente às ideias que considera mais emblemáticas: “O PSD gostava muito de ouvir os meus discursos mas ligava pouco às minhas ideias pois, nos momentos decisivos, acabou quase sempre por acolher outras propostas”, escreve Santana.

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Escreve também sobre as vezes em que se sentiu maltratado, sobre decisões erradas, faz elogios a Pedro Passos Coelho e críticas a Rui Rio. E assim, em pouco mais de seis meses, Pedro Santana Lopes passa de candidato à liderança do PSD a provável adversário do partido onde militou durante 40 anos. Na carta, não há referências diretas a nenhum novo partido, mas o próprio confirmou ao Observador que essa é mesmo a sua intenção.

Os excertos da carta de Santana Lopes estão a itálico e a interpretação e o comentário estão a amarelo:

Este é um texto difícil. Falo de uma relação de 40 anos com o PSD, de alegrias e abnegações várias, momentos únicos de realização em que procurei contribuir para consolidar a Democracia, servir os Portugueses e Portugal.

A carta de Santana Lopes começa no mesmo tom que acompanha o resto do longo texto. O PSD deu-lhe "alegrias", mas ele devolveu em "abnegações". O trabalho que fez desde o tempo de Sá Carneiro (claro), o "trabalho e as vitórias" na Figueira da Foz e em Lisboa, e os "fantásticos" anos na Misericórdia de Lisboa. Santana Lopes olha para o contributo que deu ao partido com indisfarçável orgulho e mostra-o várias vezes, incluindo quando explica que não se continua "numa organização política" só porque se alcançaram "vitórias e concretizações extraordinárias". Terá cometido erros nesse percurso? Se acredita nisso, pelo menos na carta aos militantes do PSD não o assume. Incompreendido? Seguramente. Ignorado? Quase sempre. "O PSD nunca quis saber", queixa-se a certa altura. Mas isso, diz também Santana, "não foi por falta de ir à luta", de se "apresentar a votos, de propor caminhos, ideias e propostas alternativas".

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quero sublinhar quatro áreas sobre as quais, ao longo dos anos, muito tenho dito, escrito e, quando é possível, feito: A questão Europeia;  O sistema político; O equilíbrio do território e o combate à desertificação; O crescimento económico e a criação de riqueza; A Inovação, a Investigação e a Cultura.

Basicamente, Santana Lopes apresenta-se como o político que se cansou de falar para o boneco. Logo no início da carta que escreve aos militantes mostra isso mesmo, ao falar das várias vezes em que defendeu caminhos que o partido não quis seguir. Assume-se como um crítico das imposições de Bruxelas desde, pelo menos, 1992, com reservas à Política Agrícola Comum -- o abandono de produtos tradicionais, o "sacríficio da agricultura portuguesa", o abate da frota pesqueira --, das exigências do Tratado de Maastricht e do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Garante insistir "há décadas" no problema da desertificação do interior, quando o resto do país só acordou com os incêndios do ano passado. E sobre o sistema político, tem travado batalhas sobre o poder de dissolução do governo pelo Presidente da República ou pela criação de um Senado. Se o país, e o PSD em particular, estiveram desatentos, Santana lembra que já anda por aí há muito tempo. Tem ideias sobre a Europa, sobre território, sobre o crescimento económico e a criação de riqueza, sobre o sistema político, sobre a inovação, a ciência e a cultura. Ou seja, tem todo um programa político que ninguém quis ouvir, mas que já está pensado há muito.

NICOLAS ASFOURi/AFP/Getty Images

Talvez devesse ter tomado esta decisão há mais tempo. Em 2004, quando destacadíssimos militantes do Partido tudo fizeram para que Jorge Sampaio abolisse a maioria parlamentar legítima e estável por motivos que se «absteve de enunciar». Ou, no ano seguinte, quando o PSD  impediu a recandidatura à Câmara Municipal de Lisboa que conquistáramos, a pulso, à  maioria de esquerda, quatro anos antes.

Santana Lopes nunca há-de digerir a demissão forçada de primeiro-ministro às mãos de Jorge Sampaio. Na carta ao PSD aponta o dedo ao próprio partido ou, mais especificamente, a "destacadíssimos militantes" .Está a falar de Cavaco Silva e de todos os que o apoiavam com vista a uma candidatura a Belém. Santana há muito que defende a tese de que Sampaio estava "empenhado" na candidatura presidencial de Cavaco Silva em 2006 e que, para isso, era mais vantajoso um governo socialista -- na lógica de que os portugueses não punham todos os ovos no mesmo cesto. A isso, juntavam-se os interesses da banca e de alguns empresários "do sistema", e estaria assim montada a teia que o derrubou. Sampaio, claro, tem outra versão da história. Dissolveu o Parlamento por causa dos "sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuíram para o desprestígio do Governo e das instituições em geral". Na biografia publicada no ano passado (o segundo volume sobre a vida de Jorge Sampaio, da autoria de José Pedro Castanheira), Sampaio admitiu mesmo que se "fartou do Santana" por ter posto "o país a deriva". A outra referência que Santana faz aqui, às autárquicas de 2005, quando não pôde candidatar-se a Lisboa, vai direita para Marques Mendes, à época o líder do partido. Uma decisão que, diz Santana Lopes, entregou até hoje o poder da autarquia da capital à esquerda

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Apesar de tudo, não desisti de lutar pelo partido, pelo País. Em 2008, candidatei-me à liderança do PSD. Em entrevista, Manuela Ferreira Leite disse então que não esclarecia qual tinha sido o seu voto nas Legislativas de 2005, comigo na liderança do PSD. Apesar disso, foi eleita. Passado pouco tempo, pediu-me para voltar a disputar a Câmara de Lisboa de que me afastaram três anos antes.

Não é bem a teoria do bebé na incubadora, que chegou a usar quando foi primeiro-ministro, mas Santana quer que fique claro que se sentiu muitas vezes mal-tratado no PSD, sobretudo pelos "irmãos mais velhos". Quer também que fique claro, por outro lado, que deu sempre a outra face e que, apesar de tudo, se disponibilizou para os combates quando o partido precisou dele. Santana joga aqui à defesa, antecipando já as críticas à decisão que tomou. Enumera provas de lealdade em circunstâncias difíceis porque não quer ser visto como um desertor.
Rui Rio, Congresso Nacional do PSD, Pedro Santana Lopes, Pedro Passos Coelho

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Com a sua saída [a de Passos Coelho da liderança do PSD], o quadro passou a ser outro. Tinha de lutar pelo que preconizo há décadas. Por isso, decidi candidatar-me à liderança do PPD/PSD e deixar funções na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Foi uma opção difícil. Se não pudesse estar em questão tudo o que aqui enuncio, teria continuado como Provedor da SCML. Entendi que tinha de ser feita a clarificação. Vinha aí uma estratégia de condescendência para com o PS, para mim, um erro grave.

O ex-líder do PSD coloca na saída de Passos Coelho de cena o ónus da inevitabilidade da sua candidatura. Ao longo da campanha para as eleições diretas de janeiro deste ano, Santana Lopes disse por diversas vezes que não avançaria para a corrida se o ex-primeiro-ministro se tivesse recandidatado. E aqui, neste excerto da carta, volta a confirmar essa tese. No entanto, Passos Coelho deixou mesmo o lugar e, no entender de Santana Lopes, nascia uma nova velha urgência: dois PSD's que iam voltar a estar em confronto internamente. "O PPD às vezes começa a ficar cansado de aturar o PSD", disse numa entrevista à Visão em junho passado, lembrando algo que já tinha proferido em 1990, num jantar na FIL. Esta é a frase que acaba por resumir o dilema que sempre pairou na cabeça do próprio ex-autarca. Um sentimento que em 2017, após o anúncio da retirada de Passos Coelho, voltou a assaltar Santana Lopes. Mais justificada ou menos adequada, certo é que a encruzilhada estava ali outra vez. Depois de uma análise de mais de meio ano, não apenas ao resultado mas ao rumo do partido, as ilações estão retiradas. No fundo, Santana Lopes nunca escondeu esse incómodo, dando azo a que se pudesse especular em torno de uma desvinculação que apenas agora se concretiza, mas também nunca foi explícito quanto ao que iria fazer quanto a isso. Talvez não soubesse. Note-se que em nenhum momento deste excerto se refere, nem de forma indireta, que o seu nome apenas começou a ser avançado depois de Paulo Rangel e Luís Montenegro terem recusado enfrentar Rui Rio. Embora esse dado seja ignorado nesta parte da missiva, a leitura política que Santana Lopes fez desses não-avanços está aqui plasmada: ou era ele a avançar ou ninguém faria frente a Rio e ao seu "grupo maravilha". Tudo menos eles. Assim, e dada a leitura que fez deste 40 anos de relação com o partido, o ex-provedor da SCML encarou esta corrida como se fosse uma espécie de ultimato pessoal, um verdadeiro "ou vai ou racha". Rachou.

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Quero intervir politicamente num espaço em que não se dê liberdade de voto quando se é confrontado com a agenda moral da extrema – esquerda. Em que se defendam os princípios, os valores e tradições da identidade Portuguesa.

Este é um excerto da carta em que Santana Lopes consegue fazer o pleno: revela que quer continuar a intervir na política, num espaço em que possa decidir - neste caso, um partido onde tenha liberdade suficiente para poder decidir se há ou não disciplina de voto; critica o PSD de forma indireta por não permitir liberdade de voto, numa referência que ganha pertinência devido ao recente debate sobre a eutanásia; e ataca a “moral da extrema-esquerda”, que, insinua, está a pôr em causa os ”valores” e a “identidade” do país, sem que exista uma preocupação por defender esses “princípios”. O ex-presidente laranja já tinha assumido que ficava desconfortável quando via o seu partido, em matérias fraturantes, a não assumir uma posição clara, traduzindo essa ausência de orientação na liberdade de voto dada aos deputados. Se o novo partido que Santana Lopes está a criar conseguir eleger deputados nas legislativas, há algo que os parlamentares já vão saber: vai vigorar a disciplina de voto.

Não apago estes 40 anos no PPD-PSD a quem desejo sucesso, a bem da Democracia. Quero contribuir para dar força à alternativa de que Portugal precisa para substituir a maioria de esquerda. Desde 2015, no sistema político português, mal ou bem, não interessa tanto quem é o Partido mais votado, mas antes quem consegue metade mais um voto na Assembleia da República.

Quando a geringonça se formou, em 2015, alguns setores à direita defenderam que era preciso criar mais um partido político para alargar o espaço eleitoral nesse campo ideológico. PSD e CDS podiam falar para públicos diferentes, mas era preciso um partido novo para agarrar os eleitores que escapavam pelos buracos da rede. Sendo mais remota a hipótese de maioria absoluta de um só partido, e deixando de ser importante quem é mais votado para governar, a direita só lá chegaria quando tivesse condições de formar uma "geringonça" em sentido inverso. Santana Lopes parece partilhar dessa tese e diz que quer dar força "à alternativa de que Portugal precisa para substituir a maioria de esquerda. É esse o objetivo do novo partido que Santana diz querer fundar. Não é afrontar PSD e CDS. É conquistar novos eleitores. É preciso "metade mais um voto", lembra, "e é para isso que importa trabalhar"
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