Agora que o Parlamento tomou posse está ultrapassado um dos obstáculos apontados à adoção de uma medida mais musculada para mitigar o aumento da fatura nos combustíveis. Portugal está à espera de uma decisão por parte da Comissão Europeia ao pedido para poder aplicar uma taxa reduzida do IVA aos combustíveis, indicou António Costa à saída do Conselho Europeu extraordinário para analisar medidas para fazer face à escalada dos preços energéticos.
O tema central das discussões (pelo menos para os interesses ibéricos) acabou por ser a introdução de um limite aos preços do gás usados na produção de eletricidade e que marcam o preço final desta energia. E o tema do IVA nos combustíveis ficou para a discussão com Bruxelas da qual o Governo esperar uma aprovação (ou não oposição) para avançar com uma redução extraordinária e temporária da taxa normal.
Mas a solução defendida pelo Executivo de António Costa, para atenuar o impacto do aumento inédito nos preços finais dos combustíveis, não só é isolada no quadro dos parceiros da União Europeia, como não está dentro das ferramentas e exceções consideradas pela Comissão Europeia no menu da resposta à crise energética.
Bruxelas admite reduções fiscais, mas no quadro dos impostos específicos sobre combustíveis, cuja fixação é da tutela nacional dentro de limites, estando aberta a baixas da taxa do IVA mas, apenas, na fatura da eletricidade e do gás natural. Os combustíveis não estão no mesmo campeonato, como se percebe das respostas dadas ao Observador por um porta-voz da Comissão Europeia quando questionado sobre se a flexibilização das ajudas à economia e das respostas à crise energética incluem os combustíveis.
Apesar de reconhecer que o aumento do preço do petróleo é muito notório desde o início da agressão à Ucrânia, “não tem sido tão dramático como os que têm acontecido no gás e na eletricidade. Além disso, e ao contrário do gás e eletricidade, o petróleo e os produtos refinados são matérias-primas transacionadas a nível global”. Quanto à subida dos preços do petróleo, é “um fenómeno global e não representa um fardo específico para as empresas europeias face aos concorrentes internacionais”.
Os serviços de Bruxelas sustentam assim que a situação dos combustíveis “é diferente” da dos mercados do gás e eletricidade, onde a escalada dos preços é significativamente mais severa (na Europa) do que em outras regiões do mundo” — uma parte desta realidade é o resultado da política mais ambiciosa de transição energética que a resposta da Comissão não refere.
Lembrando que a valorização do petróleo já aconteceu no passado, o porta-voz da Comissão assinala que o consumo de produtos petrolíferos está sujeito a elevadas cargas fiscais na maioria dos países europeus, quando comparado com a eletricidade e o gás que representam até mais de metade do preço final. Assim, “os Estados-membros têm a possibilidade de aliviar o efeito dos combustíveis mais caros, ajustando a carga fiscal, seja através de cortes gerais para todos os consumidores, seja via cortes dirigidos a alguns setores (como os aplicados aos transportes), e de acordo com a diretiva dos impostos sobre a energia”.
Este tipo de apoio pode nem sequer constituir uma ajuda de Estado nem estar enquadrado no regime de exceção, não exigindo apoio formal da Comissão Europeia, acrescenta. Medidas gerais de apoio a consumidores de energia também não configuram auxílios públicos.
Diretiva
↓ Mostrar
↑ Esconder
“Os Estados-Membros desejam introduzir ou manter diferentes tipos de impostos sobre os produtos energéticos e a electricidade, devendo para o efeito ser-lhes permitido respeitar os níveis de tributação mínimos comunitários entrando em linha de conta com a totalidade dos impostos indirectos que tenham decidido cobrar (excluindo o IVA)”.
Diretiva dos impostos sobre a energia
Mas a diretiva dos impostos sobre a energia para a qual remete esta resposta exclui expressamente as taxas de IVA, que são da competência de Bruxelas, permitindo apenas aos Estados mexer no imposto específico (o petrolífero) que é aliás o que muitos deles têm feito.
Portugal isolado na baixa do IVA dos combustíveis
Foram já vários os países que aplicaram ou anunciaram medidas mais musculadas para atenuar o impacto da subida do preço dos combustíveis desde que a invasão da Ucrânia se iniciou a 24 de fevereiro. Entre as soluções adotadas estão subsídios do Estado pagos através das gasolineiras e o corte de impostos específicos, o que no caso português seria o imposto sobre os produtos petrolíferos.
No contexto da crise gerada pela guerra na Ucrânia, nenhum governo propôs publicamente a descida da taxa do IVA — pela passagem deste produto da taxa normal para a taxa reduzida — e há até alguns como o irlandês que afirmou publicamente que tal não é permitido pelas regras europeias deste imposto, pelas quais os combustíveis estão na taxa normal (23%) no caso de Portugal.
Em Espanha, o aliado de Costa no Conselho Europeu para a limitação do preço da eletricidade, aprovou esta semana um plano-choque contra o aumento da fatura energética que inclui um subsídio de 20 cêntimos por litro de combustível consumido por todos. O Estado assegura 15 cêntimos e as petrolíferas cobrem os restantes 5 cêntimos. Para o Governo de Pedro Sánchez, baixar o imposto petrolífero não era opção porque o país já pratica os valores mínimos.
Irlanda foi um dos primeiros países a avançar em março com uma descida de 20 cêntimos no imposto sobre a gasolina e de 15 cêntimos no diesel. O alívio fiscal dura até agosto e custará 320 milhões de euros, mas estas baixas do ISP já foram “pulverizadas” pelos aumentos entretanto registados dos preços nas bombas. Um efeito que o Governo português tem invocado para afastar a opção de uma baixa acentuada do ISP que vários partidos da oposição pedem, ainda antes do contexto da guerra da Ucrânia.
França lançou uma iniciativa mais comparável com o autovoucher, mas com duas diferenças: abrange todos os que compram combustível e não está dependente da inscrição numa plataforma e subsidia efetivamente os gastos dos automobilistas com este produto e não qualquer despesa que seja feita numa bomba de gasolina. O desconto de 15 cêntimos por litro é feito pelas gasolineiras junto dos consumidores que depois são compensadas pelo Estado. A medida arranca a 1 de abril com a duração de quatro meses e tem um custo previsto de 2,2 mil milhões de euros.
A Alemanha vai avançar com um corte de 30 cêntimos no imposto da gasolina e de 14 cêntimos no gasóleo até ao patamar mínimo permitido pela União Europeia. Esta redução fiscal temporária durará três meses e custará em perda de receita 7,6 mil milhões de euros, de acordo com um estudo do grupo Transporte e Ambiente.
A Itália também vai reduzir o imposto específico sobre os combustíveis em 25 cêntimos por litro até ao final de abril. O último pacote de resposta à escalada dos preços da energia de Mário Draghi custará mais de quatro mil milhões de euros e será financiado com uma taxa única de 10% aplicada sobre os ganhos extraordinários obtidos pelas empresas de energia nos últimos seis meses.
A Suécia anunciou igualmente uma redução temporária dos impostos sobre os combustíveis que estão entre os mais altos a nível mundial.
A Polónia foi mesmo o único país a baixar o IVA em vários produtos, incluindo os combustíveis, sem esperar pela autorização da Comissão Europeia, numa decisão que até foi anterior à invasão da Ucrânia e aos efeitos extremos que este conflito causou nos mercados energéticos.
Porque quer Portugal baixar o IVA e quanto pode custar (200 a 250 milhões por trimestre)
António Costa defendeu que a variação da taxa do IVA é a chave da solução para fazer face ao aumento do preço dos combustíveis, porque este é um imposto variável — uma percentagem — que aumenta quando aumentam as matérias-primas, ao contrário do que sucede com o ISP que tem um valor fixo. Já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, afirmou que baixar o ISP não garante que a descida do imposto chega ao preço final porque pode ser aproveitado pelas petrolíferas para reforçarem as margens, sobretudo quando as reduções são pouco expressivas como as feitas até agora — a de maior dimensão foi de 2,4 cêntimos por litro no gasóleo — para devolver apenas os ganhos no IVA cobrado.
Há também o risco bem real, e já verificado em outros países como a Irlanda, de o efeito de uma descida do imposto ser rapidamente abafada pelo aumento das matérias-primas. O Estado perde dezenas ou até centenas de milhões de euros, sem que o impacto no preço final seja visível para os consumidores, ainda que exista.
De acordo com um valor médio atual cobrado na semana passada, e tendo como referência as quantidades de combustível vendidas em janeiro, uma descida do IVA da taxa normal de 23% para a intermédia de 13% representaria uma perda de receita bruta da ordem dos 80 milhões de euros por mês. As estimativas feitas oscilam entre os 200 e 250 milhões de euros por trimestre. Mas o impacto líquido seria mais reduzido, porque o IVA cobrado no consumo das empresas é em grande parte reembolsado.
O IVA seria a medida mais eficaz e de maior alcance para ajudar as famílias (em substituição do programa autovoucher), permitindo uma baixa entre 15 e 20 cêntimos por litro. E se é verdade que é uma facada nas receitas fiscais, tem uma grande vantagem em relação a baixar o ISP. Tratando-se de uma decisão que tem de ser temporária e excecional (no quadro do regime do imposto europeu), o regresso à taxa normal seria visto como uma imposição da Comissão Europeia. Já subir o ISP é uma decisão nacional e que já trouxe muitos amargos políticos aos governos de António Costa que ainda hoje são perseguidos pelo aumento de cinco cêntimos por litro aplicado em 2016 e que alguns partidos designam de “adicional de ISP” para exigir a sua devolução.
As conclusões do Conselho Europeu extraordinário referidas por António Costa não mudam a perspetiva da Comissão Europeia sobre em que mercados/setores se devem focar as medidas mais excecionais na energia, uma vez que se focam em ações urgentes para os “preços excessivos da eletricidade” e de forma a evitar a contaminação pelos preços do gás natural, em resposta aliás à argumentação ibérica.
O Conselho Europeu “encarrega o Conselho e a Comissão, com carácter de urgência, de contactar as partes interessadas do setor da energia e de debater se, e de que forma, as opções a curto prazo apresentadas pela Comissão (apoio direto aos consumidores através de vales, reduções de impostos ou através de um modelo agregador/comprador único, auxílios estatais, fiscalidade — impostos especiais de consumo e IVA –, limites máximos de preços, medidas regulamentares como contratos diferenciais) contribuíram para reduzir o preço do gás e combater o seu efeito de contágio nos mercados de eletricidade, tendo em conta as circunstâncias nacionais”.
Questionado diretamente pelo Observador sobre o pedido de Portugal para mexer no IVA dos combustíveis, e já depois do Conselho Europeu extraordinário de sexta-feira, um porta-voz da Comissão Europeia não responde de forma direta, mas deixa algumas pistas.
“Várias opções de medidas de emergência estão a ser consideradas com vista a proporcionar alívio temporário e direcionado para os consumidores finais no curto prazo, autonomia estratégica a médio prazo e descarbonização a longo prazo. Apoios diretos e dirigidos a cidadãos e a empresas podem ajudar os que estão a sofrer com os preços excessivos da energia, sem ter efeitos negativos sobre as perspetivas comuns ambientais e orçamentais dos Estados-membros“. A Comissão reafirma-se disposta a dar orientações aos Estados-membros sobre como podem tirar partido do quadro legal, “incluindo derrogações temporárias específicas para cada país, ao abrigo da diretiva de impostos da energia para evitar distorções do mercado”.
Numa comunicação de 23 de março sobre segurança de abastecimento a preços acessíveis, os serviços da comissão já tinham constatado:
“A maioria dos Estados-membros aplicaram taxas reduzidas ao IVA da eletricidade, gás ou combustível de aquecimento. Todavia, muitas possibilidades, nomeadamente as previstas no enquadramento da diretiva dos impostos sobre a energia, de taxas reduzidas ou isenções não foram completamente exploradas”. Bruxelas está disponível para dar orientações aos países sobre como usar o quadro legal e as derrogações fiscais específicas a nível nacional, mas volta a remeter para a diretiva dos impostos sobre a energia, sublinhando ainda a necessidade de evitar distorções no mercado único.
Nas respostas ao Observador, a Comissão confirma também que o quadro temporário de crise que prevê ajudas a empresas para compensar os encargos adicionais devidos aos preços de energia excecionalmente elevados “não tem em consideração os aumentos no preço do petróleo”. Ainda assim, acrescenta, os Estado-membros estão autorizados a aprovar esquemas de auxílios a empresas afetadas pela crise na agricultura e pescas (35 mil euros) e outras (400 mil euros por companhia) sem que estes montantes estejam relacionados com uma subida dos preços do gás e eletricidade. Este quadro de apoios anunciado na semana passada está em permanente revisão dado os desenvolvimentos nos mercados de energia.