Alguns bancos já estão a oferecer taxas de remuneração mais baixas nos depósitos, um resultado da descida que houve nas últimas semanas nas taxas Euribor – sobretudo no prazo a 12 meses. Um depósito que o Banco Santander comercializa (apenas para os seus clientes de crédito à habitação) pagava no final do ano um juro (bruto) de 3,5%. Com a entrada do novo preçário, a 1 de janeiro, o mesmo depósito já só rende 3,0%. Outro caso: o Montepio pagava uma taxa anual de 2,75% por um depósito a 18 meses que, agora, passou para 2,5%. E, ainda, um terceiro: o “depósito APP” do Millennium BCP tinha um juro de 3,65% (a 90 dias) e, agora, passou para 2,75%.
São apenas alguns casos, para já, na ampla oferta de produtos de depósito a prazo que os bancos estão a comercializar. Mas pode ser o início de uma tendência de descida que está a acontecer a um ritmo mais rápido do que aquele que se verificou na fase em que as Euribor estavam a valorizar, à boleia das sucessivas subidas da taxa de juro pelo Banco Central Europeu (BCE) em 2022/2023.
As mudanças estão nos novos preçários que os bancos estão a tornar públicos nestes primeiros dias de 2024. Questionados pelo Observador, os três bancos que anunciaram redução dos juros em alguns depósitos não quiseram fazer comentários. O maior banco do sistema, a Caixa Geral de Depósitos, porém, ainda não atualizou o seu preçário e continua em vigor o documento que foi lançado em 14 de dezembro.
O Observador questionou, também, o Banco de Portugal, que não respondeu até à publicação deste trabalho.
A banca portuguesa demorou muito mais do que a europeia a começar a subir as taxas de juro e, segundo o Banco de Portugal, mesmo com algumas melhorias a partir do verão, os aforradores portugueses ainda estão a perder muito em relação àquilo que está a ser pago aos clientes bancários no resto da zona euro.
A taxa Euribor (a 3 meses) estava em valores negativos em junho de 2022 – cerca de -0,2% no final desse mês. Um ano depois, em julho de 2023, o mesmo indexante já tinha saltado para mais de 3,7%. No início do verão, os bancos portugueses tinham refletido apenas 40% deste aumento súbito da Euribor naquilo que pagava pelos depósitos. A subida média dos juros dos depósitos acelerou um pouco nos meses seguintes: em setembro de 2023, segundo o Banco de Portugal, 59% dessa subida da Euribor já tinha sido transmitida aos depósitos.
Mas o cenário na zona euro, segundo uma análise recente do Banco de Portugal, é muito mais vantajoso para os clientes. Logo em junho de 2023 já se tinha transmitido aos depósitos 64% do movimento de subida da Euribor, na banca europeia. E, em setembro, esse valor já tinha subido para 74%.
Embora o aumento da remuneração dos depósitos pelos bancos portugueses tenha acelerado mais, no último verão, do que na média europeia, essa maior aceleração partiu de uma base muito mais baixa. E, mesmo com essa aceleração durante o verão, em setembro os bancos portugueses ainda tinham refletido nos depósitos uma proporção menor do aumento da Euribor do que os bancos europeus tinham refletido já em junho.
Bancos ganharam 5 mil milhões em margem, em nove meses
O que explica esta discrepância? Embora o recente relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal invoque outras razões mais técnicas como a situação de liquidez de cada banco, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, também colocou nos clientes o ónus de mudar este cenário. Como? Procurando depósitos mais generosos noutras outras instituições financeiras. Por essa via, os clientes irão pressionar os bancos a subir os juros dos depósitos, sob pena de estes perderem clientes se não acompanharem as melhores ofertas do mercado.
Há uma “enorme inércia e uma pouca ação do lado dos depositantes na renovação das condições dos depósitos”, afirmou Mário Centeno, na apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira. Aliás, Centeno sublinhou que bastaria aproveitar as ofertas que hoje em dia já existem no mercado e isso “permitiria antecipar uma subida mais rápida da taxa de juro dos novos depósitos do que aquela que se verifica” no país.
“No mercado, enquanto consumidores, devemos ser muito ativos na procura de melhores soluções de depósitos“, frisou o governador do Banco de Portugal, garantindo que existe “elevada concorrência” no mercado bancário português – o que é visível, diz Centeno, tanto do lado dos depósitos como nos créditos, basta ver que houve largos milhares de transferências de créditos nos últimos meses, por pessoas que encontraram condições mais favoráveis num banco diferente daquele onde tinham o crédito originalmente.
Sem esse aumento da rentabilidade dos depósitos, a banca portuguesa vai continuar a beneficiar de uma “margem financeira” que, segundo o relatório, é quase o dobro daquela que os bancos europeus estão a ter neste momento. A margem financeira, em termos simples, é a diferença entre os juros que os bancos cobram pelos empréstimos que concedem e, por outro lado, aquilo que os bancos pagam para se financiar (sobretudo através de depósitos de clientes).
Segundo os dados do Relatório de Estabilidade Financeira, que dizem respeito ao primeiro semestre, a margem financeira dos bancos portugueses (em percentagem do ativo) é de 2,58%, ao passo que na zona euro a média é de 1,37%.
A partir de dados que englobam não apenas o primeiro semestre mas os primeiros nove meses do ano, o Observador calculou recentemente que os cinco maiores bancos a operar em Portugal extraíram da economia nacional mais de cinco mil milhões de euros em margem financeira – um valor que apenas diz respeito às operações em Portugal (exclui-se a atividade internacional que alguns têm) e aos três primeiros trimestres do ano.