Nas horas mais difíceis, depois de fechar portas, a 14 de março, Joana Teixeira teve de repensar tudo. Como salvar do abismo um negócio que, até há um mês, prometia mais um crescimento fulgurante de dois dígitos? Pediu aos trabalhadores para irem de férias, avançou para lay off, renegociou rendas, respirou fundo e — talvez a parte mais complicada — tentou reinventar o negócio, com um restaurante online. Como? “Não fazia a mínima ideia”, reconhece a dona do Therapist, uma pequena cadeia de restaurantes terapêuticos, que dá aulas de yoga e meditação e partilha conhecimento sobre alimentação saudável. “De repente, num só dia tive de aprender tudo o que há para aprender sobre lojas online… Mas vamos lá descobrir!”
Tal como Joana Teixeira, o surto de Covid-19, que varreu a economia de forma súbita e violenta, deixou inúmeros empresários em dificuldade, em particular os que gerem negócios de pequena ou média dimensão.
O Observador falou com três desses donos ou gerentes nos setores da restauração, agroalimentar e indústria, para perceber que rumo tomaram. Em comum, uma atividade estável antes desta crise — ou mesmo vibrante, nalguns casos —, e o inevitável choque de frente com as consequências económicas da pandemia.
Agora só online. E se pedir ajuda à concorrência?
À falta de melhor, Joana Teixeira decidiu improvisar e telefonou à concorrência. Os donos do Kitchen Dates, restaurante que procura ser totalmente sustentável, sem usar caixotes de lixo, já tinha uma loja online montada. Porque não pedir ajuda? “Está a haver muita solidariedade entre donos de restaurantes. Eles explicaram-me como é que se fazem as entregas, como é que dividiram esta logística toda”. E, em 24 horas, a Therapist estava pronta a arrancar com encomendas online, embora mais tarde com vários ajustamentos.
Passo seguinte: tratar da logística para entrega ao domicílio. Também aqui a solução foi rápida, porque, “por sorte, o Francisco tem mota e vai fazer entregas”. O Francisco é, tal como o Bruno e o João, um dos três colaboradores que ficaram fora do lay off da Therapist. “São miúdos de 20 e poucos anos, saudáveis, que não vivem com ninguém de risco e que querem trabalhar, não querem estar em casa”.
Ficou, por isso, uma loja em funcionamento no centro de Lisboa para garantir as entregas. Mas que, para já, não permite mais do que um “modo sobrevivência”: “O que vendemos não é suficiente para cobrir os custos. Estamos só à espera que termine o estado de emergência para tentar voltar à normalidade”.
E a normalidade para a Therapist — pelo menos antes da pandemia — era um crescimento a todo o vapor: “Estava a correr bem. Começámos com sete trabalhadores há três anos, estamos agora com 18”, depois de ter aberto um restaurante já este ano na Amadora. “Estávamos a entrar no melhor período do ano — no ano passado, a faturação cresceu 150% de fevereiro para março e este ano estávamos a contar crescer a dois dígitos”, com potenciais contratações em perspetiva para a época alta — quatro estagiários estavam nos primeiros dias de formação. Tiveram de terminar. Abruptamente, como tudo o resto.
Passado já um mês desde que fechou portas, o caminho para reerguer a empresa não tem sido fácil. E começou, logo nesse dia 14 de março, por mais um pedido de ajuda, desta vez aos trabalhadores. Joana Teixeira enviou primeiro um vídeo a explicar os contornos do desastre e visitou de seguida os três restaurantes que tem em Lisboa e na Amadora: “Pedi a quem pudesse tirar férias que tirasse, prometendo que no futuro iríamos tentar compensá-los de alguma maneira, como sempre fizemos até agora”.
Todos os colaboradores aceitaram tirar duas semanas de férias, numa altura em que ainda não eram sequer conhecidas as regras do lay off. “Tenho a sorte de ter equipas muito dedicadas. Eu não obrigo ninguém a fazer nada, apelei ao bom senso e a resposta foi muito positiva”.
A empresária explica que esse pedido só foi possível pela relação de transparência que tem cultivado desde que inaugurou, há três anos, o primeiro restaurante na Lx Factory, no bairro de Alcântara, em Lisboa. Os trabalhadores da empresa têm, por exemplo, acesso às informações de negócio: “Temos um perfil de pessoas a trabalhar connosco que tem outro nível de formação. E eles têm noção do que faturamos, as dificuldades por que passamos e os sucessos que também alcançamos”.
“Não sou perfeita, posso ser injusta algumas vezes, como qualquer gestor, mas tento ser sincera. E fui sincera mais uma vez. É como em qualquer outra relação — se não estiver equilibrada, as pessoas também não vão retribuir. No nosso caso, falei com sinceridade e pedi, a quem pudesse, para pôr férias”. Com a ajuda dos trabalhadores, Joana Teixeira pôde então respirar um pouco. E resolver os problemas seguintes.
Primeiro, renegociou rendas, “apelando ao bom senso dos senhorios”. Duas lojas aceitaram a redução em pelo menos 50%, que vai durar durante o estado de emergência ou até junho. E depois ativou o lay off, já em abril, quando a alteração das regras facilitou o acesso ao regime por pequenas empresas. Perto de 80% dos trabalhadores da Therapist foram para casa com 66% do salário.
Número de empresas com trabalhadores em lay-off aumentou para 82.230
Pelo meio, pôs em marcha a loja online, deu entrada nas principais plataformas de entrega ao domicílio e avançou com pequenas alterações para tentar mitigar os estragos desta crise. É possível, por exemplo, comprar um voucher para comer noutra altura — uma espécie de pedido de empréstimo a clientes habituais; e as consultas sobre nutrição passam a ser dadas à distância. Os workshops é que ficaram pelo caminho, pelo menos para já.
Ao longo das três semanas em que o Observador acompanhou este processo na Therapist, Joana Teixeira foi referindo estar apreensiva porque antevê “um impacto gigantesco na economia se continuarmos todos fechados em casa até final de maio”. “A saúde vem primeiro”, mas a empresária receia a magnitude do impacto social se o isolamento se prolongar durante muito mais tempo.
Ainda assim, diz manter-se positiva: “Ser negativa nunca resolveu nada. Temos de olhar para a frente, andar para a frente. É preciso tentar aguentar, sobreviver a estes tempos, para depois quando isto terminar, seja no fim de maio, seja em que data for… nós continuarmos aqui”.
Biblioterapia. A cura através dos livros já existe numa clínica de Lisboa
As hortaliças à nossa porta, pelas redes sociais
Quando tocaram à campainha, Ana, de 68 anos, interrompeu o filme da Netflix sem imaginar o que por aí vinha — a vizinha do lado, que tem sido especialmente generosa nestes dias de confinamento, quis só saber como estava, oferecendo gentilmente um saco com cebolas, cenouras, couve e tomate acabados de chegar. É que — disse-lhe Lisa — um produtor local começou por estes dias a fazer entregas ao domicílio, em Alcobaça.
A vizinha enviou-lhe então por WhatsApp a lista de hortaliças e frutas disponíveis. E Ana foi ao Facebook entrar em contacto com o produtor. Dois dias depois — numa altura em que as grandes superfícies do concelho ainda não faziam entregas ao domicílio —, recebia também ela dois cabazes com batatas, couve, cenouras e outras hortaliças; e ainda maçãs, peras, bananas e laranjas.
“Estamos a ter muita procura”, revela Pedro Nuno, licenciado em produção agrícola, que aos 28 anos vai gerindo o negócio do avô em Alcobaça. “Isto tem sido através de passa-palavra e os resultados têm sido incríveis, com zero gastos em publicidade”, revela em conversa com o Observador.
Com três trabalhadores a tempo inteiro e dois temporários, a Casa Agrícola Álvaro Marques António canalizava até aqui a produção para mercados, restaurantes, lares, escolas e outras instituições. Mas, com a chegada abrupta da pandemia, teve de encontrar alternativas para compensar a quebra na atividade.
A ideia “surgiu numa conversa banal”: “Vimos que estávamos a perder clientes, tivemos de arranjar novos. Muitos deles até já iam aos mercados comprar os nossos produtos, mas, com estas restrições todas, tivemos de ir ao encontro das pessoas para rentabilizar o negócio”.
Só que está muito longe de chegar. “Arrisco-me a dizer que tivemos cerca de 70% de redução nas vendas”, enquanto o novo nicho de negócio, apesar de ter cada vez mais clientes, “compensa em apenas uns 10%”, lamenta. É que as instituições e os restaurantes “encomendavam em grande escala” e agora “estamos a falar de quilos e meios quilos”.
“Temos salários, impostos, muitas plantações já feitas a contar com o ritmo de trabalho que iríamos ter”, lembra o produtor. “Estávamos a trabalhar certinho, com um bom ritmo de trabalho e de produção”. Mas o vírus virou tudo do avesso. “Graças a Deus, trabalho não nos falta, porque o que produzimos só vamos colher daqui a três meses”. Mas, “se calhar, daqui a três meses podemos estar em maus lençóis… Não sabemos”.
Pode a lavandaria industrial tratar da roupa lá de casa?
Inês Vaz Pinto arregaçou as mangas quando a mãe pediu que todos lá em casa dessem ideias para driblar a crise. “É bola para a frente, que isto não vai ficar parado! Vamos arranjar soluções”, conta ao Observador. E assim foi. Inês, a mais nova de quatro irmãos, sentou-se ao computador e fez um panfleto. “Estive aí uma hora no Word, nada de difícil.”
“Chamo-me Inês, tenho 18 anos e devido à pandemia da Covid-19 o negócio do meu pai está a ser afetado”, escreveu, prometendo uma lavagem de roupa “que garanta desinfeção, segurança e qualidade”.
O pai, Lourenço Vaz Pinto, gere a Lavandaria de Cascais, que trabalha essencialmente com hotéis em Lisboa. E, como o turismo deu uma queda com estrondo, o negócio da lavandaria — industrial, 24 horas por dia, com 33 trabalhadores e “bons clientes” — teve de parar por completo.
“Nós somos daquelas empresas em que, de um dia para o outro, o mundo acabou”, diz Lourenço Vaz Pinto. “De um dia para o outro deixei de ter receitas. Pararam abruptamente naquele dia. Portanto, aderi ao lay off e estou a tentar apoios financeiros junto da banca”, integrados no pacote de ajudas do Governo. O gestor quer “hibernar a empresa, se for caso disso, manter os postos de trabalho e manter o negócio”.
Mas não está fácil, lamentando que haja “muitas dificuldades” em relação aos apoios do Estado: “Uma coisa é a retórica política. Outra é uma empresa que tem 33 empregados e que no final do mês tem de lhes pagar qualquer coisa porque não quer deixá-los de bolsos vazios”.
Para já, as únicas receitas que consegue obter decorrem das faturas emitidas nos primeiros dois meses do ano. Outras empresas, lamenta, “vão adiando” os pagamentos. Um fenómeno “expectável para quem anda nisto há muitos anos” e que, a juntar ao resto, “tem efeitos desastrosos”.
“O meu pai falava disto porque os problemas dele são os nossos também”, conta Inês. Depois do apelo da mãe, espalhou uma mensagem no Instagram para conseguir números de grupos de WhatsApp “com tios, pais e amigos” dos amigos. Recebeu “25 ou 30 mensagens” com esses números. E começou a distribuir o panfleto digital.
“Nesta altura difícil, e porque os hotéis estão praticamente fechados, qualquer ideia para o negócio do meu pai não tomar um rumo mais sombrio, ou mesmo desastroso, é bem-vinda e incentivada cá em casa!!”, lê-se no panfleto. “Por isso venho apelar à vossa ajuda!” A mensagem, dirigida a quem viva em Lisboa ou em Cascais, promete uma “lavagem de qualidade” de “toalhas de mesa, roupa de cama, toalhas de banho, guardanapos de pano”.
Lourenço Vaz Pinto acredita que é uma “ideia boa, que deve ser testada”. Só que há um pequeno grande problema: “O negócio é industrial, pesado, porque as máquinas de lavar que eu tenho não são as máquinas de lavar domésticas, requerem muita carga”.
O gestor procura, por isso, reunir mais informação e mais respostas para perceber se é possível adaptar a atividade a este tipo de segmento, porque, apesar de já terem recebido “feedback positivo”, ainda estão no início. Em todo o caso, que não haja ilusões: “Pode mitigar, mas não pode fazer muito mais do que isso”.
Está, portanto, fora da equação desistir do segmento industrial ligado à hotelaria. As previsões para o andamento do turismo em Portugal, e no resto do mundo, são sombrias, mas “o turismo não vai desaparecer”: “Estou convencido de que vai retomar”, embora “de forma mais faseada”.
“Se e quando houver o primeiro turco ou o primeiro lençol para lavar de um hotel, eu tenho de lá estar para recolher, lavar e entregar”, diz o gestor, porque “as empresas também não podem de repente mudar o rumo da sua atividade e deixar pendurados os clientes antigos”.
Inês não consegue estar pessimista.
— Eu, ao contrário do meu pai — é o que o meu pai diz — sou muito positiva e o meu pai é muito negativo.
— Não. Nada do que eu disse até agora foi negativo, atenção! Há-de concordar comigo…
Inês ri-se.
— Mas, pronto, o meu pai diz sempre: “Quando eu estou assim, oh Inês, vou dizer-lhe: quando você me diz essas coisas eu até acho que estou ser dramático…”. Mas eu sou sempre muito positiva, não sei se também devido à ingenuidade da minha idade, mas acho que vai ficar tudo bem. Eu espero que vá ficar tudo bem. Não sabemos quanto tempo vai demorar, é verdade… Mas tenho a certeza que vai tudo voltar ao normal.