Os dados quantitativos da trajetória de referência da Comissão Europeia que cada país tem de cumprir, apresentando o seu mapa para cumprir reformas e investimentos, no âmbito do novo quadro de governação orçamental europeu, vão ficar entre Bruxelas e os governos nacionais, nesta fase do processo.
Vladis Drombvoskis, comissário europeia e vice-presidente da Comissão Europeia, indicou na conferência de imprensa sobre o semestre europeu que os países têm mais margem de manobra com os planos de médio prazo (que têm de apresentar até 20 de setembro) em que são os Estados-membros que determinam as medidas. Mas há um processo negocial com Bruxelas que esta semana vai indicar as propostas de trajetórias de referência. “Não vão ser tornadas públicas para que haja espaço de debate entre a Comissão Europeia e os Estados-membros”, indicou. Para já emitiu recomendações qualitativas no Pacote público de Primavera do Semestre Europeu, adiando para o outono as decisões para os países que não cumpram as metas das regras orçamentais europeias — que apesar da alteração ao quadro de governação se mantiveram nos 3% para o défice e 60% para a dívida pública.
Paolo Gentiloni, comissário europeu para Assuntos Económicos, pôs água na fervura, dizendo que Bruxelas traça uma trajetória de referência mas que há um trabalho muito grande por parte da Comissão Europeia e dos países: “não é como se tudo estivesse decidido e estivesse em segredo entre nós”.
No âmbito das novas regras, cada país tem de fazer chegar um plano de médio prazo com medidas na despesa pública para quatro anos além de compromissos para reformas e para investimentos. Quatro anos que podem ser prolongados até aos sete anos. O que é especialmente importante para países que tenham procedimentos por défices excessivos abertos.
Aliás, esta quarta-feira, Bruxelas avançou com o início da abertura do procedimento por défices excessivos à Bélgica, França, Itália, Hungria, Malta, Polónia e Eslováquia. O processo foi iniciado para estes sete países, ainda que haja um total de 12 países a ultrapassar os limites, incluindo Espanha que assim se safaram, para já, do procedimento.
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França consta deste rol, o que, aliás, tem motivo grandes questões em Bruxelas, já que antes o país também ultrapassou, por diversas vezes, o limite para o défice mas conseguiu a benevolência da Comissão Europeia, escapando a sanções. E, por isso, esta quarta-feira o tema foi trazido na conferência de imprensa recordando-se até as palavras do ex-presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a quem é atribuída a justificação de França nunca ter sido sancionada: “porque é a França”.
Dombrovskis e Gentiloni realçaram que as regras dos tratados são para ser cumpridas. “Baseamo-nos em factos e não na dimensão dos estados-membros”, salientou o vice-presidente, ainda que deixasse uma mensagem de tranquilidade, lembrando que apesar do procedimento, França foi retirada da lista de países com desequilíbrios macroeconómicos — tal como aliás Portugal, o que acontece pela primeira vez em pelo menos uma década. E isto significa que “a sustentabilidade orçamental vai ser fiscalizada no âmbito das novas regras orçamentais”, mas deixou de ficar sob vigilância no âmbito do semestre europeu.
França será um caso mais complicado. E Gentiloni recusa associar estas decisões ao crescimento da extrema-direita. Ainda que possa vir a ser com Marine le Pen que o país tenha de negociar com Bruxelas as medidas. França vai ter eleições legislativas a 30 de junho e 7 de julho.
As correções para esses défices excessivos também serão apresentadas no outono, sendo certo que França terá de corrigir a trajetória, fazendo um ajustamento orçamental mínimo de 0,5% do PIB e têm um período alargado para implementar soluções. Gentiloni recusa falar de austeridade. Prefere falar em regras orçamentais e prudência.
Portugal deixou de estar em desequilíbrio macroeconómico, mas os avisos continuam sobre as reformas que são, no entender de Bruxelas, necessárias. Sair desta lista é sinal de que o caminho está a ser o correto e a Comissão Europeia indica que houve vários fatores a contribuir para essa decisão, desde logo o facto de Portugal ter tido excedente orçamental, mas também a trajetória de corte da dívida pública, que em 2023 ficou abaixo dos 100%.
Bruxelas, nas suas projeções, aponta para um crescimento de 1,7% este ano e de 1,9% em 2025, e vê Portugal continuar no excedente orçamental (em 0,4% este ano e 0,5% em 2025). E um rácio da dívida pública de 95,6% em 2024 e 91,6% em 2025.
Acelerar PRR, investir mais na água e acautelar rede elétrica para renováveis
O PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) é um dos principais focos da Comissão Europeia nesta abordagem ao semestre europeu. E tanto no relatório, como na conferência de imprensa, Bruxelas foi clara na recomendação para que Portugal acelere a implementação do plano.
“Está em andamento, no entanto a sua concretização atempada requer um aumento dos esforços”, realça a Comissão Europeia, que realça que “o tamanho e a complexidade do plano, e os desafios relacionados com a capacidade de absorção, necessita que se acelere os investimentos e que se enderece os atrasos ao mesmo tempo que se reforça a capacidade administrativa para garantir que as reformas e os investimentos são concluídos a tempo”.
Os investimentos, em particular, realça a Comissão, estão muito concentrados no final do período de implementação, o que requer atenção especial. “Enquanto Portugal está a tomar medidas para endereçar a falta de capacidade administrativa, os desafios mantêm-se em particular para conseguir terminar durante o período de vigência do PRR os grandes investimentos de infraestruturas”.
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“Os desafios passam pelas regras de contratação pública e morosos processos de licenciamento que afetam os grandes projetos de investimento”, sistematiza Bruxelas.
Os alertas são consentâneos com os elogios ao plano de recuperação. Segundo Bruxelas, sob o PRR Portugal lançou “importantes medidas de política as quais se espera que melhorem a competitividade do país. Em particular, as maiores reformas previstas no PRR em áreas como o ambiente empresarial, as compras públicas, e a capitalização de empresas não financeiras. Portugal fez também investimentos significativos em investigação e inovação, educação, competências, eficiência energética de edifícios e transição digital de empresas e serviços públicos”, destaca a Comissão.
Reforçar a capacidade administrativa para gerir os fundos europeus, acelerar os investimentos e manter a implementação das reformas são as três grandes recomendações.
Os fundos de coesão são também alvo da Comissão Europeia que faz os mesmos alertas relativamente à aplicação de fundos europeus.
Um dos setores que enfrenta um dos grandes desafios em Portugal, diz Bruxelas, é a gestão de água, onde as sugestões são desde a governação dos sistemas ao acréscimo de investimentos para enfrentar os desafios climáticos e diminuir ruturas no sistema de água. Aliás, Bruxelas considera que Portugal “é particularmente vulnerável às mudanças climáticas, que ameaçam a biodiversidade e a disponibilidade de água”.
A transição verde, acrescenta Bruxelas, “é dificultada por fragilidades na rede elétrica”, onde diz serem necessárias melhorias. Enquanto medidas legislativas estão a ser introduzidas para acelerar o licenciamento de renováveis, Portugal “enfrente desafios, no curto prazo, na capacidade da rede para acomodar o aumento das renováveis”. “Revisitar os planos para as redes de transmissão e distribuição ajudará a acelerar a integração das renováveis em linha com os compromissos nacionais para a energia e climáticos e os compromissos de interconexão com Espanha e França. “Além disso, os desafios logísticos, a escassez de componentes e a menor rentabilidade prejudicaram os projetos renováveis, levando a atrasos na implementação, nomeadamente no solar”, pelo que “é essencial agilizar os procedimentos para a ligação, aumentar a transparência da ligação à rede e fornecer um planeamento claro dos leilões a longo prazo”. E não há dúvida para Bruxelas que Portugal beneficiaria de mais investimento na rede elétrica, “incluindo investimentos na modernização das linhas existentes e na promoção da flexibilidade do sistema com soluções como armazenamento, implementação de contadores inteligentes, incentivos ao consumo fora das horas de ponta, e mecanismos de resposta do lado da procura”.
São as grandes recomendações para 2024 e 2025, acrescentando Bruxelas a necessidade de submeter o plano de médio prazo dentro do prazo, e em linha com o programa de estabilidade, tendo em conta uma limitação na despesa para que a dívida continue na trajetória de descida e respeitando o limite de 3% para o défice orçamental. A Comissão volta a sugerir a Portugal que ponha fim às medidas de ajuda na energia, que melhore o sistema de impostos (reduzindo os benefícios fiscais e reduzindo a complexidade fiscal, alertando para a falta de pessoal na administração fiscal — como o faz aliás em relação aos ensino) e que tome medidas para garantir a sustentabilidade do sistema de pensões.
Os riscos para a dívida
Se Portugal respeita a meta em relação ao saldo orçamental (limite de 3% de défice), não cumpre a relacionada com a dívida pública. Está abaixo de 100%, mas ainda longe dos 60%. O caminho parece no entanto ser o de descida, de acordo com as projeções da Comissão Europeia que atribui uma probabilidade de apenas 20% à da dívida em 2028 ser superior à registada em 2023.
A Comissão Europeia além destes fatores como o envelhecimento da população antecipa que Portugal terá de considerar fatores adicionais de risco para a sua dívida. Como o reequilíbrio financeiro com PPP e as vulnerabilidades em alguns setores públicos, além da posição de investimento internacional negativa. Há fatores que mitigam estes riscos, como uma almofada financeira confortável, a estrutura da maturidade da dívida, estabilidade relativa das fontes de financiamento e o facto de a maior parte da dívida estar em euros.