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(Este artigo foi inicialmente publicado em julho de 2022. É atualizado agora após a morte de Isabel II esta quinta-feira, 8 de setembro de 2022)
Em 1992 a rainha Isabel II rotulou aqueles 12 meses como “annus horribilis”, num discurso que se tornou famoso pelo desabafo de quem segue à risca a regra não escrita da monarquia “never complain, never explain” (“nunca se queixar, nunca explicar”). Passados 30 anos, a prova de que a casa real afinal mudou e muito é que a nora da rainha, uma mulher divorciada que teve um caso extra-conjugal com o herdeiro do trono, está a viver precisamente o oposto.
2022 ainda vai a meio e Camilla acumula motivos para celebrar. O facto de completar 75 anos a 17 de julho colocou os holofotes ainda mais sobre si e a história da figura que passou de controversa a amada continua a acumular capítulos. Camilla é a primeira mulher divorciada a casar com o herdeiro do trono, é uma sobrevivente dos tablóides, uma futura rainha consorte com vida e família própria fora do contexto da família real e é ainda uma mulher com uma personalidade muito forte.
Aos 75 anos, Camilla “aceita-se como é”
“Deixo-os vir e ir. Quero dizer, ficaria feliz de atrasar o relógio”, confessa a duquesa da Cornualha à revista Vogue sobre a passagem dos aniversários, e acrescenta que já não lhes liga muito. Foi precisamente a propósito do seu 75º aniversário que Camilla teve a sua estreia na Vogue britânica, no número de julho, com uma entrevista e uma sessão fotográfica. Camilla conta que a sua mãe morreu com 72 anos e que, assim, já a ultrapassou na idade, “o que é algo estranho”. E quanto à pergunta se há coisas boas nos setentas, responde: “Bem, acho que não se pode fazer muito mais sobre si mesma”. “Fez-se o que se podia. Acho que apenas se aceita o que se é. Uma pessoa com 75 anos”.
Camilla Rosemary Shand nasceu a 17 de julho de 1947 em Londres, filha do major Bruce Shand, um oficial do exército que viria a tornar-se empresário, e a honorável Rosalind Maud Shand. É também a mais velha de três irmãos, Annabel Elliot e Mark Shand (que morreu em 2014). Estudou na Mon Fertile School na Suíça e no Instituto Britânico em Paris, onde se dedicou à literatura francesa. Em 1965 foi debutante num universo restrito onde também circulava a realeza, mas só cinco anos mais tarde se daria o encontro com Carlos que a poria na mira da comunicação social e da opinião pública durante anos. Hoje, a duquesa confessa à revista que foi difícil viver exposta a tanto escrutínio e críticas durante tanto tempo, mas acabou por se adaptar porque diz que é preciso prosseguir com a vida.
Antes de casar com o príncipe Carlos, Camilla tinha fama de ser preguiçosa porque nunca tinha trabalhado, mas, afinal, o seu primeiro casamento foi noutra época e a verdade é que, depois de se juntar à família real, tem trabalhado muito. Cada vez mais. E adora o que faz. É presidente e patrona de cerca de 100 entidades e abraçou uma série de causas às quais se dedica, da violência doméstica e sexual, aos animais, saúde, artes e letras.
Camilla adora ler. Durante um dos confinamentos impostos pela pandemia de Covid-19 lançou um clube de leitura online. Chama-se “TheDuchessofCornwall’s ReadingRoom”, tem site próprio e também pode ser seguido através do Instagram (já conta com mais de 140 mil seguidores). Partilha sugestões e desafia convidados. Conta que no início nem sabia o que era esta rede social e agora reúne uma comunidade de várias partes do mundo, tanto recebe mensagens da Papua Nova Guiné como do Chile, segundo contou à Vogue.
Nesta histórica entrevista a duquesa fez algumas confissões em relação à sua vida pessoal, como por exemplo, que gosta de mimar os netos e que não vai furar as orelhas por muito que as netas a tentem convencer a tal. Camilla gosta de moda, mas há uma cor que não veste e até tem um nome para ela: “malva menopausa”. Quem a ajuda com o seu guarda-roupa é Jacqui Meakin, uma conhecedora dos corredores e protocolos reais uma vez que também vestia a rainha mãe.
O tempo que tem só para si, goza-o a fazer jardinagem, a caminhar ou a ler os seus livros, tudo isto de preferência no campo “onde se pode, geralmente, relaxar e pensar apropriadamente.” E foi esta paixão pela vida entre a Natureza que levou a Country Life a convidá-la para editar uma revista do mês de julho. Camilla quis que fosse a nora, Kate, a fotografá-la para a capa e as imagens foram captadas no jardim de Ray Mill, a sua casa pessoal em Wiltshire, no campo. O gosto por animais também é um traço bem conhecido da duquesa, além de cavalos também gosta de cães e adotou dois Jack Russell terriers, Beth e Bluebell, na associação sem fins lucrativos londrina Battersea Dogs and Cats Home, da qual é patrona.
2022, um ano de celebrações
O ano de 2022 adivinhava-se de festa para a monarquia, uma vez que se preparavam grandes celebrações para o Jubileu de Platina de Isabel II. A data assinalou-se a 6 de fevereiro (dia em que o rei morreu e o trono passou para a filha) e, entre fotografias e homenagens, a rainha divulgou uma carta onde expressou o seu desejo de ver Camilla coroada como rainha consorte, quando Carlos for rei. “É meu desejo sincero que, quando a altura chegar, Camilla seja reconhecida como rainha consorte”. Para o público que segue atentamente os assuntos da realeza, a notícia deu que falar.
As grandes comemorações dos 70 anos da rainha no trono britânico estavam, contudo, reservadas para um fim de semana de quatro dias em festa no início de junho. Entre os dias 2 e 5, as homenagens a Isabel II confundiram-se com orgulho nacional e percorreram todo o país e Camilla lá esteve, sempre presente e em destaque. Até quando a rainha encerrou as festividades com uma aparição na varanda do Palácio de Buckingham, fazendo-se acompanhar apenas pelos seus herdeiros diretos na linha de sucessão, o príncipe Carlos, com a duquesa da Cornualha, e pelos Cambridge: William, Kate e os seus três filhos, George, Charlotte e Louis. A mensagem de continuidade foi clara e Camilla está, sem dúvida, nos planos de futuro da monarquia.
Apenas uns dias mais tarde, Camilla voltou a ser protagonista numa cerimónia de grande relevância. No dia 13 de junho passou a ser Royal Lady of the Most Noble Order of the Garter. A Ordem da Jarreteira é a mais elevada ordem de cavalaria do sistema de honras britânico, dedicada à imagem e às armas de São Jorge, o padroeiro da Inglaterra. Foi fundada em 1348 por Eduardo II, as nomeações cabem apenas ao soberano (atualmente a Isabel II) e são, por regra, em reconhecimento de uma contribuição nacional ou serviço prestado ao monarca. “Creio que é a minha cerimónia preferida, porque tem o cenário do Castelo de Windsor e a cor e a pompa”, disse a duquesa à Vogue.
Em maio, o príncipe Carlos e o príncipe William (o seu filho mais velho e segundo na linha de sucessão), abriram juntos a nova sessão do Parlamento britânico em nome da rainha, enquanto conselheiros de estado. Coube ao príncipe herdeiro a responsabilidade de ler o Discurso da Rainha, o momento foi inédito pois nunca antes um outro membro da família real o tinha feito e Camilla também esteve presente na cerimónia, ao lado do marido.
Uma história de amor com 50 anos
O príncipe Carlos e Camilla conheceram-se em 1970 num jogo de pólo. Ela aproximou-se dele e apresentou-se assim: “A minha bisavó foi amante do seu bisavô, então que tal?”. Ele ficou surpreendido e também apaixonado, mas este amor à primeira vista não foi suficiente para os unir na época. Ambos casaram com outras pessoas.
Em 1971 Carlos ingressou na Marinha Real Britânica e Camilla casou-se a 4 de julho de 1973 com Andrew Parker Bowles. A cerimónia foi religiosa e teve lugar em Londres. Camilla usou uma tiara que se acredita ser da sua família (herdada da avó materna, Sonia Rosemary Cubitt, baronesa Ashcombe) e que também foi usada pela filha, Laura, quando se casou em 2006. Juntos tiveram dois filhos, Thomas Henry (que é crítico gastronómico) e Laura Rose, mas o divórcio acabou por acontecer em 1995. Destes dois filhos, Camilla é, atualmente, avó de cinco netos que têm entre 12 e 14 anos. Carlos casou-se com lady Diana Spencer a 29 de julho de 1981 numa celebração vista por 750 milhões de pessoas por todo o mundo, que dispensa apresentações.
A história que aconteceu depois já é conhecida. O casamento dos príncipes de Gales foi infeliz, em dezembro de 1992 foi anunciada a sua separação e o divórcio aconteceria em agosto de 1996. Pelo meio houve vários episódios daquilo que viria a ser uma saga “Carlos e Camilla”. Apesar de formarem as suas próprias famílias, nunca se afastaram.
Em 1992 foram tornadas públicas conversas telefónicas entre Carlos e Camilla que provavam a existência de uma relação íntima entre ambos e o escândalo ficou conhecido como Camillagate. Em 1994 o herdeiro do trono viria a admitir a sua infidelidade numa entrevista televisiva. No ano seguinte foi a vez de Diana contar a sua versão da história no programa Panorama da BBC, uma entrevista a Martin Bashir que ainda continua a dar que falar e no qual disse a famosa frase: “Éramos três neste casamento, por isso havia demasiada gente”.
Carlos e Camilla. 15 anos de casamento e meio século de um romance escandaloso
Em julho de 1997, Diana passava férias com os filhos em St. Tropez a convite de Mohamed al Fayed. A eles juntou-se também Dodi e acendeu-se o romance que viria a aquecer as notícias no verão desse ano. Na mesma altura, o príncipe Carlos ofereceu a Camilla uma festa de 50º aniversário na sua propriedade de Highgrove. O amor entre ambos continuava, mas parecia condenado à discrição. A 31 de agosto desse ano, Diana, a estrela que os media adoravam e que continuava a brilhar mesmo fora da família real, morreu num acidente de automóvel. O mundo ficou em choque e muito haveria de mudar.
Em busca do final feliz
A 10 de fevereiro de 2005, o príncipe Carlos e a sua amada de longa data anunciaram o seu noivado. Apareceram juntos num evento de solidariedade no Castelo de Windsor. Camilla confirmou que o seu noivo fez o pedido de joelho no chão e mostrou o anel de noivado com diamantes, uma joia da família de Carlos que a avó, a rainha mãe, já tinha sido vista a usar. O casamento estava marcado para dia 8 de abril desse ano, mas a presença do príncipe no funeral do papa João Paulo II obrigou a um adiamento para o dia seguinte.
Desde o desaparecimento de Diana, “Camilla foi discretamente reabilitada enquanto companheira e consorte, em vez de amante”, pode ler-se num artigo do Sunday Times publicado no dia a seguir ao anúncio do noivado. Em 1999 Carlos e Camilla fizeram a sua primeira aparição pública juntos à saída de um aniversário no hotel Ritz, em Londres, o primeiro compromisso público da companheira do herdeiro foi em 2002, em Edimburgo, e o facto de em 2004 aparecer nas contas oficiais do príncipe foi a confirmação de que tinha o seu próprio escritório em Clarence House. O jornal fez o registo destes momentos num longo percurso de introdução da noiva real na vida da monarquia, para concluir: “Cada passo em direção ao casamento foi pequeno e imaculadamente coreografado, uma campanha que tornaria Carlos mais popular e Camilla mais aceitável.”
A 9 de abril de 2005 o príncipe Carlos e Camilla casaram-se. Primeiro numa cerimónia civil no edifício da Câmara Municipal de Windsor. Depois houve um serviço religioso na capela do Castelo de Windsor e a rainha ofereceu uma receção no castelo. Em ambas as ocasiões a noiva vestiu criações da dupla de designers Robinson Valentine (composta por Anna Valentine e Antonia Robinson) e usou na cabeça adornos assinados por Philip Treacy. Na cerimónia civil Camilla usou um conjunto de casaco em seda sobre um vestido em chiffon, tudo em tom ostra, segundo a Vogue britânica. Na cerimónia religiosa a noiva apostou na mesma fórmula, mas em versão longa e no rebuscado tom de “azul porcelana”. No casaco sobressaíam bordados à mão em cinco diferentes fios de ouro e com desenho inspirado numa joia da mãe da noiva. A cabeça foi coroada com uma peça em penas e cristais Swarovski da autoria do mestre chapeleiro britânico.
A nova duquesa não usou uma tiara na cabeça, como manda a tradição das noivas reais, mas escolheu uma outra joia com significado e história. Na lapela do seu casaco estava uma discreta pregadeira em forma de flor de lis em diamantes que foi oferecida à bisavó de Camilla, Alice Kepper, pelo seu amante, o rei Eduardo VII e bisavô do príncipe Carlos. Conta a publicação que o noivo comprou a joia por 15 mil libras (mais de 17 mil euros) para a oferecer à sua noiva.
O que o futuro ainda reserva
“Às vezes é como navios a cruzarem-se à noite, mas sentamo-nos sempre juntos para tomar chá e discutir o dia. Temos um momento.” A duquesa da Cornualha contou à Vogue que é difícil arranjar tempo para o casamento entre tantos compromissos, mas há sempre uma altura do dia em que se encontram. Partilhou ainda que quando viajam juntos gosta de estar com o marido na mesma sala, cada um a ler o seu livro no seu canto: “É muito relaxante, porque sabes que não tens de fazer conversa. Apenas estamos sentados juntos.”
Carlos e Camilla têm hoje a vida de casal que há muitos anos queriam. Para Tina Brown, Camilla será a chave dos primeiros sucessos de Carlos enquanto este for rei, uma vez que a duquesa “melhorou muito Carlos porque é charmosa, graciosa, discreta, não se queixa e sabe que a popularidade na realeza precisa de ser conquistada com trabalho árduo”, diz em entrevista ao Sunday Times. E acredita ainda que a duquesa será muito popular. Não tanto como Diana, claro, mas acrescenta que Carlos também não será tão amado como a rainha, contudo “eles encontrarão uma forma diferente de ganhar o afeto do povo britânico”. Brown conclui que Carlos será “um monarca de transição” a quem caberá fazer as mudanças difíceis necessárias. “Ele tem de preparar o terreno para William — pôr a monarquia em forma, modernizar o que precisa ser modernizado e repensar o seu papel para que William possa liderá-la em segurança para um novo, longo capítulo”.
Com o casamento Camilla passou a ser duquesa da Cornualha, membro destacado da família real e mulher do futuro rei. Durante anos o facto de que Camilla nunca seria rainha foi considerado inabalável, até que em 2022 a rainha reorganizou os planos para o futuro.
Tina Brown, que escreveu a biografia “The Diana Chronicles”, afirma que Diana teria detestado a ideia de Camilla ser rainha, mas passados 25 anos da morte da princesa de Gales a realidade mudou muito. Agora, a jornalista, editora e autora conta a história deste mais recente quarto de século na família real britânica no seu novo livro “The Palace Papers – Inside the House of Windsor, the Truth and the Turmoil” (editora Penguin). “William aceitou Camilla nos termos do que ela significa para o seu pai. Ele tem sido adulto em relação a isso”, contudo “Harry, por outro lado, não suporta Camilla, não quer que Camilla seja rainha, está muito zangado por isso estar a acontecer. Não fez as pazes com esta situação e provavelmente nunca fará”, partilha a autora em entrevista ao jornal Telegraph.
Apesar da linha de sucessão à rainha contar com três figuras masculinas, Tina Brown usa os seus conhecimentos de décadas a acompanhar a família real e o seu olhar observador e crítico para apontar as mulheres como as salvadoras da monarquia, com destaque para Camilla e Kate pelo longo percurso que ambas percorreram até chegarem aos papéis que têm hoje. E ambas têm funções ainda mais relevantes reservadas para o futuro.