O Governo deve “revisitar” a legislação aprovada em 2020, no tempo de António Costa, que limitou as comissões que podem ser cobradas no MB Way mas apenas acautela as transferências com base em cartões. O alerta é feito pela Caixa Geral de Depósitos, numa declaração feita por fonte oficial ao Observador, e surge depois de a Deco ter avisado que, agora que a SIBS se prepara para passar para um modelo de transferências com base em contas, os portugueses podem ser surpreendidos com a cobrança de comissões pesadas neste serviço.

A funcionalidade “enviar dinheiro”, a mais usada pelos utilizadores do MB Way, vai passar a ser baseada no “modelo europeu de Transferências Imediatas por conta, denominado SEPA Inst” – uma alteração que a SIBS está a fazer para poder vir a “exportar” o sistema MB Way para outros países. A plataforma vai continuar a recorrer aos cartões para fazer pagamentos (nos terminais que há nas lojas e restaurantes, por exemplo) mas nas transferências (“enviar dinheiro”) os cartões desaparecem da equação e são substituídos pelas contas, identificadas com os códigos IBAN.

O anúncio da mudança pela SIBS surgiu na mesma altura em que o Banco de Portugal apresentou uma plataforma, que é utilizada através das aplicações e sites dos bancos, que torna as transferências interbancárias mais fáceis, o SPIN, permitindo definir o destinatário só com o número de telemóvel (sem necessidade de digitar o IBAN). Além disso, a mudança vem responder a uma das principais críticas que sempre foram feitas ao MB Way, acusado de ser um sistema “fechado”, limitado às emissões nacionais de cartões de débito/crédito e obrigando os utilizadores a terem cartões (que normalmente têm associado o pagamento de anuidades).

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Num modelo por contas, em contraste, deixa de ser necessário pagar as anuidades associadas aos cartões bancários – bastará ter uma conta para usar o MB Way. Por outro lado, ao entrar numa plataforma europeia de contas, a intenção da SIBS é alargar a interoperabilidade e, cada vez mais, ser possível usar o serviço para transferir dinheiro para bancos de países que não apenas Portugal.

Usar o MBWay ou o (novo) SPIN para transferir dinheiro. O que distingue os dois serviços

SIBS garante mudança invisível, mas Deco avisou para comissões pesadas

A passagem para um modelo de contas é uma alteração fundamental no serviço, mas a SIBS garante que, na utilização prática, “não se prevê qualquer alteração para os utilizadores desta funcionalidade, que vão continuar a enviar e receber dinheiro de forma instantânea na sua conta”. Na app nativa da SIBS, do MB Way, a mudança será totalmente invisível e quem usa mais o serviço através das apps dos bancos também não deverá sentir alterações significativas.

Porém, embora pouco possa mudar na forma como se envia dinheiro para outras pessoas através do MB Way, a Deco alertou em meados de agosto que os bancos podem aproveitar para subir as comissões cobradas nas transferências que passaram a ser obrigatoriamente gratuitas (até certos limites) com a tal legislação que foi aprovada em 2020 e que o banco público recomenda que seja “revisitada”.

Deco alerta para risco de aumento de comissões no MB Way

As regras impedem a cobrança de comissões nas transferências até 30 euros, até ao limite de 150 euros por mês ou um máximo de 25 transações mensais. Porém, mesmo quando se ultrapassam esses máximos, as comissões que podem ser cobradas são baixas porque a legislação utiliza os limites que são aplicados às transferências com cartão (e que estão indexadas ao regulamento europeu das interchange fees): um custo máximo de 0,2% nos cartões de débito e 0,3% nos cartões de crédito.

Na prática, se o cliente já tiver superado os limites dos 150 euros por mês ou máximo de 25 transferências por mês no MB Way e fizer uma transferência de 10 euros usando um cartão de débito isso pode implicar uma comissão de 0,02 euros (ou 0,03 euros se for um cartão de crédito). Mesmo que a transferência seja maior, de 100 euros, a comissão estará limitada a 20 ou 30 cêntimos, respetivamente.

O risco identificado pela Deco é que, com o modelo de transferências por conta, estes limites deixem de ser aplicáveis – porque, sendo uma transferência instantânea, os bancos têm um preçário próprio para as chamadas “transferências imediatas” e podem ser cobradas comissões que, regra geral, ascendem a 1,50 euros ou mais. Estas são comissões que alguns bancos cobram até a clientes que têm contas-pacote, com pagamentos mensais.

“Tal como está a lei, estas transferências podem ser consideradas transferências imediatas que estão previstas nos preçários dos bancos, com preços bem mais elevados”, alerta Nuno Rico, economista da Deco Proteste. “Caso a lei não passe a dizer claramente que todas as transferências por MB Way são gratuitas até 30 euros e que continuam sujeitas aos limites já estabelecidos – quer sejam feitas com cartão, quer sejam feitas com um número de conta – então nada impede que estas operações, mesmo por MB Way, passem a pagar as comissões previstas nos preçários dos bancos para as transferências imediatas”.

Legislação tem “inadequação com a futura realidade”, diz CGD

A Caixa Geral de Depósitos, que também é um dos principais acionistas da SIBS (dona da rede Multibanco e do MB Way), reconhece “a necessidade de revisitar” a legislação em causa.

“Apesar das várias vozes, motivações e interesses associados ao tema e veiculados na comunicação social, certa é a necessidade de revisitar o Decreto-Lei n.º 3/2010 de 5 de janeiro, aditado pela Lei n.º 53/2020 de 26 de agosto, que define o preço das transferências MB Way assentes em cartão, por inadequação com a futura realidade, que assentará em transferências imediatas”, afirma o banco em comentários pedidos pelo Observador.

Ainda assim, o banco público, que é o maior do sistema financeiro português, não se compromete com qualquer decisão que poderá tomar enquanto a legislação não muda. “Não nos é possível assumir qualquer posição, antes da esperada intervenção legislativa”, diz a Caixa Geral de Depósitos, garantindo que “até lá, não antevemos a subida de comissões” – depois, “perante um novo enquadramento, a Caixa adotará as devidas medidas”.

Também contactados, os outros maiores bancos a operar em Portugal não quiseram fazer comentários ou não responderam às perguntas enviadas. O BPI, por exemplo, respondeu que “o banco não se pronuncia antecipadamente sobre hipóteses”.

Depois de ter surgido a polémica, a SIBS recordou que “é um processador que presta serviços tecnológicos às instituições financeiras, empresas e outras instituições” e, por isso, “não cobra qualquer comissão aos utilizadores do MB Way”. Ou seja, a surgirem mais comissões, essas são responsabilidade dos bancos com quem “os utilizadores do serviço têm uma relação contratual direta” e que “definem as diferentes condições de utilização do serviço por parte dos seus clientes finais”.

Ministério da Economia acompanha “atentamente” comissões cobradas nos pagamentos e admite “ajustar” legislação

O Ministério da Economia, por seu turno, indicou que está a acompanhar “atentamente” a questão das comissões nos pagamentos para “garantir a defesa dos interesses dos consumidores” e admitiu ajustar a legislação em vigor.

Novo regulamento vai massificar transferências imediatas

A transição do MB Way para transferências por conta deve ser “disponibilizada tecnicamente [aos bancos] no final deste terceiro trimestre”, ou seja, a partir do final de setembro. Depois, a transição vai chegar aos utilizadores de forma gradual: “A partir do quarto trimestre as instituições financeiras aderentes ao MB Way irão progressivamente disponibilizar as operações MB Way enviar dinheiro com base no modelo europeu de pagamentos instantâneos por conta“.

Mas caso os bancos decidam cobrar pelas transferências MB Way, tratando-as como “transferências imediatas”, isso acontecerá poucos meses antes de entrar em vigor um regulamento europeu que, a partir de 9 de janeiro de 2025, deverá ajudar a massificar as transferências imediatas (em detrimento das transferências tradicionais que demoram um dia útil, ou mais, a chegar à conta do destinatário).

Em Portugal, apenas 5,2% das transferências são feitas de forma imediata, um terço da média europeia, uma utilização escassa que se deverá ao facto de serem cobradas comissões elevadas. Esta percentagem deverá subir a partir do início do próximo ano.

O novo regulamento europeu não obriga à gratuitidade das transferências mas proíbe tarifários diferenciados entre transferências normais e imediatas – ou seja, por outras palavras, os bancos não vão poder cobrar mais comissões pelas transferências imediatas do que pelas normais. 

Transferências bancárias vão passar a ser imediatas (e bancos não podem cobrar mais do que pelas normais)

Isso significa que, com o regulamento que equipara os custos das transferências instantâneas ao das normais, a partir de janeiro as transferências imediatas (como podem ser consideradas as do MB Way) vão ser sempre gratuitas? Não, necessariamente – porque os bancos podem cobrar comissões pelas transferências normais.

Em Portugal, as transferências tradicionais são obrigatoriamente gratuitas mas só se forem feitas através de caixas automáticas (vulgo, Caixas Multibanco). Mas podem ser cobradas comissões se as transferências forem feitas usando apps ou homebanking, bem como num atendimento presencial ao balcão.

A generalidade dos bancos, porém, não cobra comissões por essas transferências tradicionais quando feitas através de homebanking/app nos casos em que os clientes têm as chamadas contas-pacote, que envolvem um pagamento mensal ao banco. A isenção de comissões nas transferências é, aliás, uma das estratégias que os bancos usam para levar mais clientes a subscrever essas contas-pacote, já que o cliente passa a poder fazer transferências sem (mais) custos.

Ao entrar em vigor o novo regulamento, dependerá da política comercial de cada banco continuar, ou não, a “oferecer” aos clientes que têm “contas-pacote” a gratuitidade das transferências (normais e imediatas, ao mesmo preço, como vai ser obrigatório).