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Imobiliário, hotelaria, vestuário e até uma clínica de transplantes capilares. Os tentáculos da marca Cristiano Ronaldo são vastos, criteriosos e, ao que tudo indica, não conhecem limites. Esta sexta-feira foi revelado mais um. O jogador do Al-Nassr vai ser acionista de referência da Cofina Media, a dona do Correio da Manhã e da CMTV.
Quer isto dizer que Cristiano Ronaldo se prepara para participar numa operação cujos contornos foram esta sexta-feira confirmados, parcialmente, pela Cofina. Em comunicado à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, a empresa dona do Correio da Manhã diz que recebeu duas ofertas vinculativas apresentadas por quadros e ex-quadro da empresa e investidores (cuja identidade não é revelada).
A concretizar-se, a transação deverá culminar com a venda da holding que detém os títulos da Cofina a uma troika que inclui, além do jogador, os atuais acionistas da Cofina SGPS e altos quadros da empresa de media, liderados pelo administrador Luís Santana, que estão a preparar um Management Buy Out (MBO). O negócio avalia a Cofina em 75 milhões de euros, incluindo a dívida que no final de 2022 era de 25,6 milhões de euros (dívida líquida nominal).
Que negócio é este?
Chama-se Management Buy Out (MBO) e aplica-se quando os gestores de uma empresa avançam para a sua aquisição. A oferta vinculativa apresentada pelos quadros foi confirmada pela Cofina que identifica três proponentes — Ana Dias e Luís Santana (administradores da Media Capital) e Otávio Ribeiro que foi diretor-geral editorial da Cofina, tendo saído em 2021.
Foi em maio que se soube que alguns quadros da Cofina estavam interessados em comprar a empresa de media, que detém títulos como o Correio da Manhã, a CMTV, o Jornal de Negócios e a revista Sábado. Foi o próprio Luís Santana, administrador executivo do grupo, que revelou o projeto. “Eu e um conjunto de quadros da Cofina Media estamos a preparar um Management Buy Out, que planeamos apresentar oportunamente ao acionista da empresa, com o qual não temos mantido qualquer tipo de negociações”, adiantou, em comunicado, no final de maio. Além do próprio, o projeto está a ser liderado por Otávio Ribeiro, ex-diretor do Correio da Manhã. O Observador tentou obter comentários de ambos, sem sucesso.
Na mesma ocasião do comunicado citado, Luís Santana afirmou ainda que o projeto “assegurará o necessário financiamento junto, em primeiro lugar, dos promotores do MBO, mas também junto de instituições financeiras e de investidores nacionais idóneos e confortáveis com a independência dos media, único garante da credibilidade e do sucesso empresarial da Cofina Media”. Hoje, sabe-se que um desses “investidores nacionais idóneos” será Cristiano Ronaldo.
Segundo avançaram esta sexta-feira os jornais Eco e Jornal Económico, o jogador está em negociações “avançadas” para entrar no negócio. Deverá ficar com uma participação que oscilará entre os 20% e os 30%. Uma “fonte próxima” de Ronaldo confirmou ao Jornal de Negócios, do grupo Cofina, que o jogador está “muito entusiasmado com a perspetiva de investir na comunicação social no seu país”.
Também Luís Santana veio desfazer esta parte da operação misteriosa, que leva meses a ser preparada. “Contar com Cristiano Ronaldo, o melhor futebolista de sempre, um atleta de exceção que partilha os valores da exigência, do rigor, do trabalho e da resiliência, como investidor é naturalmente um grande motivo de satisfação para a equipa que está a desenvolver o Management Buy Out da Cofina Media, que oportunamente será apresentado aos acionistas”, disse à Lusa. As propostas foram feitas à administração na terça e quarta-feira desta semana.
Com a empresa a mexer, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários acabaria por suspender a negociação das ações da Cofina ao final da manhã desta sexta-feira.
O esclarecimento chegou depois das 22 horas com a indicação de que foram feitas duas ofertas vinculativas em dois dias consecutivos (27 e 28 de junho) para aquisição da totalidade do capital do grupo. Essa proposta atribui à Cofina um Enterprise Value (valor que inclui a dívida) de 75 milhões de euros e está a ser analisada pela empresa. A Cofina comunicou ainda que não aceita o prazo de resposta de cinco dias indicado pelos investidores, que qualifica de insuficiente, tendo pedido 60 dias, “prorrogáveis”, para avaliar a oferta. Caso seja aceite pela empresa, os acionistas terão de a aprovar em assembleia geral.
Para além dos quadros e ex-quadro, a oferta envolve investidores (não identificados na proposta, segundo a Cofina) que resultaram de um processo de prospeção, junto de potenciais investidores com o objetivo de reunir o investimento necessário para fazer uma proposta à Cofina SGPS pela Cofina Media. A preocupação foi angariar dinheiro “legítimo e transparente”. E chegou-se a Cristiano Ronaldo.
O que pode mudar na Cofina?
A oferta comunicada ao mercado é para 100% do capital da Cofina, mas o objetivo dos promotores da iniciativa será fazer o spin off do negócio de comunicação social, ou seja, a operação visa adquirir apenas os títulos de jornais, revistas e o canal de televisão do grupo. A Cofina é ainda detentora de uma participação de 50% na distribuidora de publicações Vasp, da qual está vendedora, segundo o último relatório e contas, e detém 50% da Mercados Globais – Publicação de Conteúdos, com sede em Vila Nova de Gaia, que faz “prestação de serviços de gestão e dinamização de um fórum financeiro na internet”. No ano passado, a Cofina avançou para a liquidação da gráfica Grafedisport. O grupo já foi detentor de outros negócios, na área da indústria, como a Altri e a Ramada, mas acabou por se centrar apenas na área dos media.
Tal não significa, porém, que a Cofina SGPS venha a sair de Bolsa com a venda da Cofina Media. A empresa poderá virar-se para outro tipo de investimento com o dinheiro recebido pela venda dos meios de comunicação social. A proposta em cima da mesa valoriza a empresa em 75 milhões de euros.
Quem faz parte do negócio?
O jornal Eco indica que os acionistas atuais da Cofina SGPS deverão manter-se no capital da empresa, ainda que com participações mais baixas. A cada parte deverá caber uma fatia de cerca de 30%.
Atualmente, a estrutura acionista da Cofina conta com Paulo Fernandes (13,88%), através da Actium Capital; Domingos Matos (12,09%), pela Livrefluxo; João Oliveira (15,01%) e Pedro Oliveira (10,2%), pela Caderno Azul e a Valor Autêntico, respetivamente; e Ana Mendonça (19,98%), com a Promendo.
Ainda esta sexta-feira, dia em que o Observador revelou que Mário Leite da Silva, antigo braço direito de Isabel dos Santos, entrou para a administração da LivreFluxo (acionista da Cofina) em novembro, este deu uma entrevista ao Jornal Económico, na qualidade de administrador da sociedade, garantindo que a Livrefluxo pretende manter-se no capital da Cofina. “A Cofina é um dos investimentos que faz parte do nosso portfólio e temos um carinho especial pelo projeto e pelas pessoas que sempre o lideraram. Se há algo que distingue a Cofina de outros grupos são as nossas equipas e a qualidade da nossa gestão. E isso tem muito valor. Pretendemos continuar ligados ao projeto pois acreditamos nas pessoas, partilhamos da visão e dos objetivos estratégicos de médio e longo prazo”, adiantou. “Se nada de surpreendente acontecer, não temos razão para desinvestir.”
Em 2022, a Cofina teve lucros de 10,5 milhões de euros, mais 147,4% face ao ano anterior. As receitas totais ascenderam a 76 milhões de euros. A capitalização bolsista da empresa ascende a cerca de 27 milhões de euros.
Qual a relação de Ronaldo com a Cofina?
A participação de Ronaldo no negócio de compra da Cofina Media terá apanhado de surpresa quem se lembrar do historial de quezílias que o jogador tem há vários anos com a dona do Correio da Manhã. O jogador chegou mesmo a processar judicialmente os títulos da empresa, em várias ocasiões.
“O que é isso, CMTV?!” e “Não tenho respeito nenhum por esse jornal” são algumas das frases que o mais internacional jogador português proferiu contra os títulos da empresa que se prepara agora para comprar.
Em outubro de 2014, depois de uma derrota da seleção nacional e após uma notícia publicada pelo Correio da Manhã que dava conta da suposta influência de Ronaldo na saída de Paulo Bento do cargo de selecionador, o jogador afirmou: “O jornal que disse, não gosto de frisar, porque não tenho nenhum respeito por esse jornal, porque está constantemente a inventar notícias, a inventar polémicas, a inventar um mau relacionamento, um mau ambiente na seleção. Já tem sido assim desde que comecei na seleção, a atacar constantemente a seleção”, afirmou.
Na mesma conferência de imprensa, o jogador recusou-se a falar com a jornalista da CMTV presente na sala. Quando soube que a pergunta vinha de uma jornalista do canal da Cofina, foi perentório: “Ah, então esqueça, que eu não vou responder”.
Dois anos depois, no Europeu de Futebol em França, o capitão da seleção teve um dos gestos que mais deram que falar. E que resultaram noutro processo. Desta vez, da CMTV contra Ronaldo. Quando o repórter do canal se aproximou dos jogadores, junto a um lago, e lhe perguntou se estava preparado para o jogo contra a Hungria, Cristiano Ronaldo arrancou-lhe o microfone da mão e atirou-o para a água.
A guerra vem ainda mais de trás. Em agosto de 2011, a revista Vidas, do CM, publicou uma entrevista a uma mulher que teria trabalhado na casa de Kátia Aveiro, sua irmã, e tomado conta do seu filho mais velho. À revista do CM, a mulher fez declarações sobre as origens de Cristiano Ronaldo Júnior, que terá nascido de uma barriga de aluguer. Ronaldo processou o jornal e a entrevistada e o tribunal deu-lhe razão: o seu direito à reserva da intimidade da vida privada tinha sido violado.
Em 2015, novo processo. Desta vez por causa de uma manchete que dizia que o jogador arriscava ter de pagar vários milhões de dólares no âmbito de um alegado caso de assédio, via redes sociais, a uma modelo americana de 16 anos. “Resta-me comunicar que, mais uma vez, irei acionar contra o Correio da Manhã todos os meios de defesa e de reparação de prejuízos que a lei me faculta, sem excluir a via penal. A falta de ética e critério jornalístico é lamentável em qualquer órgão de comunicação social mas ainda me entristece mais quando se verifica no meu país.”
Mais recentemente, em maio, não foi Ronaldo mas a sua mãe, Dolores Aveiro, que anunciou um processo contra o Correio da Manhã. O jornal publicou uma notícia segundo a qual a mãe de Ronaldo teria recorrido a rituais de feitiçaria para separar o filho da companheira, Georgina Rodríguez. Dolores Aveiro fez saber, pelas redes sociais, que acionou os seus advogados devido a uma notícia publicada “num conhecido jornal português”.
É a primeira tentativa de compra da Cofina?
Este é o primeiro MBO conhecido, mas não é a primeira vez este ano que a dona do Correio da Manhã está no centro das atenções do mercado. Em março, o Observador avançou que a Media Capital, dona da TVI, estava em negociações para comprar a Cofina, numa operação que criaria o maior grupo de comunicação social do país.
Media Capital, dona da TVI, em negociações para comprar Cofina, que detém Correio da Manhã
A empresa liderada por Paulo Fernandes chegou a emitir um comunicado a confirmar “abordagens preliminares”, mas o negócio acabou por não se concretizar. Nem nunca foi apresentada uma proposta formal pela Media Capital.
Em 2020, esteve para se realizar o negócio inverso, mas a Cofina não conseguiu que o aumento de capital necessário fosse subscrito. O empresário Mário Ferreira era um dos subscritores desse aumento de capital, mas estava a negociar também diretamente com os espanhóis da Prisa, então donos da Media Capital. Acabou obrigado a lançar uma oferta pública de aquisição sobre a Media Capital e, desde então, Mário Ferreira e Paulo Fernandes, CEO da Cofina, estão de costas voltadas.