Na política, os ponteiros do relógio parecem andar mais rápido, mas não foi assim há tanto tempo que Jerónimo de Sousa se afastou da vida política. Quando em novembro de 2022 — há menos de 2 anos — abandonou a liderança do Partido Comunista Português, o cenário era bem diferente do que se vive hoje, mesmo que o partido já estivesse em queda a nível eleitoral. Entretanto, de 6 deputados na Assembleia da República, o PCP passou para 4, e se já não tinha representação parlamentar nos Açores, deixou de a ter também na Madeira. Por isso mesmo, num ano que está a ser particularmente cruel para os comunistas nas urnas de voto, a entrada do ex-secretário-geral na campanha para as europeias era um dos momentos mais aguardados nestas duas semanas de caça ao voto.
Junto a uma rotunda no Parque das Nações, Jerónimo aguarda pacientemente, praticamente sozinho e de mãos nas ancas, a passagem de João Oliveira e Paulo Raimundo no fim do percurso previsto para o desfile da CDU. Face à ausência de uma grande comitiva à sua volta, quem por ele passa pode não reparar quem ali está, mas a situação está prestes a mudar. Assim que se aproxima a larga coluna humana que os comunistas conseguiram juntar em Lisboa, o ruído aumenta, as bandeiras erguem-se mais alto, e Jerónimo vai ter diretamente com o cabeça-de-lista, a quem dá um longo abraço, debaixo de uma grande salva de palmas.
Nesta iniciativa organizada para o sexto dia da campanha (sinal de que estamos já a meio do caminho), o desfile da CDU na zona da Expo é uma demonstração de força que ainda não tinha aparecido durante a semana. As razões para este aumento podem ser muitas e podem até estar todas combinadas: certamente terá ajudado à mobilização a iniciativa decorrer na capital do país, a um fim-de-semana, além da presença de Jerónimo de Sousa, Paulo Raimundo e outras figuras relevantes do partido, como João Ferreira, ex-candidato dos comunistas a várias eleições diferentes (ainda que este último tenha passado praticamente despercebido).
Ao largo da Alameda dos Oceanos, várias centenas de pessoas gritam para apelar ao voto na CDU. Vêem-se bandeiras da coligação, de Portugal, e até balões. A liderar o desfile, à frente do secretário-geral Paulo Raimundo e de João Oliveira e restantes candidatos principais ao Parlamento Europeu, seguem dois tambores e uma gaita-de-foles que vão enchendo as ruas de música. Neste primeiro sábado de junho em que o sol bate mais forte, quem por ali passeia — turista ou cidadão — é obrigado a parar e reconhecer a vitalidade de uma CDU que mostra estar pronta para resistir ao desaparecimento.
É precisamente essa força o primeiro aspeto a ser sublinhado por Jerónimo de Sousa. “É só um palpite, mas tenho um sentimento profundo de que esta participação tem um grande significado”. Elogia a mobilização e o empenho da organização para dar o selo de aprovação a uma “campanha à CDU” e a um “excelente cabeça-de-lista, com tanta alegria”. “Mesmo quando as perguntas eram difíceis, ele esteve ali… Considero que há razões para estarmos felizes com a prestação destes camaradas num quadro muito exigente, muito difícil, num quadro internacional muito complexo”.
“Há razões para termos confiança”, diz Jerónimo, que mesmo sem dar pormenores, se confessa ambicioso em relação a um bom resultado para dia 9. Mas nem tudo são rosas, especialmente quando os adversários políticos da CDU estão em crescimento, nomeadamente a extrema-direita. “Quem não estiver preocupado, está distraído“, avisa. O comunista aponta para “manifestações de agressividade muito grande” afetas a este espectro político, e nota que se está a tentar “trazer valores que o povo português rejeitou e repudiou” durante os últimos anos.
Tal como Raimundo já tinha feito em Beja, usa a longevidade do PCP para afastar preocupações sobre a sobrevivência: “A extrema-direita é sempre um perigo, mas quem anda aqui há 50 anos assistindo a avanços e recuos, vitórias e derrotas… Faz parte da nossa vida coletiva e democrática”. A presença de Jerónimo de Sousa é simbólica por isto mesmo: pelo reforço da memória de quem possa ter esquecido as origens do Partido Comunista Português, e os diferentes contextos em que existiu ao longo da História.
Um livro para Cotrim e um aviso para os liberais: “Não aceitamos lições sobre o combate à extrema-direita”
Ainda Jerónimo andava pela vida política, e já o Chega e a Iniciativa Liberal tinham não só aparecido, como ultrapassado os comunistas na representação parlamentar. Hoje, no entanto, a diferença ao nível de votos é ainda maior. Talvez por isso mesmo, João Oliveira ainda não tenha baixado a mira apontada aos dois partidos.
Agora espicaçado por João Cotrim Figueiredo, que além de ter provocado os comunistas com a sugestão do livro “A Conspiração do Kremlin”, ainda insinuou que tem muita coisa em comum com o partido de André Ventura, os ataques vieram para ficar. “Para quem tem muitos esqueletos no armário, não é uma sugestão muito criativa”, afirma no início do desfile, não resistindo também ele a sugerir uma obra: “Tenho muitos livros preferidos na minha vida — não sei se encaixam no diário liberal — mas dava-lhe uma sugestão: ‘As Aventuras de João Sem Medo’ são sempre uma boa inspiração e uma belíssima obra literária”.
Já em relação às comparações do candidato liberal, João Oliveira usa a situação política nos Países Baixos para voltar a deixar uma bicada. “Para quem está comprometido na Holanda com um governo de extrema-direita, convenhamos que também é uma maneira pouco criativa de sacudir a convergência” com estas forças, refere.
Mais tarde, já em discurso perante centenas de simpatizantes no Parque das Nações, o comunista volta à carga, juntando também as duas maiores candidaturas à mistura. “Aos candidatos da AD, do PS e da IL, que agora se lembram de agitar o papão da extrema-direita, procurando dizer ao povo português que a alternativa está entre a extrema-direita e a continuação do caminho neoliberal da União Europeia, dizemos que essa não é uma alternativa”, começa por frisar, antes de garantir que a extrema-direita não é mais do que “a versão musculada, anti-democrática e agressiva do mesmo caminho neoliberal, militarista e federalista” que é seguido por estas forças políticas.
Tirando a extrema-direita, que é atacada na generalidade por todos os partidos, e o PS e a AD, que João Oliveira costuma juntar num bloco só para criticar a conivência com as imposições europeias, a Iniciativa Liberal começa mesmo a ser o alvo mais recorrente do cabeça-de-lista. Mesmo tendo garantido não se querer envolver nas nos “arrufos” laterais da campanha, João Oliveira não resiste a responder sempre que pode.
Desta vez vai mais longe, apontando até para uma ligação histórica entre os liberais e o Estado Novo: “Quando os comunistas e os outros democratas lutavam antes do 25 de abril pelo derrubamento do fascismo, andavam os liberais na União Nacional a sustentar o fascismo, a servir os grupos económicos e os latifundiários que acumulavam fortuna à custa da exploração, da miséria, da pobreza e do analfabetismo do povo. Não aceitamos lições sobre o combate à extrema-direita”.
“Não andamos ao sabor da maré e dos ventos”. Um primeiro ataque (tímido) aos partidos à esquerda
Ao contrário do habitual, também Bloco de Esquerda e Livre entram no livro de reclamações comunista, que já conta com queixas contra os partidos da direita e o PS. Foram precisos seis dias, metade da campanha eleitoral, mas a tentativa de diferenciação com os partidos com quem a CDU mais disputa eleitorado lá acabou por chegar — mesmo sem menções diretas. Questionado sobre o que é que um eleitor de esquerda encontra nos comunistas que não pode também encontrar nestes dois outros partidos, João Oliveira é direto: a coerência.
“Connosco, o povo sabe exatamente aquilo com que conta e sabe que não andamos ao sabor da maré e dos ventos”. Os ventos, de acordo com João Oliveira, às vezes puxam certos partidos para “posições militaristas” e para a aceitação da corrida ao armamento. Também em relação aos direitos dos trabalhadores encontra diferenças, frisando que a CDU recusa o “nivelamento dos salários por baixo”, ao contrário do que noutras circunstâncias “outros partidos ditos de esquerda fizeram”.
“Direito a brincar” e foco nos mais novos: um pretexto para agitar as mesmas bandeiras de sempre
É dia 1 de junho, Dia Mundial da Criança, e a CDU faz questão de o assinalar. Depois de uma primeira iniciativa de manhã, em Vila Franca de Xira, em que João Oliveira sublinhou a necessidade do reconhecimento do “direito a brincar” como política de desenvolvimento das crianças, é a vez de Paulo Raimundo discursar no encerramento do comício no Parque das Nações. Tendo em conta as festividades, o secretário-geral anuncia que se vai focar essencialmente nos direitos das crianças.
No entanto, o conteúdo acaba por não divergir muito do habitual. “As crianças não precisam que se baixe o IRS que favorece os mais ricos, não precisam que se encontrem pretextos para se cortar descontos patronais para a Segurança Social”, declara Raimundo. A diferença no discurso, como é visível, está apenas no sujeito da frase.
“As crianças não precisam de cheques ou de vouchers. Do que as crianças precisam é do Serviço Nacional de Saúde e dos seus profissionais”, continua, antes de tocar também no tema da guerra da Ucrânia. “É obrigação dos adultos, também em nome das crianças, pôr fim à guerra, à corrida militarista, ao negócio da morte e da destruição”.
A menção ao conflito na Ucrânia é, de resto, o momento de qualquer discurso, em qualquer comício da CDU, que mais arrebata as plateias. Praticamente sempre que o tema vem à baila, quem discursa acaba por ser interrompido por gritos de “Paz sim! Guerra não!” Desta vez, Paulo Raimundo tem direito até a uma ovação de pé por parte das centenas de pessoas que o ouvem, enquanto protesta que alguns querem levar os “filhos e os netos” dos portugueses para a guerra. Mesmo debaixo de críticas dos opositores pela posição neutral assumida, os comunistas vão encontrando alento no eleitorado para continuar a pedir a paz.