A última semana de inquérito parlamentar à TAP deixou o PS — mais uma vez, neste tempo de maioria absoluta — à beira de um ataque de nervos e promete não deixar pedra sobre pedra em algumas das relações políticas centrais que se foram firmando nestes tempos de poder socialista. Uma delas é a que se estabeleceu entre António Costa e Pedro Nuno Santos, tantas vezes apontado como seu sucessor no partido. Neste momento, o primeiro-ministro é descrito como estando “furioso” com o seu antigo ministro,  a quem tem apontado até a ausência pública quando tudo arde.

“Agora que é evidente a escolha desastrosa de Pedro Nuno Santos, ele está desaparecido em combate deixando o Governo exposto à crítica generalizada“, atira fonte do Governo em conversa com o Observador sobre o que se passou na última semana, em que o antigo secretário de Estado Hugo Mendes seguiu no centro da polémica sobre a TAP e a gestão da relação entre o Governo e a empresa pública. Logo de manhã, mesmo antes de partir para a Coreia do Sul, António Costa falou pela primeira vez no caso para se distanciar do estilo de relacionamento entre a tutela e empresas públicas, referindo-se em concreto ao email “gravíssimo” que Hugo Mendes enviou à CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, sobre uma mudança de data de um voo que tinha como passageiro o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

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Nesta altura, no Governo aponta-se Pedro Nuno como o único responsável pela escolha de Hugo Mendes como seu secretário de Estado das Infraestruturas, blindando e desresponsabilizando o primeiro-ministro por essa nomeação. Costa “tentou dissuadir insistentemente Pedro Nuno Santos”, quando este apresentou Hugo Mendes como a sua escolha para aquela Secretaria de Estado, avança a mesma fonte. O primeiro-ministro reconhecia “preparação ideológica” ao nome que o seu ministro escolhera (e que já estava consigo desde que assumiu funções no Governo), mas considerava-o “inepto para qualquer função Executiva”.

Ao que o Observador apurou, Costa teria preferido que se mantivesse na pasta quem estava, Jorge Delgado, que considerava uma “máquina de trabalho”, mas o então ministro manteve a sua decisão e foi Hugo Mendes que tomou posse nas Infraestruturas em 2022. Confrontado pelo Observador com esta informação, Pedro Nuno Santos recusou-se a comentar o assunto.

Certo é que, quando formou o seu terceiro Governo, em 2022, Costa quis reduzir o número de Secretarias de Estado e uma das que decidiu que desapareceria era precisamente aquela que, desde 2020, era dirigida por Hugo Mendes: a Secretaria de Estado das Comunicações. Manteve-se a das Infraestruturas e Pedro Nuno decidiu transferir Hugo Mendes para o lugar até então ocupado por Jorge Delgado, mantendo-o como secretário de Estado. Delgado mudou, então, de Ministério, para o Ambiente onde lidera a Secretaria de Estado da Mobilidade Urbana.

O Governo poderá sobreviver à turbulência na TAP e qual o futuro político de Pedro Nuno Santos? São perguntas que fazemos no novo episódio do podcast “A História do Dia”. Ouça aqui.

Pedro Nuno Santos tem estado em silêncio desde que saiu do Governo e a sua audição na comissão parlamentar de inquérito sobre o caso TAP é aguardada com alguma expectativa. Politicamente, Pedro Nuno Santos tem apontado o seu regresso para a altura da rentrée política, setembro, quando terá um espaço de comentário político na SIC e regressará ao Parlamento, para ocupar o seu lugar de deputado na bancada socialista.

No entanto, a confiança do líder do partido em Pedro Nuno Santos ruiu de vez. Aliás, no Governo é agora apontada a “compreensão que Costa tem tido com a impulsividade” do seu ex-ministro no tempo em que este integrou o Executivo — o exemplo sempre recordado é o caso do novo aeroporto, no verão passado. “Costumava dizer ‘isto passa com a idade’”, conta ao Observador fonte do Governo que reconhece que “agora foi a gota de água e que não há mais ‘perdoa-me’ que comova Costa”. A relação entre os dois estreitou-se quando Costa subiu ao poder socialista, em 2014, mas sobretudo quando chamou Pedro Nuno para ser o pivot da “geringonça”, quando tinha um Governo apoiado numa maioria parlamentar que envolvia PCP e Bloco de Esquerda, aproveitando o capital esquerdista reconhecido a Pedro Nuno dentro do PS.

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O episódio do email conhecido agora na audição da CEO da TAP foi visto por Costa como “gravíssimo”, com o primeiro-ministro a aproveitar para se demarcar publicamente do estilo de relacionamento entre o Governo e as empresas públicas. Questionado pela Lusa sobre o seu relacionamento institucional com a administração cessante da TAP, o líder do executivo disse que só se reuniu uma vez com a presidente da comissão executiva, Christine Ourmières-Widener, para esta lhe apresentar o plano de reestruturação da transportadora aérea nacional. “E com as outras empresas aprecio o relacionamento estratégico que os ministros mantêm com o Metro, a Caixa Geral de Depósitos ou as Águas de Portugal, por exemplo”, acrescentou como exemplos do estilo que diz preferir.

Ao Observador, fonte do Governo garante que esse estilo de relacionamento “também foi um habitual ponto de divergência entre Costa e Pedro Nuno Santos” durante os tempos em que conviveram nos vários governos desde 2015, sem apontar episódios concretos. “Cada novo episódio da TAP só confirma o que Costa temia”, comenta ainda classificando o email que veio a público na última semana, sugerindo a alteração de um voo para agradar o Presidente da República, como um episódio que “ultrapassa tudo o que é imaginável”.

As ondas de impacto do inquérito parlamentar ao caso de Alexandra Reis e a TAP têm vindo em crescendo e com forte pressão sobre o Governo e a maioria socialista. Na última semana foram vários os momentos em que elementos do Executivo tentaram aplacar esses impactos, caso da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que fez um comunicado a colocar-se rapidamente à margem de qualquer convite para uma reunião entre a bancada do PS e a CEO. Sobre o mesmo assunto, o atual ministro das Infraestruturas, João Galamba, também veio garantir que foi Christine Ourmières-Widener que quis participar no encontro para desviar responsabilidades de uma reunião preparatória da audição parlamentar da CEO que se tornou pública, levantando polémica e muitas críticas da oposição.