“Uma moeda única é um esquema monetário excelente em algumas circunstâncias e um esquema monetário danoso em outras circunstâncias“. Arranca assim um texto escrito em 1997 pelo norte-americano Milton Friedman em que o Nobel da Economia defendia que a união monetária que estava a nascer na Europa só iria provocar desunião política.
Este texto foi recordado amiúde nos últimos anos, incluindo por académicos e políticos ideologicamente opostos a Friedman, para argumentar que a crise da zona euro não só nasceu de desequilíbrios acumulados devido à moeda única mas, também, que foi mais difícil de combater porque os países não tinham moeda própria. O pico da crise terá passado, mas continua a ser essencial a competitividade e o crescimento. Será possível um país como Portugal ser competitivo dentro da zona euro?
Os últimos estudos sobre a competitividade de Portugal e da economia portuguesa têm dado motivos para algum otimismo. A edição mais recente do “IMD World Competitiveness Scoreboard“, divulgada em maio, refere que Portugal foi o segundo país que mais subiu no ranking dos países mais competitivos do mundo. Entre os 61 classificados, Portugal ficou em 36.º lugar na lista. Subiu sete posições em relação a 2014 (ano em que ocupou o 43.º lugar), e foi apenas ultrapassado pela Itália, que passou do 46.º lugar em 2014 para 38.º. Já em setembro tinha havido boas notícias sobre a competitividade da economia portuguesa, na ocasião no âmbito de um relatório do Fórum Económico Mundial.
Uma maior competitividade tenderá a refletir-se numa melhoria da atividade económica e na criação de postos de trabalho, pelo que estes dados prenunciam melhores condições para uma retoma que se pretende duradoura. Em particular, quando se fala em competitividade fala-se, sobretudo, em exportações – e, essas, têm vindo a subir nos últimos cinco anos, beneficiando, também, do contexto internacional.
Fonte: Pordata
Apesar destes resultados, há quem acredite que uma economia como a portuguesa terá na zona euro, invariavelmente, um beco sem saída. Um dos opositores mais proeminentes da participação portuguesa na união monetária é João Ferreira do Amaral, que em 2013 lançou a obra “Porque devemos sair do euro“. O economista e professor catedrático do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão) falou com o Observador sobre este tema.
“Considero que Portugal não tem possibilidades de ser competitivo dentro da zona euro, como aliás não o tem sido até agora, sendo certo que está em piores condições para ganhar essa competitividade hoje do que em 1992, quando começou a caminhada para a moeda única”. O vaticínio de Ferreira do Amaral explica-se com três fatores-chave, que colocam em causa a capacidade de Portugal se manter como “um país independente“:
- Do ponto de vista económico, “o facto de pertencermos a uma zona monetária de moeda tendencialmente forte como é o euro (embora ultimamente se tenha depreciado em relação ao dólar, o que será, com toda a probabilidade, um fenómeno temporário) impede-nos de aumentar a proporção entre produção de bens e serviços transacionáveis e bens e serviços não transacionáveis para um valor que dê condições de sustentabilidade a longo prazo para a nossa economia”, diz Ferreira do Amaral. No seu livro, Ferreira do Amaral dizia que uma moeda forte promove a aposta na produção de bens não transacionáveis e uma moeda fraca na criação de produtos transacionáveis.
- Do ponto de vista financeiro, “as obrigações que temos de cumprir no âmbito do chamado Tratado Orçamental vão implicar, dada a nossa elevadíssima dívida pública, a continuidade durante décadas de uma severa política de austeridade, provocando a permanência de níveis muito elevados de desemprego com o consequente impacto sobre a emigração“.
- Finalmente, do ponto de vista demográfico, “o envelhecimento da população será agravado substancialmente pela permanência dos elevados níveis de emigração pondo em causa a viabilidade do país com um mínimo de dignidade”, conclui João Ferreira do Amaral.
Estes são argumentos que não correspondem com a visão de Ricardo Reis, professor de Economia na Columbia University, nos EUA. Ao Observador, o economista defende que Portugal tem, “com certeza”, todas as condições para ter uma economia competitiva. “A competitividade é, em grande parte, uma escolha. Não há nada de intrínseco aos portugueses, ou ao nosso país, que nos impeça de sermos competitivos. Aliás, entre 1960 e 1990 fomos dos países que mais cresceram no mundo, o que só se consegue sendo competitivo”.
Com efeito, assinala Ricardo Reis, “o crescimento das exportações entre 2011 e 2014, numa altura em que o mercado externo era a única forma de muitas empresas sobreviverem, mostrou que o país pode ser competitivo sem depender exclusivamente de desvalorizações cambiais”. Em teoria, quando uma moeda é mais baixa em relação às rivais, os produtos parecem mais baratos aos olhos dos clientes internacionais. Além disso, com uma moeda mais barata, as empresas tornam-se mais lucrativas na conversão dos resultados para euros.
Esta visão de Ricardo Reis contrasta com a de João Ferreira do Amaral, que defende que “nunca um país digno desse nome pode deixar de ter instrumentos de regulação do seu comércio externo”. “Quando havia restrições ao comércio, podia-se substituir a taxa de câmbio por protecionismo. Hoje, felizmente isso não é possível. Então teremos que ter ao nosso dispor o instrumento alternativo que é a política cambial. Até porque já se viu que a receita do FMI de substituir a desvalorização cambial por desvalorização interna não funciona, o que não é de espantar porque são coisas muito diferentes”, argumenta João Ferreira do Amaral.
Ricardo Reis diz que a pertença ao euro não é um constrangimento mas uma vantagem. A união monetária “dá acesso a um mercado de capitais mais vasto que permite às empresas competitivas conseguirem crescer muito mais depressa”, não obstante “esse mercado de capitais vir com riscos, e os eventos de 2010 são um bom exemplo deles”.
É possível Portugal ser competitivo? Ricardo Reis sugere uma pergunta formulada de forma diferente: “Uma forma diferente de pôr a questão é se um Portugal como o de 2000, que se recusava a fazer certas reformas e preferia defender-se de alguma concorrência internacional do que enfrentá-la, não pode ser competitivo no euro”. “Um Portugal reformado pode sê-lo“, remata o professor da Columbia University.
João Ferreira do Amaral, em contraste, defende que “competir no mercado global, com um câmbio inadequado e com políticas que não nos servem porque não são definidas por nós, é, pura e simplesmente, impossível“. Esta convicção de que Portugal “deve sair do euro, o quanto antes” apenas tem equivalente no Partido Comunista, entre os principais partidos que se apresentam às eleições de 4 de outubro.
O partido liderado por Jerónimo de Sousa é o único que defende, claramente, a saída do euro. O Partido Comunista quer “romper com as dependências externas, reduzir os défices estruturais e recuperar um desenvolvimento soberano. O que exige a renegociação da dívida nos prazos, juros e montantes, a intervenção com vista ao desmantelamento da União Económica e Monetária, e o estudo e a preparação para a libertação do País da submissão ao euro, visando recuperar instrumentos centrais de Estado soberano (monetário, orçamental, cambial)”.
Já o Bloco de Esquerda, no seu programa, critica uma “arquitetura da moeda única [que] criou uma autoridade sobre a política monetária e cambial que retira aos Estados os instrumentos mais importantes de ação económica”. Para o partido liderado por Catarina Martins, “sob as atuais regras europeias, a possibilidade do controlo de capitais é reduzida a breves momentos excecionais e não é possível o controlo público da banca ou de indústrias, ou um programa para o pleno emprego”. É por isso que o partido pede “desobediência, em nome da soberania“.
Por seu lado, o Partido Livre diz que, “por ter sido criada com base num desenho institucional deficiente, a nova moeda única desencadeou dinâmicas de divergência que explicam não só o sobre-endividamento das periferias, como a incapacidade de resposta à crise financeira e a própria crise do euro. Na realidade, a crise do euro, hoje tão profunda, está a comprometer a própria viabilidade do projeto de Europa de democracia, prosperidade e justiça social a que os portugueses aderiram em 1986″. Ainda assim, o partido diz que quer um “relançamento da economia pensado não apenas numa perspetiva nacional, mas também europeia”. Revogar o Tratado Orçamental e renegociar a dívida são algumas das exigências do Livre.
No programa eleitoral, o Partido Socialista escreve que, “como Estado-membro da União Europeia, Portugal tem várias das suas opções políticas fundamentais associadas a decisões que hoje são tomadas pela União no seu conjunto. O que é um constrangimento inerente, em particular, à participação na União Económica e Monetária e à partilha de uma moeda comum representa também uma enorme vantagem“. A equipa de António Costa sublinha, contudo, que “para capitalizar essa vantagem, a atitude das autoridades portuguesas tem de ser ativa e empenhada, fazendo-se ouvir em Bruxelas, defendendo em Bruxelas os nossos interesses próprios e contribuindo também para a mudança ao nível europeu em favor da economia, do investimento e do emprego”.
Em entrevista à revista Visão, publicada a 13 de agosto, António Costa disse que “seria um erro enorme” abandonar a zona euro. O Partido Socialista, diz António Costa na mesma entrevista, tem um “plano A que é o de cumprir com todas as exigências e compromissos internacionais com Bruxelas, nomeadamente cumprir as metas do défice e da dívida. Mas temos um plano B, que é o de negociar a alteração das regras europeias”. “Mas não partimos à aventura, tomando por certo que tudo depende de uma negociação”, conclui o líder socialista.
A coligação PSD/CDS, por fim, defende que as “relações com os nossos parceiros da União Europeia (UE) fazem da nossa política europeia um pilar central da política externa portuguesa”. Para Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, “interessa a Portugal estar presente em todos os novos desenvolvimentos de natureza institucional, porque só assim se atenuam as desvantagens inerentes à ocupação da periferia geográfica da Europa”.