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Nas palavras de António Costa Silva, ministro da Economia, evitou-se um novo tsunami a norte do país, que já tinha visto a Galp encerrar a refinaria de Matosinhos. Ao nacionalizar a Efacec e ao vendê-la, agora, o Governo impediu que uma empresa industrial e de alta tecnologia com cerca de dois mil trabalhadores fechasse. Este é o argumento para vender a empresa com perdas financeiras.
“Não digo que o Estado vá recuperar o dinheiro que pôs, mas está aqui para estes casos”, salientou António Costa Silva, numa conferência de imprensa onde atirou: “Os mercados por si só são cegos, se fosse pela lógica estritamente financeira era deixar que uma empresa com valor para país desaparecesse”. E face a uns mercados cegos, a opção foi o Estado intervir. Uma opção já criticada pelo PSD que chama o ministro a dar explicações urgentes.
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Depois da nacionalização em 2020, falhou a primeira tentativa de privatizar a empresa em 2022 há um ano. Em outubro de 2022, o Governo assumia, em definitivo, o fim desse primeiro processo no qual tinha sido escolhida a DST para ficar com a Efacec. Só que Bruxelas considerava, nesse processo, que havia auxílios de Estado e a operação caiu já com um titular diferente na pasta. Pedro Siza Vieira tinha nacionalizado a Efacec, no seguimento do escândalo Luanda Leaks, que apanhou a Efacec que tinha Isabel dos Santos a principal acionista. Mas foi António Costa Silva que a vendeu.
A escolha da Mutares foi anunciada numa véspera de feriado (a 7 de junho, véspera do feriado do Corpo de Cristo) e a sua conclusão aconteceu, igualmente, em vésperas de outro feriado (31 de outubro). E por isso António Costa Silva, ao lado de João Nuno Mendes, secretário de Estado das Finanças, convocou a comunicação social para no feriado de 1 de novembro (dia de Todos os Santos) explicar a operação de venda. Agora com mais pormenores do que na primeira conferência, pedindo, em junho, “compreensão” pelas limitações na informação com o argumento de que havia ainda condições a ser cumpridas até ao desfecho da operação.
As condições foram cumpridas. A Efacec é agora oficialmente uma empresa de um fundo de investimento alemão, Mutares.
Quem é o dono da Efacec?
A Efacec já é oficialmente 100% do fundo alemão Mutares. O Estado, que nacionalizou 71,73% do capital em 2020, em plena pandemia e depois do escândalo Luanda Leaks ter fechado a torneira financeira à Efacec, sai em definitivo da empresa, assim como os dois acionistas minoritários (Grupo José de Mello e TMG), que tinham o restante capital através da joint-venture MGI Capital.
Por quanto é vendida?
A Efacec não garante, na venda, qualquer encaixe financeiro aos acionistas, mas fica, antes, a possibilidade de pagamento futuro quando a Mutares vender a Efacec ou se decidir distribuir remuneração. Em ambos os casos o Estado garante que tomará parte desses encaixes. Num cenário base, o Estado tem direito a 66% do produto da venda futura pela Mutares da Efacec e 75% de dividendos a distribuir futuramente, apesar de não ser acionista. É que fez um acordo, denominado de cascata, que fica com direitos económicos sobre a empresa, que terá de garantir uma rentabilidade de 14%.
Além disso no acordo de venda garantiu que a Mutares continuará a prestar informação financeira sobre a Efacec ao Estado, por forma a que haja controlo.
Estado vai perder dinheiro? Quanto meteu?
O Estado vai perder dinheiro, embora não se saiba já quanto. Isto porque, como referido, terá direito a dinheiro na venda da empresa ou em eventuais distribuições de dividendos. Ainda assim, a Efacec custou perto de 400 milhões de euros ao Estado.
Como se chega aos 400 milhões? 200 milhões de euros foram metidos, sob a forma de suprimentos, pelo Estado em 20 meses ao ritmo de 10 milhões de euros por mês, para manter a empresa à tona de água e para a Efacec ter fundo de maneio para as operações.
Além desses suprimentos, o Estado ainda mete, no fecho da operação, mais 231 milhões de euros, sendo deste 30 milhões para a Efacec fazer face a contingências que já estão no balanço e que possa vir a perder e a ter de pagar. Os outros 201 milhões de euros são de capital (mas sem ações, já que o Estado deixa de ser acionista) e servem para a Efacec pagar dívida bancária e o empréstimo obrigacionista cuja maturidade é em 2024.
Ou seja, a injeção do Estado – à qual incide uma taxa de rentabilidade de 14% — serve para colocar a dívida da Efacec em níveis comportáveis para que a banca volte a emprestar à empresa.
Mas, em contraponto, o Estado livra-se de 72 milhões de euros de garantias que tinha junto da Efacec. O que significa que, no final, da nova operação a exposição do Estado à empresa aumenta em 160 milhões de euros.
E os restantes credores?
É um novo arranque para a Efacec. Sem praticamente dívida. Os obrigacionistas aceitaram perder cerca de 10% do seu investimento, ou seja, perderam 5,8 milhões de euros. Serão pagos pelos 52 milhões de euros de reembolso restante. Já não receberão mais juros.
Obrigacionistas da Efacec aprovam perdão de dívida e de juros por larga maioria
Além dos obrigacionistas, os bancos financiadores da Efacec — os principais em Portugal — aceitaram perder 80% da sua dívida, num montante de 29 milhões de euros. Perderam este dinheiro, que já estava totalmente provisionado nas suas contas, mas vão receber os restantes 20% (cerca de 7 milhões), já que o Estado garante, com o seu investimento final, que este dinheiro ficou pago.
E assim é o regresso à estaca quase de zero dívida e, com isso, com a porta novamente aberta por parte da banca. Os bancos já aceitaram, mesmo, prestar financiamento comercial à Efacec por um montante que pode chegar aos 94 milhões de euros, a que acresce 60 milhões de euros que serão garantidos pela compradora Mutares.
A Efacec continua com dívida?
Fica com o balanço quase a zeros em relação à banca, podendo agora voltar a contrair financiamento. Garante já o dinheiro para o reembolso das obrigações. Mas já garante uma linha de financiamento de 154 milhões de euros para fazer face à operação. É o chamado trade finance, um financiamento especificamente para questões comerciais. João Nuno Mendes, secretário de Estado das Finanças, explicou que a Efacec é uma empresa cujos produtos têm um ciclo de produção longo e, como tal, leva tempo entre a ordem, a produção e a entrega, logo o pagamento pode demorar algum tempo e é nesse período que precisa de tesouraria. Aliás, foi essa a explicação que o Governo deu para as garantias de quase 80 milhões de euros que prestou à Efacec depois de 2020. Além disso é feito um empréstimo de 35 milhões de euros por parte do Banco Português de Fomento.
O Banco de Fomento empresta dinheiro?
Sim, além dos 231 milhões de euros injetados pelo Estado, o Banco Português de Fomento empresta mais 35 milhões de euros. A Efacec fica a pagar, por essa emissão de obrigações convertíveis em ações, um juro de 6% por um prazo de oito anos. De resto as garantias que estavam suportadas na Norgarante são extintas. “No que respeita ao envolvimento do Grupo Efacec no universo Banco Português de Fomento, as operações de financiamento garantidas pela Norgarante foram extintas, após reembolso integral da dívida por esta garantida”, explica o banco de fomento em comunicado.
O Banco de Fomento realça, em comunicado, que “a operação de investimento, realizada pelo FdCR [Fundo de Capitalização e Resiliência] em parceria com a Mutares, foi submetida a um rigoroso processo de avaliação, tendo merecido, depois de uma análise técnica exaustiva sujeita a pareceres das funções de Controlo Interno, apreciação da Comissão de Auditoria do Banco, a aprovação da Comissão Técnica de Investimento do FdCR e a aprovação do Conselho de Administração do Banco Português de Fomento”.
O que acontece aos acionistas minoritários que estavam na Efacec?
Deixam de estar na empresa. A sua posição diluiu-se por completo, assim como as prestações acessórias que lá tinha metido, que serviram para cobrir prejuízos. Grupo José de Mello e TMG, os minoritários, ficam de fora da Efacec. António Costa Silva garante que não quiseram ir ao aumento de capital.
E, assim, perdem as prestações acessórias que lá tinham e todo o capital. O Governo contabiliza em 309 milhões de euros a perda para estes acionistas.
O que dá a Mutares? Tem prazo para ficar na Efacec?
A Mutares vai entrar, em capital, com 15 milhões de euros. E é esse o valor que injeta em capital na Efacec. Fica também com a obrigação de prestar 60 milhões de euros em empréstimo comercial (o tal trade finance), ainda assim um valor menor que os bancos (94 milhões de euros). António Costa Silva desvaloriza o desequilíbrio de injeção por parte do Estado e da Mutares nesta operação, já que se trata de salvar a Efacec.
“A manutenção da empresa é importantíssima”, salientou o ministro da Economia dizendo que há valores mais altos do que o estritamente financeiro. O acordo “dá condições para a empresa se manter a funcionar”, acreditando na capacidade da Mutares de recuperar o negócio da Efacec e manter os postos de trabalho.
Efacec vendida à Mutares “sem gritos”. Estado entra com mais 160 milhões no fecho da operação
A Mutares, que recebe a Efacec “limpa” de dívida e de prejuízos (foram feitas um conjunto de operações para limpar os prejuízos históricos), fica na Efacec pelo menos durante três anos, sendo a expectativa de que só venda ao fim de cinco anos. Ou até, admitiu António Costa Silva, mais tarde.
O fundo alemão garante que “a Efacec é uma aquisição ideal para o portefólio da Mutares e beneficiará de uma plataforma sólida através da qual gerará melhorias que agregam valor”, assumindo que “este passo permitirá que a empresa recupere uma posição de destaque no mercado e retome o crescimento”, tendo já sido identificadas “sinergias relevantes com outras companhias do portefólio da Mutares”, acreditando que “beneficiará de atraentes novas oportunidades de negócio”.
O que é a Mutares?
A Mutares é um fundo de investimento alemão, cotado na bolsa de Frankfurt, cuja capitalização bolsista é de cerca de 500 milhões de euros. Cerca de 37% do capital é detido pela gestão e membros do conselho de supervisão, o que a empresa considera ser uma demonstração de que os administradores estão empenhados “no processo de criação de valor”. A própria empresa define-se como uma private equity [fundo de investimento] focado em “situações especiais”. Concentra-se em “aquisições de partes de grandes companhias e de empresas de média dimensão que estejam em situações de transição. O objetivo é alavancar o desenvolvimento potencial de empresas alvo em situação difícil”, avançando com um processo de recuperação para as rentabilizar. O foco, lê-se no seu site, são empresas com receitas entre 100 e 750 milhões de euros nos segmentos da automóvel e mobilidade; tecnologia e engenharia; e bens e serviços.
O fundo aponta como objetivo, geral, dos seus investimento produzir um retorno de 7 a 10 vezes o capital investido. Garante, ainda, no seu site que investe a pensar no longo prazo para “dar às nossas companhias o tempo necessário para aumentar as vendas e rentabilidade e expandir a posição de mercado”, assumindo que “a nossa participação” está aproximadamente entre os três e os cinco anos numa empresa. Por não ter qualquer obrigação junto dos seus investidores de permanência nas empresas em que entra, a Mutares descreve-se como holding de investimentos (e não como fundo).
Desde a sua criação em 2008, a Mutares fez mais de 75 aquisições na Europa, contando atualmente com um portefólio de 32 companhias, que geram receitas anuais consolidadas acima dos quatro mil milhões de euros. Algumas das empresas do seu portefólio são a Arriva (transportes públicos), Frigoscandia, ISH, Palmia.
Porque avançou o Estado para esta operação?
António Costa Silva atravessa-se pela venda à Mutares da Efacec. Segundo foi referido pelo Governo a Mutares apresentou a melhor proposta e foi garantido que não era considerado por Bruxelas um auxílio de Estado e que a operação passava sem problemas.
E, também por isso, o ministro da Economia refuta que a balança dos custos da operação sejam desequilibrados a benefício da Mutares. Sem esta operação, a Efacec não era vendida, assume o Governo. E foi a melhor proposta, diz também.
O contrafactual é que a Efacec acabaria por falir e isso o Governo tentou evitar com a nacionalização e com esta venda. Além dos postos de trabalho, mais de dois mil, o Estado quis garantir que uma indústria com quadros altamente qualificados e que tem muitas operações importantes para a transição energética não morria. Ainda mais, a norte. “Dormiria muito mal se mandássemos duas mil pessoas para o desemprego e deixássemos acabar uma empresa de alta tecnologia”, pelo que o Estado tem, no seu entender, de “assegurar quando há falhas desse tipo”. Costa Silva não atribui qualquer problema da empresa à gestão ou ao negócio, mas atira tudo para os acionistas anteriores, nomeadamente Isabel dos Santos, que com o Luanda Leaks levou a que os bancos cortassem a torneira de financiamento. O que iria provocar “dois tsunamis” a norte do país, “depois do fecho da refinaria da Galp”.
“Se tivermos uma fé cega no mercado e deixarmos que os mercados resolvam tudo, os mercados não vão não só resolver tudo, como vão criar problemas. Os mercados por si só são cegos, por isso se fosse pela lógica estritamente financeira era deixar que uma empresa com valor para o país desaparecesse”.
Não foi apenas uma vez que em conferência de imprensa foi referido que a Efacec pagou ao Estado em IRS e segurança social 100 milhões de euros. Além de ter desembolsado 445 milhões de euros entre 2018 e 2022 a fornecedores nacionais, nomeadamente PME. São cerca de 2.800 fornecedores, concretizou António Costa Silva. 180 milhões de euros de compras foram feitas a fornecedores localizados no distrito do Porto.
“Conseguimos que a empresa continuasse a operar e captasse no mercado investimentos que ascendem a 845 milhões de euros”, salientou, ainda, o ministro da Economia, concretizando que estes valores demonstram a capacidade tecnológica da empresa que ainda recentemente ganhou um contrato com a RTE para a modernização e desenvolvimento da rede elétrica em França. A Mutares acredita, segundo as palavras do Governo, que haverá crescimento da atividade da empresa, que está atualmente com EBITDA negativo e com cerca de 100 milhões de volume de negócios, um valor “aquém”. Acreditando a Mutares que pode ir aos 200 milhões.
Falta ainda algum procedimento na venda?
Não. 1 de novembro de 2023 representa o início de um novo ciclo para a Efacec, com 100% do capital nas mãos da Mutares. Ficaram cumpridas, entretanto, todas as condições necessárias. Como o próprio Banco de Fomento revela, “a operação ocorre após a efetivação de um conjunto de condições precedentes, entre as quais se destaca a validação prévia das características globais da transação por parte da DGCOMP [direção geral de concorrência da Comissão Europeia], a anulação total da dívida financeira da Efacec, a disponibilização de novas linhas de trade finance para apoiar negócios futuros e a saída dos anteriores acionistas (ficando a totalidade do capital a ser detida pela Mutares)”.
As aprovações por parte das entidades da Concorrências também já chegaram. E de Bruxelas a garantia de que não se trata de uma operação com auxílios de Estado. “Temos uma declaração de Bruxelas referindo expressamente que [a operação] cumpre o teste de mercado, e, por isso, não será ajuda de estado”, referiu João Nuno Mendes. “Não é um depósito a prazo”, salientou o mesmo responsável, indicando que a taxa de rentabilidade objetiva acordada com Bruxelas anda em torno dos 14%.
O que vai acontecer à Efacec?
O Governo acredita que é tempo de crescimento para a Efacec. A Mutares, salientou o ministro da Economia, firmou o compromisso que iria manter o centro nevrálgico da companhia em Portugal, e que manterá esta “marca de engenharia portuguesa”. “Manter o centro de decisões em Portugal e investir cada vez mais”, preservando a força de trabalho e a capacidade tecnológica. Ainda que possa haver acertos pontuais (como referido pelo ministro da Economia) ao nível dos trabalhadores, a capacidade laboral é para manter.
E a gestão, liderada por Ângelo Ramalho, também deverá continuar, ainda que se junte a ela novos membros da Mutares.
António Costa Silva, a 1 de novembro, quis deixar “uma mensagem de grande serenidade” e de foi resolvido um problema “com dedicação, inteligência e não com gritos”.