O Chega conseguiu eleger mais 36 deputados do que nas últimas eleições legislativas, passou de 12 para 48 (quando ainda não estão contados os votos dos círculos estrangeiros) e nem só de estreantes se faz a bancada. A pesca de André Ventura no PSD surtiu efeito: todos os cabeça de lista que já representaram a bancada laranja conseguiram regressar ao Parlamento. Mas há mais convertidos eleitos: um antigo conselheiro nacional da Iniciativa Liberal e uma ex-deputada do PAN vão passar a sentar-se ao lado de Ventura, depois de ter sido contratada para assessora há dois anos.

Do primeiro luso-brasileiro deputado na Assembleia da República a pastores evangélicos aos assessores que chegaram ao hemiciclo, passando pelo polémico João Tilly das redes sociais. Quem são os novos deputados que se juntam a Ventura?

Os ex-PSD que se sentam ao lado de Ventura

Rui Cristina, que André Ventura fez questão de descrever como o “melhor deputado do PSD na última legislatura”, foi um dos três eleitos pelo círculo de Évora, onde o Chega nunca tinha conseguido eleger. Deputado do PSD até praticamente ao fim da legislatura — altura em que anunciou a saída do PSD por considerar que a liderança de Luís Montenegro estava mais preocupada com “ajustes de contas internos” e “imposição de egos” –, Rui Cristina ainda em novembro disse no Congresso do PSD que “Portugal está à espera e precisa de Luís Montenegro”.

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Agora está encantado com quem faz “política da forma mais bonita, desinteressadamente e com sentimento de missão”. Durante a campanha citou mesmo Sá Carneiro para dizer que “o povo tem sempre correspondido nas alturas de crise e as chamadas elites é que quase sempre o traíram”. Se há alguns meses elogiava Montenegro, agora está certo de que só André Ventura tem conseguido “recuperar a esperança” dos portugueses e “reconquistar os que da política estavam desacreditados”. Feitas as contas, o quinto lugar que tinha nas listas da Aliança Democrática por Faro (e do qual abdicou) não lhe assegurava a eleição, mas ser cabeça de lista do Chega em Évora permitiu-lhe ficar na história como o primeiro deputado de sempre eleito pelo partido de Ventura naquele distrito.

Rui Cristina com André Ventura numa arruada em Évora.

Eduardo Teixeira foi 30 anos militante do PSD e saiu pouco tempo antes de integrar as listas do Chega como independente. Foi deputado entre 2011 e 2015 e entre 2019 e 2022, chegou a ser candidato à Câmara Municipal de Viana do Castelo pelos sociais-democratas, altura em que foi eleito vereador, e ocupou funções em órgãos nacionais e locais do partido. Agora, foi eleito deputado pelo Chega em  Viana do Castelo — mais uma estreia do partido.

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Apresentado como uma das conquistas de Ventura, foi protagonista da campanha da Aliança Democrática quando Rui Rio se juntou a Luís Montenegro, exatamente na cidade de onde é natural e não poupou o ex-social-democrata: “Em Viana do Castelo, custa-me um bocado dizer mal do Chega, já não sabíamos como nos havíamos de ver livres do dr. Eduardo Teixeira e o Chega levou-o, prestaram-nos um enorme serviço.” Agora que regressa ao Parlamento, vai sentar-se numa bancada mais à direita, com juras de que “não tem ódios de estimação” e apenas “orgulho no passado”. “A política não se faz com rancores como hoje se assistiu vindo de Rui Rio”, escreveu logo após as declarações do ex-presidente do PSD.

O deputado do Partido Social Democrata Eduardo Teixeira (E) intervém durante a apresentação e discussão do Relatório sobre a aplicação da Declaração do Estado de Emergência no período de 2 a 16 de março de 2021, na Assembleia da República, em Lisboa, 14 de abril de 2021. TIAGO PETINGA/LUSA

Eduardo Teixeira a discursar na AR, como deputado do PSD, em março de 2021.

Também Henrique de Freitas, que renasceu para a política com a chamada para ser cabeça de lista pelo Chega em Portalegre, tem um percurso feito no PSD. Militante desde 1979, foi secretário de Estado da Defesa dos governos de Durão Barroso e Pedro Santana Lopes, deputado durante seis anos e chegou a ser vice-presidente da bancada parlamentar do PSD. Em 2009 foi despromovido vários lugares na lista por Lisboa, desistiu de ser candidato e não mais regressou à Assembleia da República.

Em 2023 decidiu desfiliar-se do PSD por sentir que “Portugal mudou”, que “a sociedade evoluiu” e viu no Chega o partido onde se está a reunir “gente afastada da política, gente de vários quadrantes partidários e gente, acima de tudo, de bom senso”. Aceitou o convite para “para juntar a experiência à mudança” — e acabou por ser um dos dois deputados eleitos por Portalegre, sendo este um dos círculos em que o Chega conseguiu ficar à frente da Aliança Democrática, que não elegeu nenhum.

Henrique de Freitas numa entrevista ao Observador na Convenção do Chega. DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

António Pinto Pereira começou a aproximar-se do Chega quando ainda era militante do PSD, participou em eventos e ajudou a preparar a proposta de revisão constitucional do Chega, mas acabou por ver em André Ventura o rosto da mudança. Anunciou-o nas redes sociais, onde escreveu que iria entregar a sua “espada para combater por Portugal” ao presidente do Chega depois de ter assistido a “tantos erros” nas estruturas do PSD. Nessa altura, o nome de Pinto Pereira ia ganhando força como um possível candidato às eleições europeias por ter o perfil certo para o cargo — já para não falar que além de advogado é comentador televisivo e permitia ao Chega ter uma presença que nem sempre acontecia.

A queda do Governo de António Costa trocou as voltas aos planos do Chega e António Pinto Pereira surgiu como candidato a cabeça de lista por Coimbra, um círculo onde há dois anos o partido não tinha tido a capacidade de eleger — uma história que agora teve outro final. Em Coimbra, não só Pinto Pereira foi eleito como também o número dois, Eliseu Neves. Foi durante vários anos membro da assembleia de freguesia da União de Freguesias de Portunhos e Outil, em Cantanhede, para onde foi eleito nas listas do PS como independente. Acabou filiado no Chega e foi candidato à Câmara Municipal de Cantanhede nas últimas eleições autárquicas. É agora um dos 48 deputados eleitos para o Chega.

A ex-PSD que não queria Hugo Soares na liderança da bancada

Já não é a primeira vez que é cabeça de lista pelo Chega em Vila Real, já tinha sido nas legislativas de 2022, mas só agora conseguiu ser eleita. E se agora muitos deputados do PSD fazem parte das listas do Chega, Tender foi a primeira cabeça de lista com esse estatuto. Depois de ter sido parlamentar social-democrata de 2011 a 2019, acabou afastada das listas e desfiliou-se do partido em 2020.

Na história da passagem pelo Parlamento fica o momento em que enviou um e-mail a todos os deputados do PSD a sugerir que deveria haver uma candidatura alternativa à de Hugo Soares para a liderança da bancada parlamentar — na altura em que Luís Montenegro deixava o cargo. Deixando claro que não se se tratava de “nada de pessoal”, Manuela Tender considerava que havia “grandes ativos do PSD” que numa fase “complexa” deveriam assumir a liderança da bancada para “enfrentar eficazmente os difíceis combates” que se avizinhariam. Hugo Soares acabou mesmo por ser eleito e Tender perdeu lugar nas eleições seguintes.

No Chega também não teve vida fácil e as próprias estruturas locais, distrital e concelhias de Vila Real decidiram assumir a “discordância em absoluto” com a indicação de Tender. “Apareceu para ser candidata e desapareceu, nunca deu qualquer contributo, nunca perguntou se era preciso alguma coisa”, contava ao Observador um dirigente, na altura em que as listas foram conhecidas.

O ex-IL que foi eleito pelo Chega

Não só de ex-PSD se constrói a bancada do Chega. Nuno Simões de Melo vem da Iniciativa Liberal, chegou a encabeçar uma lista ao Conselho Nacional e foi eleito. Considerado o líder da ala de “liberais clássicos” que procuravam espaço na IL, Nuno Simões de Melo acusou o partido de apostar num caminho muito mais próximo da esquerda e da “cultura woke” e encontrou no Chega partido que “não cede à agenda woke, a políticas identitárias ou a qualquer outra derivação moderna da anacrónica luta de classes marxista”, pelo que encontrou um “espaço de liberdade” onde pode apresentar os seus pontos de vista “de forma franca, podendo ser rebatido de forma leal”.

Filiou-se mesmo no Chega, ajudou o partido na construção do programa eleitoral e acabou escolhido por André Ventura para encabeçar a lista da Guarda, onde só são eleitos três deputados e o PS perdeu um para o Chega. Apesar de ter chegado de paraquedas e de inicialmente a escolha não ter agradado às estruturais locais, acabou por ser integrado e no comício na Guarda durante a campanha já admitiu sentir-se em casa. Agora vai sentar-se ao lado dos ex-colegas de partido.

O salto do PAN

Foi deputada eleita pelo PAN, tornou-se não inscrita algum tempo depois e acabou como assessora do Chega quando o partido de André Ventura conseguiu eleger 12 deputados para a Assembleia da República. A opção do presidente do partido saiu-lhe cara, viu muitos militantes descontentes porque Cristina Rodrigues estava ideologicamente distante do Chega e por ter criticado as opções do partido (“É do IRA, que chama assassinos às pessoas que estão envolvidas nas corridas de touros”) e levou mesmo à desfiliação de várias pessoas.

Aos poucos, Cristina Rodrigues foi ganhando força dentro do partido e do núcleo duro, de tal forma que coordenou o programa eleitoral com que o partido foi a votos, e André Ventura acabou por colocá-la no terceiro lugar do círculo do Porto. Acabou eleita e voltará a sentar-se no hemiciclo da Assembleia da República, bem longe da porta-voz do partido que já representou, Inês Sousa Real.

Cristina Rodrigues no Congresso do Chega. DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A professora que vai para o Parlamento

Não deputada, mas ex-PSD é também Diva Nélia, que é professora de matemática num colégio em em Vila Nova de Milfontes. A professora, que diz que ensinar é uma missão, contou à CNN que entrou na JSD com 12 anos e permaneceu militante nos sociais-democratas até há quatro anos, altura em que decidiu juntar-se ao partido de André Ventura. Conseguiu ser eleita por Beja, onde a CDU perdeu um deputado e houve uma distribuição igualitária entre PS, AD e Chega. Agora que conseguiu a eleição, vai suspender a profissão de professora e dedicar-se ao Parlamento.

O polémico das redes sociais

Há muito que João Tilly é uma das figuras mais polémicas do Chega. É presidente do Conselho Nacional do partido, tem milhares de seguidores nas redes sociais, em particular no YouTube, e por várias vezes se viu envolvido em polémicas por dizer ser contra as vacinas (mas acabou vacinado), por ataques à comunicação social ou até por misoginia, ao já ter feito, por exemplo, gestos insultuosos relativos ao peso de Inês Sousa Real durante uma convenção do Chega. Tilly já esteve suspenso da rede social X (antigo Twitter), mas mantém a partilha de informação em todas as redes sociais. Um dos mais críticos da comunicação social, dirige-se a jornalistas como “jornalekos e comentekos e outros bonekos do Partido da Comunistação” e diz que são “roskofs”, dedicando muitos minutos à forma como a comunicação social acompanha o Chega.

Depois de ter falhado a eleição nas legislativas de 2022, foi o primeiro deputado eleito pelo Chega nestas eleições e ainda houve espaço para eleger o número dois pelo círculo eleitoral de Viseu.

João Tilly foi eleito deputado pelo círculo de Viseu. DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Os assessores que chegaram à bancada

Patrícia Carvalho, ex-jornalista e assessora do Chega desde que André Ventura chegou ao Parlamento como deputado único, foi eleita deputada no círculo de Setúbal, em que era a número dois logo a seguir à cabeça de lista Rita Matias. É a responsável pela comunicação do partido e a pessoa que faz a ponte com os jornalistas, mas também a responsável pelas redes sociais do partido.

Bernardo Pessanha, que se juntou ao Chega depois da conquista do primeiro grupo parlamentar, já tinha estado na Assembleia da República a trabalhar para o PSD como assessor para a área da educação e chega agora à bancada parlamentar do Chega. Nos últimos anos esteve na equipa de comunicação do partido, mas antes trabalhou vários anos na Nextpower, do grupo LPM, uma consultora de comunicação. Estava em segundo lugar em Viseu, a seguir a João Tilly e assegurou o assento na bancada de 48 deputados.

Também Rodrigo Taxa, que também trabalha no grupo parlamentar do Chega conseguiu a eleição que lhe tinha escapado nas eleições de 2022. Já foi presidente do Conselho de Jurisdição do partido, fazia parte do núcleo mais duro de André Ventura, e apesar de ter perdido algum espaço nos últimos tempos, conseguiu alcançar o lugar de deputado e pode recuperar algum desse protagonismo.

Marta Trindade é vice-presidente do Chega, tinha sido promovida ao ser colocada como número três da lista por Lisboa e chega agora ao Parlamento. No congresso de Coimbra foi convidada por André Ventura para entrar na direção e a partir daí tem estado sempre presente: apesar de ter falhado a eleição pelo terceiro lugar no Porto em 2022 ficou a trabalhar no grupo parlamentar e recebeu agora a recompensa.

Ricardo Regalla, que está há muito no núcleo duro de Ventura, ficou responsável pelas relações internacionais e é funcionário do partido, também chegou ao Parlamento. Colocado no quinto lugar por Lisboa, não teve dificuldades em ser eleito e é um dos mais próximos de Ventura que se junta à bancada.

O primeiro luso-brasileiro (e bolsonarista) no Parlamento

Nascido no Brasil, Marcus Santos é atleta de artes marciais mistas e dono de uma escola que ensina essas modalidades. Depois de ter estado emigrado nos EUA, o recém-eleito deputado chegou a Portugal em 2009 e obteve a nacionalidade portuguesa. No Brasil, apoiou os protestos contra a ex-presidente Dilma Rousseff e assumiu-se como apoiante de Jair Bolsonaro e em Portugal decidiu envolver-se na política através da filiação no Chega.

É uma das figuras do Chega que mais dá nas vistas nas convenções do partido por discursos que levantam a plateia. Na última reunião magna, fez continência à bandeira nacional após um discurso — um ato elogiado por André Ventura —, mas em Santarém chegou a fazer um discurso para garantir que se o Chega fosse xenófobo o próprio não tinha lugar, mas que se “fosse homofóbico, vocês [comunicação social] não estariam aqui”. As críticas à comunicação são uma constante e fazem parte do discurso de Marcus Santos. Foi eleito pelo círculo do Porto, onde seguia no quinto lugar da lista.

Os evangélicos que chegaram ao Parlamento

O número quatro eleito pelo círculo de Setúbal é evangélico e pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular. À revista Sábado, Daniel Teixeira reconhece que uma das suas grandes referências é o professor Olavo de Carvalho, um dos ideólogos de Jair Bolsonaro, e Rita Matias chegou a dizer, no podcast Geração V, uma parceria do Eu Voto com o Observador, que há mais evangélicos nas listas, frisando que o Chega “conseguiu sentar muitas pessoas diferentes” à mesa, com “evangélicos, católicos e ortodoxos juntos porque encontram causas comuns”.

Outro evangélico é Pedro Correia, que é vice-presidente da distrital em Santarém e pastor assistente na Nova Aliança Igreja Cristã de Rio Maior. Foi o segundo a ser eleito pelo círculo de Santarém, onde o Chega conseguiu a eleição de três deputados. É maestro e professor de música no Conservatório de Música de Santarém.