Índice
Índice
Foi um ataque “premeditado, calculado e coordenado”. Um grupo que ainda não foi identificado pelas autoridades francesas destruiu esta madrugada pontos nevrálgicos da rede de caminhos de ferro francesa, no dia da cerimónia da abertura dos Jogos Olímpicos. Os constrangimentos foram muitos cerca de 800.000 passageiros foram afetados e esperaram durante horas para apanhar o comboio e será preciso até segunda-feira para tudo voltar à normalidade. Ainda assim, até ao final desta sexta-feira, mantém-se o mistério: quem terá estado por trás deste ataque que tantas disrupções causou?
Surgiram várias teorias nas últimas horas. O Ministério Público francês está a investigar quem tentou “prejudicar os interesses vitais da nação”, as autoridades e os serviços secretos franceses também estão no terreno. Porém, até agora ninguém foi detido e publicamente nenhum governante se atreveu a apontar responsabilidades. O primeiro-ministro francês demissionário, Gabriel Attal, pediu “cautela”, ainda que tenha confirmado que o ataque foi sofisticado e obrigava a um conhecimento detalhado sobre como funcionava a rede de caminhos de ferro.
As principais suspeitas recaem sobre grupos de extrema-esquerda ou de ativistas radicais ligados ao movimento ambientalista, uma vez que o modus operandi lembra alguns ataques passados. Mas também se especula que a Rússia, que não participa diretamente nestes Jogos Olímpicos (os atletas russo e bielorussos não podem usar a sua bandeira), ou grupos islâmicos poderão estar por detrás do que aconteceu.
Ataque a linhas de comboio em França: o que se sabe e o que falta saber?
Entre as autoridades francesas, reina exatamente a cautela pedida pelo primeiro-ministro francês que está de saída (só haverá novo governo francês depois dos Jogos, anunciou Macron). Não obstante, na cena internacional, o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Israel Katz, acusou diretamente o “eixo do mal” liderado pelo Irão por estar ligado ao atentado. As acusações foram, no entanto, rapidamente desmentidas pela diplomacia iraniana, que as classificou como “ridículas”.
A tese mais plausível, mas que está longe de estar confirmada: grupos de extrema-esquerda
A situação política em França é tensa. No rescaldo das últimas eleições legislativas francesas, o país mergulhou num clima de indefinição. A Nova Frente Popular, a aliança que aglutina desde partidos de centro-esquerda até comunistas, ganhou o ato eleitoral, mas ficou muito longe de uma maioria absoluta. A coligação centrista do Presidente francês, Emmanuel Macron, ficou em segundo, seguindo-se a União Nacional, de extrema-direita.
Neste contexto incerto em que não há condições para formar um governo estável, uma ação que desestabilizasse os Jogos Olímpicos — organizados durante o mandato de Emmanuel Macron — poderia ser encarada como uma forma de protesto político, principalmente por forças radicais de esquerda.
De acordo com o Le Parisien, os serviços de informações estão a tentar determinar a origem desta sabotagem. Àquele jornal, uma fonte das autoridades franceses reconheceu que os métodos utilizados para criarem problemas na rede de caminhos de ferro (nomeadamente o facto de se ter colocado fogo para eliminar provas) recorda o que fizeram grupos de extrema-esquerda no passado.
Aliás, esta tese — de que teria sido um grupo de extrema-esquerda ou então de ambientalistas radicais — é a que mais consenso reúne entre os serviços de segurança franceses, disse a mesma fonte ao Le Parisien. Para sustentar esta teoria, conta ainda o facto de serem grupos radicados em França e, por conseguinte, terem conhecimento do terreno e dos caminhos de ferro. Adicionalmente, poderá ter havido cumplicidade entre os trabalhadores que gerem a rede ferroviária em França, a SNCF, e os sabotadores.
À BFMTV, o analista de segurança Guillaume Farde assinalou que os “olhos estão virados” para a “extrema-esquerda”, recordando que houve “apelos à sabotagem, obstrução e perturbação na organização dos Jogos Olímpicos” por grupos políticos daquela ideologia. “É o modus operandi habitual”, destacou o especialista, acrescentando que houve uma tentativa frustrada de um ataque idêntico em Marselha, quando a chama olímpica chegou àquela cidade a 8 de maio.
Neste sentido, ganha solidez a possibilidade de terem sido pessoas que vivem em França e que conhecem os caminhos de ferro. Como lembra o Le Figaro, foi colocado material explosivo perto da linha do TGV a 8 de maio, algo que também aconteceu nestes ataques. No entanto, as autoridades frustraram esta tentativa de ataque, que ainda está, atualmente, a ser investigada.
A hipótese Rússia e o ataque na Alemanha
O Comité Olímpico Internacional não permitiu que os atletas da Rússia — e da sua aliada Bielorrússia — participem sob a bandeira dos dois países. Na origem da decisão está a invasão da Ucrânia. Os desportistas podem participar nos Jogos Olímpicos, mas sob bandeira neutra e sem ouvir o hino em caso de medalhas. Também não podem ter apoiado o conflito militar que ocorre em território ucraniano. Feitas as contas, apenas 17 bielorrussos e 15 russos aceitaram estas condições.
Como relata o Financial Times, o evento está a ser acompanhado de forma pouco entusiasta na Rússia. A televisão estatal russa nem sequer transmitirá os Jogos Olímpicos, a primeira vez em 40 anos. Em conflito direto com o Ocidente por causa da guerra na Ucrânia, Moscovo tem todo o interesse em criar problemas a estes Jogos como forma de retaliar contra o isolamento a que o país está sujeito.
Além disso, a França também tem sido um dos maiores apoiantes da Ucrânia, e recentemente enviou caças e equipamento militar, com o intuito de que Kiev consiga resistir à invasão russa. Ora, de acordo com o The Telegraph, o Presidente russo poderá querer retaliar contra o seu homólogo francês. Como fazer isso? Com os Jogos Olímpicos a correrem mal, passando a ser uma humilhação para Emmanuel Macron.
Assim sendo, as autoridades francesas estão bastante atentas a como Rússia pode criar distúrbios nestes Jogos Olímpicos. Ainda esta terça-feira, um chefe de cozinha de 40 anos foi detido por ligações ao ramo dos serviços secretos russos, o FSB. O cidadão de nacionalidade russa, que vivia em território francês há 14 anos, estava a organizar atividades que visavam perturbar a realização do evento.
Em relação ao ataque contra a rede ferroviária francesa, não existe nenhuma ligação direta à Rússia. Mas tendo em contas as tensões existentes entre Paris e Moscovo, não seria de estranhar que possa ter sido o Kremlin a levar a cabo este ataque massivo no dia da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos.
O Wall Street Journal recorda que houve um ataque idêntico em outubro de 2022 na Alemanha. Na altura, cabos de comunicação nos caminhos de ferro foram cortados, algo que também aconteceu na madrugada desta sexta-feira em França. A rede ferroviária germânica ficou fortemente congestionada, principalmente no norte do país. As autoridades alemãs suspeitam de que terá sido a Rússia por detrás do ataque, se bem que nunca tenham confirmado a sua autoria.
Irão ou grupo islâmico?
Paris foi palco de violentos ataques terroristas em 2015 e foi o Daesh a levá-los a cabo. Em relação ao que aconteceu esta sexta-feira, o modus operandi do autodeterminado Estado Islâmico é, porém, bastante distinto; os seus atentados costumam ter outras proporções e causar vítimas mortais.
Enquanto a França manteve a tal cautela, Israel apontou diretamente o dedo ao Irão. No X (antigo Twitter), o chefe da diplomacia israelita denunciou que a “sabotagem da infraestrutura ferroviária” foi realizada pelo “eixo do mal do Irão e o Islão radical”. Israel Katz sublinhou que avisou esta semana o seu homólogo francês, Stéphane Séjourné, de que Telavive tinha informações de que os “iranianos estavam a planear ataques terroristas contra a delegação israelita e contra os participantes olímpicos”.
The sabotage of railway infrastructure across France ahead of the @Paris2024 Olympics was planned and executed under the influence of Iran's axis of evil and radical Islam. As I warned my French counterpart @steph_sejourne this week, based on information held by Israel, Iranians…
— ישראל כ”ץ Israel Katz (@Israel_katz) July 26, 2024
À exceção desta publicação no X do ministro israelita, poucas são as provas que sustentam que o Irão esteja por detrás do ataque. Mesmo assim, Teerão e outros grupos islâmicos não veem com bons olhos a presença de Israel nestes Jogos — e tem havido protestos contra a presença israelita no maior evento desportivo mundial.
Em resposta, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irão, Nasser Kanaani, rejeitou as acusações de Israel Katz. Também no X, o responsável escreveu que esta é uma “tentativa desesperada” de Telavive “distrair a opinião pública do genocídio na Palestina”.
اتهامات و نفرت پراکنی های وزیر رژیم کودککُش اسرائیل علیه جمهوری اسلامی ایران در مورد #المپیک_۲۰۲۴_پاریس، تلاشی مذبوحانه برای منحرف کردن افکار عمومی جهان از نسلکُشی در #غزه و فرار رو به جلو در برابر خشم و نفرت جهانی از جنایات جنگی این رژیم علیه مردم مظلوم #فلسطین است.
اینگونه… pic.twitter.com/dFCCLBAFoG— Nasser Kanaani (@IRIMFA_SPOX) July 26, 2024
“Estas acusações são contra os princípios de paz e amizade dos Jogos Olímpicos e são outro exemplo de que Israel não adere aos valores e normas internacionais”, prosseguiu Nasser Kanaani, acrescentando que são “cruéis e ridículas”. O porta-voz da diplomacia iraniana desejou ainda “sucesso ao governo francês” para “organizar o maior evento desportivo” em “total segurança”, salientando que uma delegação de atletas do Irão estará em Paris.