O peso dos impostos por litro de gasóleo e de gasolina atingiu esta semana o valor mais alto desde abril de 2022, na sequência do ciclo de subidas que tem penalizado mais o diesel.
O ministro das Finanças tem, até agora, resistido a adotar novas medidas — Fernando Medina disse que só agirá se for absolutamente necessário. Já o Presidente da República foi claro ao afirmar, um dia depois, que “certamente o Governo estará a preparar medidas”. A pressão também vem dos mercados acrescida pelo anúncio feito esta quinta-feira pela Rússia de suspensão temporária das exportações de combustíveis. Para já, não há impacto nos preços em Portugal que no caso do diesel até vão descer na próxima semana — um cêntimo, mas os fatores que puxam as cotações para cima não desapareceram.
Eventuais medidas passam necessariamente pela via fiscal, já que o Governo não tem qualquer controlo sobre a parte do preço que resulta das cotações internacionais e dos custos e preços da indústria. Mas se é claro que existe margem orçamental para cortar no imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) — considerando o excedente gerado pelo crescimento na receita de outros impostos — já os instrumentos para mexer no preço do gasóleo estão agora mais limitados do que no ano passado. E porquê?
Por causa da decisão de política fiscal — que o Ministério das Finanças nunca quis explicar — de iniciar a recuperação do imposto cortado pelo descongelamento da taxa de carbono, mantendo a descida extraordinária na taxa do imposto petrolífero. Quem o diz são os fiscalistas Rogério Ferreira Fernandes e Manuel Teixeira Fernandes numa newsletter da RFF & Associados sobre o aumento dos combustíveis.
“Ao optar, então, por aumentar a taxa do CO2, em desfavor da taxa do ISP, o Governo ficou sem a possibilidade de baixar, agora, a taxa do ISP do gasóleo (fixada em €323,5 por mil litros), porque esta taxa já está abaixo do mínimo comunitário (fixada em €330,00 na Diretiva 2003/96). É este o motivo pelo qual o Governo se serve do argumento de que já baixou a taxa do ISP abaixo do mínimo comunitário”. O mesmo não sucede com a gasolina.
Na leitura feita por estes fiscalistas, o Executivo sente-se “inibido” de compensar a folga que está a ter na receita do IVA, devolvendo esse ganho através de um desconto do ISP — este foi um compromisso político assumido logo no início da crise energética ainda no final de 2022. E terá sido por isso, acrescentam que “no final de agosto, também não baixou as taxas do ISP, como vinha acontecendo todos os finais dos meses em que tal se justificou”.
Para quem paga é o mesmo, mas para quem recebe há diferença
Do ponto de vista de quem paga é relativamente indiferente se a carga fiscal está no imposto petrolífero ou na taxa de carbono (que surge integrada neste). Mas para os destinatários da receita, faz toda a diferença. Enquanto o ISP é uma receita normal de impostos que vai para o bolo do Orçamento do Estado, a taxa de carbono serve para financiar políticas de sustentabilidade e transição energética e vai para o Fundo Ambiental. Este instrumento tem sido a grande fonte de financiamento dos investimentos em transportes públicos e na contenção dos custos da fatura elétrica.
Sem margem para cortar mais o imposto petrolífero (no gasóleo), a única alternativa para intervir no preço é diminuir a taxa de carbono, mas os fiscalistas alertam que o Ministério do Ambiente pode opor-se. Não só porque tem muito onde gastar a receita, mas também porque o consumo de combustíveis está acima dos níveis registados no ano anterior ao da pandemia, e que o objetivo desta taxa é também desmotivar o recurso aos combustíveis fósseis.
Esta semana, o gasóleo, que ainda é o combustível mais vendido em Portugal, aumentou 5,3 cêntimos por litro. Ainda que a evolução recente, como sublinhou o ministro das Finanças, não seja culpa da fiscalidade, mas sim da valorização do petróleo, a verdade é que o imposto cobrado pelo Estado por cada litro tem vindo a subir.
Por um lado, há o efeito do descongelamento da taxa de carbono que desde abril subiu 8 cêntimos por litro. Em cima disso, a subida do preço antes de impostos faz elevar o IVA cobrado, que acaba por contribuir, ainda de forma mitigada para o agravamento do preço final. Desde que se consolidou o aumento semanal do gasóleo, a partir de julho deste ano (e com algumas breves interrupções), o IVA cobrado por litro cresceu 6 cêntimos.
O preço médio semanal do diesel reportado pela Direção-Geral de Energia e Geologia para esta segunda-feira, cujo preço final fixou-se nos 1,805 euros, indica que entre imposto petrolífero (que inclui a taxa de carbono) e IVA, o Estado está a arrecadar 80 cêntimos por litro. É preciso recuar a abril de 2022 para encontramos um valor mais elevado — 82,6 cêntimos.
O peso dos impostos caiu de forma significativa em maio do ano passado, em resultado da descida extraordinária do imposto petrolífero aprovada pelo Governo para replicar o efeito da aplicação de uma taxa de IVA mais baixa — de 13% — para a qual Bruxelas nunca deu autorização. Essa medida, uma das primeiras de combate à inflação no setor da energia (em consequência da guerra na Ucrânia) levou a uma redução dos impostos cobrados por litro de 13 cêntimos numa só semana. Entre maio de 2022 e a terceira semana de setembro, a carga fiscal por litro de gasóleo saltou 11 cêntimos.
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Na gasolina, o aumento da cobrança fiscal também atingiu esta semana o valor mais alto desde abril do ano passado, de 93,5 cêntimos por litro. Em setembro deste ano, a cobrança fiscal por litro na gasolina está 8 cêntimos por litro acima da de maio do ano passado. A gasolina tem sido mais poupada no mais recente ciclo de subidas — até baixou residualmente esta semana. Esta estabilização conduziu a uma reaproximação entre os preços dos dois combustíveis que atualmente estão separados apenas por cinco cêntimos por litro, com a gasolina a custar mais.
Porque sobem os preços? Não há culpa fiscal?
O ministro das Finanças assegurou que os impostos não são responsáveis pelos aumentos das últimas semanas, porque o Governo interrompeu a recuperação da taxa de carbono que deveria estar em vigor caso se tivesse aplicado em 2022 e 2023 a atualização anual que segue a evolução das cotações do mercado internacional do carbono. Mas esse argumento só vale para as subidas mais recentes. Ainda no final de julho, e já com sinais de inversão da tendência de baixa nos mercados internacionais, o Executivo carregou nos preços finais com mais um descongelamento da taxa de carbono.
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Segundo cálculos feitos pelo diretor-geral da APETRO (associação das petrolíferas), a taxa de carbono em vigor este ano deveria ser de 17,7 cêntimos na gasolina e de 19,4 cêntimos no gasóleo. Atualmente, essa taxa está nos 12,8 cêntimos por litro na gasolina e nos 13,9 cêntimos no gasóleo, o que significa que no primeiro caso o descongelamento foi de 7,3 cêntimos e no segundo de 8 cêntimos por litro, acrescenta António Comprido.
Quanto à expetativa manifestada por Medina de que a recente alta dos preços seja um pico temporário (só se não for é que o ministro admite agir) — António Comprido diz que os fatores estruturais que têm motivado as subidas mantêm-se: os cortes na produção de petróleo por parte da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e o aumento da procura, que podem ser mitigados ou exacerbados pelo câmbio do euro face ao dólar e pelas margens de refinação.
Fonte oficial da Galp, a única refinadora nacional, acrescenta que a menor pressão sobre os preços da gasolina nesta altura do ano reflete tradicionalmente o final da driving season (viagens de férias) nos Estados Unidos – que também pressiona em alta os preços da gasolina no final da primavera. A valorização do gasóleo reflete mais diretamente a subida das cotações do crude em resultado dos cortes de produção promovidos pela Arábia Saudita e Rússia.
Já em agosto, a Agência Internacional de Energia antecipava um ano recorde na procura de petróleo e a valorização adicional dos preços. O banco de investimento Goldman Sachs prevê que o crude se situe nos 100 dólares por barril nos próximos 12 meses na sequência do prolongamento do corte da produção por parte da OPEP até final do ano. E esta quinta-feira, a Rússia anunciou que vai suspender as exportações de gasóleo e outros produtos petrolíferos para fora do círculo de países aliados com o objetivo de estabilizar o mercado interno de combustíveis. O anúncio fez valorizar o petróleo para mais de 94 dólares por barril em Londres e as cotações dos produtos refinados que servem de referência para a atualização dos preço dos combustíveis.
A Rússia é o maior fornecedor de gasóleo mundial e apesar de muitos países europeus, como Portugal, terem desde o ano passado interrompido a compra de produtos petrolíferos por causa da invasão da Ucrânia, este anúncio irá provocar uma pressão acrescida no mercado do gasóleo cujos preços já se estavam a ressentir desta dependência dos fornecimentos russos.
A Galp admite que vai ter de importar mais produtos petrolíferos, incluindo combustíveis devido à paragem para manutenção da refinaria de Sines que vai durar dois meses — e a empresa já não conta com a refinaria de Matosinhos. Mas isto numa resposta dada antes de ser conhecido o efeito no mercado do anúncio russo afastou impacto no preço. “Não é expectável qualquer impacto na formação de preços, que continuarão a refletir as cotações dos produtos nos mercados europeus.”