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Fim do oceano Atlântico a partir de Gibraltar: o que uma investigação que durou dez anos revela sobre sismos como o de 1755

Estudo sugere que o Atlântico vai entrar em declínio com a migração da zona de subducção do Mediterrâneo para o oceano. Autores descrevem oportunidade rara de olhar para um fenómeno transformador.

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A morte do Oceano Atlântico não é um “se”, é uma certeza. Já a forma como vai acontecer é um ponto de debate e investigação por parte da comunidade cientifica. Um recente estudo sugere que o fim do vasto oceano estará diretamente relacionado com a zona de subducção (zona em que uma placa tectónica se sobrepõe a outra) situada abaixo do estreito de Gibraltar e que, acreditam os autores, permanece ativa e a caminhar lentamente em direção ao Atlântico. Essa zona é também uma “candidata muito forte” a provocar alguns sismos de grandes dimensões na região, como poderá ter sido o caso do terramoto de 1755, que arrasou a cidade de Lisboa e atingiu com força Setúbal e o Algarve.

O estudo, publicado em fevereiro na Geology, a revista cientifica número um na área da geologia, não se esgota nas previsões de que o Atlântico pode estar prestes a entrar numa fase de declínio, mas lança questões sobre a sismicidade na região. “É que se esta zona de subducção está ativa, vai haver sismos de grande magnitude ali. E, portanto, isso tem uma implicação real para nós, à nossa escala de tempo”, destaca em declarações ao Observador João Duarte, investigador do Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e um dos autores do estudo. Foi precisamente a procura das fontes de sismos como o “estranho” terramoto de 1755 que serviu de mote para o início da investigação, que se prolongou durante dez anos.

Através de modelos tridimensionais e corridos em supercomputadores, a equipa de investigadores, dividida entre Lisboa e a cidade alemã de Mainz, conseguiu simular o processo de subducção da zona de Gibraltar nos últimos 30 milhões de anos e prever a sua evolução nos próximos 50 milhões. Por essa altura, poderá já estar ao largo de Portugal. A partir daí, ninguém sabe, mas espera-se que se venha a formar um anel de fogo — não muito diferente do que está a destruir a placa tectónica sobre a qual assenta o Pacífico — que acabará por engolir o oceano. A mesma equipa está agora a testar esses possíveis cenários.

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Entre Mainz e Lisboa, os dez anos de investigação para detetar o início do fim do Oceano Atlântico

Embrenhados em discussões científicas nos jardins da Universidade de Monash, em Melbourne, o português João Duarte e o francês Nicolas Riel, há dez anos estudantes de pós-doutoramento e cientistas em início de carreira, estavam longe de imaginar que viriam a detetar pistas sobre o que pode ser o início da morte do Oceano Atlântico. O português tinha acabado de terminar o doutoramento, focado no mapeamento das falhas tectónicas a sudoeste da costa portuguesa, no Golfo de Cádis, e queria continuar a estudar os processos junto a Gibraltar. O francês, que estudara processos de placas na zona do Equador, queria modelar as mais variadas regiões, numa altura em que os softwares disponíveis estavam longe de permitir os resultados que almejava.

João Duarte explica que dessas “conversas de jardim” surgiu uma colaboração de longa data, que partiu, à semelhança de outros estudos que conduziu, do “estranho” caso do sismo de 1755. Afinal, como se podia explicar que a magnitude desse terramoto fosse tão elevada quando tal é característico de zonas de subducção e as maiores se concentram no anel de fogo do Pacífico? Ou havia uma nova zona de subducção a nascer à margem de Portugal ou a subducção no estreito de Gibraltar, que muitos cientistas davam como praticamente morta, estava na verdade ativa.

"Aqui, em Gibraltar, podemos estar a ver precisamente o momento em que uma zona de subducção está a passar de um oceano para o outro. É um caso único, não existe em mais lugar nenhum do mundo."
João Duarte, investigador do Instituto Dom Luiz

A primeira hipótese esbarrava em si própria. As zonas de subducção, caracterizadas por alguma sismicidade e que fazem com que os oceanos fechem, não surgem espontaneamente. É preciso que as placas se partam junto às suas margens e que uma comece a mergulhar por baixo da outra. “Isto era um um paradoxo, porque é preciso forças tectónicas difíceis de conceber em oceanos do tipo Atlântico”, refere. A outra opção, já explorada em vários artigos, de que é possível estas zonas migrarem para outros locais, parecia mais provável. E porque não a partir do Mediterrâneo, outrora um grande oceano chamado Tétis, que se situava entre a África e a Eurásia e está agora a desaparecer.

No próprio Atlântico, que nasceu quando o grande bloco que continha todos os continentes (Pangeia) se fragmentou, já existem duas zonas de subducção totalmente desenvolvidas e que invadiram o oceano há vários milhões de anos, aparentemente vindas do Pacífico: o Arco da Escócia, perto da Antártida, e o Arco das Pequenas Antilhas, nas Caraíbas. A hipótese de que o mesmo pudesse acontecer com a zona de subducção do Mediterrâneo era tentadora, não fosse o caso de se pensar que o processo já não estava ativo, porque tinha diminuído drasticamente nos últimos cinco milhões de anos. Estava a mover-se muito lentamente, como mostravam as medições através de GPS, e atividade sísmica tornara-se praticamente inexistente.

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O Oceano Atlântico nasceu quando a Pangeia, o grande bloco que continha todos os continentes, se fragmentou

Universal Images Group via Getty

O que os modelos desenvolvidos pela equipa de João Duarte permitiram descobrir é que este abrandamento é natural e não significa o fim do processo. Vai existir um período de dormência, de entre cinco a dez milhões de anos, mas a partir daí a atividade começa a acelerar outra vez. “É como se fosse a passar um gargalo de uma garrafa. Ou seja, fica espremida, apertada, o que faz com que a atividade diminua, mas não acabe”, ilustra. Esta foi para o autor a parte mais surpreendente dos modelos. “Aqui, em Gibraltar, podemos estar a ver precisamente o momento em que uma zona de subducção está a passar de um oceano para o outro. É um caso único, não existe em mais lugar nenhum do mundo“, sublinha.

[Os modelos mostram a evolução da zona de subducção do Mar Mediterrâneo]

O modelo tridimensional de alta resolução prevê que a zona de subducção vai continuar a entrar pelo Atlântico adentro e crescer. Deverá estar completamente desenvolvida daqui a 20 milhões de anos e nos próximos cerca de 100 milhões de anos poderá vir a ligar-se com as outras duas zonas de subducção que já existem do outro lado do oceano, acabando por formar um anel de fogo. “Isto significa que daqui a 100 milhões de anos podemos ter o Oceano Atlântico cheio de zonas de subducção, com cadeias de montanhas nas suas margens, vulcões, e que será, no fundo, o que vai permitir que o Oceano Atlântico feche”, refere o investigador.

Até lá podemos contar que, estando a zona de subducção ativa, se vão acumulando tensões que podem resultar em sismos de elevada magnitude. “Apesar de estar dormente, ela está a mexer devagarinho. Ou seja, pode demorar mais tempo a acumular tensões, mas estas vão acabar por ser libertadas e pode haver ali sismos de grande magnitude”, acrescenta. Sobre a origem do sismo de 1755, diria que há uma forte possibilidade de ter vindo da zona de subducção. “Há uns que nós sabemos que não foram de certeza naquele sítio, como o sismo de 1969, um bocadinho mais para o Oeste. Mas o sismo de 1755 pode perfeitamente ter vindo daquela zona”, conclui.

A maratona de testes para chegar ao código certo

Foi só nos últimos quatro anos que começaram a correr os modelos que permitiram perceber que o Atlântico, agora um oceano a caminho da “meia idade”, vai começar a entrar na sua fase de declínio dentro de 20 milhões de anos, explica João Duarte. Para a investigação, basearam-se numa reconstrução antiga de Rosenbaum, de 2002, que ilustrava a evolução do sistema de arco do Mediterrâneo Ocidental, mas nunca esperaram que os resultados fossem tão bons.

“Fazer simulações numéricas é bastante difícil, principalmente em geociências, porque temos pouca informação sobre o passado. Temos apenas reconstruções e esperamos que elas façam sentido fisicamente. Mas há muitas discrepâncias entre geólogos e modeladores, porque há muitos modelos geológicos que não são fisicamente realistas”, explica Nicolas Riel, um dos autores do estudo. Para o investigador foi surpreendente perceber que a visão da geração anterior de geólogos “era tão pertinente também do ponto de vista físico”.

Para pôr os modelos a funcionar, o mais importante foi conseguir o código certo. Depois de sucessivos testes com as mais variadas opções, o sucesso chegou graças ao LaMEM (Lithosphere and Mantle Evolution Model). O código começou a ser desenvolvido há quase duas décadas por uma equipa da Universidade de Johannes Gutenberg, envolvendo Anton Popov e Boris Kaus, que também assinam o estudo. “Tive a oportunidade de experimentar quase todos os principais códigos geodinâmicos disponíveis. Estava a usar quatro ou cinco códigos diferentes que estão na vanguarda da modelagem em geociências e a diferença é que este foi feito especificamente para ser rápido”, destaca Nicolas Riel.

A diferença é clara ao comparar os resultados obtidos com o LaMEM face ao código anterior: seriam necessários 2.000 processadores a trabalhar ao mesmo tempo para, em 24 horas, produzir os mesmos resultados alcançados com apenas 128 núcleos no mesmo espaço de tempo. “Esta abordagem aumentou em 20 vezes o desempenho”, estima. A rapidez do código também foi fundamental após a submissão do estudo na revista Geology, encurtando o tempo para a produção de mais 11 modelos a pedido dos revisores e que tornaram o estudo “mais robusto”.

"Estava a usar quatro ou cinco códigos geodinâmicos diferentes que estão na vanguarda da modelagem em geociências e a diferença é que este foi feito especificamente para ser rápido."
Nicolas Riel, Universidade de Johannes Gutenberg

O mesmo código está a permitir neste momento a cientistas da Universidade de Johannes Gutenberg modelar, por exemplo, a Nova Zelândia e a região dos Alpes, mas a sua aplicação não se esgota neste tipo de modelos. O alemão Boris Kaus destaca que pode ser significativo em processos como o que decorre na Alemanha para escolher a localização de um novo repositório de resíduos nucleares. A lei determina que deve ser colocado no subsolo e que deve garantir-se que é seguro por um milhão de anos, algo possível de se analisar em modelos com base neste código. O mesmo pode fazer-se para analisar a segurança de locais para armazenamento de hidrogénio, numa altura em que a União Europeia procura diminuir a dependência de combustíveis fósseis.

“Podemos ir a qualquer lugar da Terra “

Conhecidas algumas pistas sobre o início do fim do Atlântico, a equipa de investigação prossegue o trabalho para melhor compreender o que vai acontecer depois da zona de subducção do Mediterrâneo invadir o oceano dentro de 20 milhões de anos. Ainda numa fase de testes preliminares, João Duarte aponta que se afiguram dois cenários que podem coexistir. Por um lado, a zona de subducção pode propagar-se ao longo da margem portuguesa e formar uma cadeia de montanhas como a dos Andes. Por outro lado, como uma parte da subducção que vai entrar pelo Atlântico adentro podem começar a formar-se vulcões e pequenos arcos, como o das Pequenas Antilhas.

Para desenvolver os novos modelos, de maior complexidade, vão ser necessárias algumas mudanças. Nicolas Riel explica que, através do mesmo código, querem criar modelos que corram muito mais tempo — entre 100 a 200 milhões de anos para a frente — e numa área mais alargada. Além disso, querem envolver também todo o manto inferior da Terra para conseguir perceber se isso desempenha um papel na propagação da subducção ainda mais para dentro do Oceano Atlântico. Livres dos constrangimentos e limitações que marcaram os primeiros anos de carreira, esperam poder trazer novidades muito em breve.

O interessante deste tipo de modelos, considera ainda Boris Kaus, é que ainda há muitos locais por explorar. “Em muitas regiões do planeta ainda não há este tipo de modelos baseados na física, na maior parte das vezes existem apenas reconstruções. Podemos ir a qualquer lugar da Terra e tentar ver se podemos melhorar a nossa compreensão dos processos em curso, simulando-os em computador”, destaca.

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