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"Um editor nunca pára, há sempre uma ideia que chega a horas inesperadas", explica o editor e escritor
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"Um editor nunca pára, há sempre uma ideia que chega a horas inesperadas", explica o editor e escritor

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

"Um editor nunca pára, há sempre uma ideia que chega a horas inesperadas", explica o editor e escritor

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Francisco José Viegas: "O Presidente devia ter dito claramente ao Governo que não se pode fazer isto ao livro"

Pandemia fez aumentar vendas online, mas livrarias fechadas representam enormes perdas, diz o escritor que é também responsável pela Quetzal e já foi secretário de Estado da Cultura.

Uma mistura de distração, incompetência e falta de equidade terá estado na origem, entende Francisco José Viegas, da decisão do Governo de impedir a venda de livros em hipermercados e lojas de multiprodutos no contexto do confinamento (a 15 de janeiro), de mandar fechar as livrarias (a 19 de janeiro) e de, perante o mais recente decreto presidencial de renovação do Estado de Emergência, voltar a autorizar o comércio de livros em todas as lojas físicas abertas, menos nas livrarias — o que é verdade já a partir desta segunda-feira.

Em entrevista ao Observador, o escritor, jornalista e responsável da Quetzal (chancela do Grupo Bertrand Círculo, detido pela Porto Editora, maior grupo editorial português, juntamente com a LeYa) diz que o primeiro-ministro não gostou da indicação do Presidente da República para que “livros e materiais escolares” sejam novamente vendíveis, daí que António Costa tenha justificado o recuo, na passada quinta-feira, com um “estamos proibidos de proibir”. E vê naquela expressão escolhida pelo Presidente da República uma possível forma de “passar a batata quente para o Governo”, para que seja este a esclarecer o que até ao momento parece confuso: podem agora vender-se quaisquer tipos de livros ou apenas livros escolares?

Aos 58 anos, o antigo secretário de Estado da Cultura do Governo de Passos Coelho e Paulo Portas — que saiu ao fim de 16 meses, em outubro de 2012, devido a “problemas graves de saúde”, chegando a considerar que ter aceitado o cargo constituíra “um erro” — evita apontar o dedo à atual ministra da Cultura. Mas classifica como “ridículo” o apoio de 600 mil euros ao setor editorial anunciado em janeiro por Graça Fonseca.

Francisco José Viegas recebeu há poucos meses o Prémio Literário Fernando Namora e o Prémio PEN 2020, ambos pelo romance policial A Luz de Pequim. Sobre a situação dos escritores na pandemia, adianta não ser o paraíso que se imagina — que estariam alegremente trancados em casa a redigir belos romances. Muitos passam dificuldades impercetíveis no espaço público, o que também se aplica a tradutores, revisores ou designers.

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O primeiro-ministro, António Costa, assina o livro de honra durante a visita à 54.ª Feira da Capital do Móvel, que decorre na Alfândega do Porto. Porto, 09 de Setembro de 2020. FERNANDO VELUDO/LUSA

Ao utilizar a expressão "proibido de proibir", António Costa "estava a dar conta de um certo desagrado", entende Francisco José Viegas

FERNANDO VELUDO/LUSA

Os portugueses têm poucos hábitos de leitura, são sobretudo as mulheres das classes altas de Lisboa e do Porto que declaram ler livros, segundo alguns estudos. Sendo assim, como se explica que a proibição do comércio de livros em hipermercados e livrarias tivesse levantado tanta polémica, a ponto de o Presidente da República ter vindo tomar posição?
O livro é importante para a sociedade, é como o centro gravitacional da nossa cultura. Apesar de algum otimismo, Portugal tem índices de leitura muito baixos. Os números do Eurostat colocam-nos na cauda da lista, não só entre leitores da classe média-alta de Lisboa e do Porto que leem 10 a 20 livros, mas também entre os que leem de zero a 1 livro. Creio que atrás de nós só a Turquia e a Roménia, de entre os países inquiridos. Portanto, a proibição da venda de livros é desde o início uma grande tolice e ameaça entrar no anedotário nacional. As pessoas, mesmo não sendo leitoras impenitentes, reconhecem a importância do livro. Provavelmente, daqui a uns anos será a música pop ou a moda a ter um papel simbólico na cultura, mas para já é o livro.

É uma discussão sobretudo simbólica?
Sim, há aqui uma discussão simbólica sobre o papel do livro. Não só porque Portugal é o único país da Europa com proibição de abertura de livrarias, mas também porque isto levou a uma situação em que as pessoas percebem o absurdo. É uma proibição cheia de excecionalidades. Porque é que os livros passam a poder ser vendidos em hipermercados e não em livrarias?

Aparentemente, este tema tem sido explorado como um exemplo das ambiguidades das regras do confinamento. Concorda?
Sim, isso é óbvio. Percebo que estamos a viver uma pandemia e que é preciso tomar medidas, às vezes as pessoas até se esquecem disso, mas se o Estado, as autoridades, o Governo, não reconhecem a excecionalidade do livro, não me parece que estejam no bom caminho. Foi a sociedade, mais uma vez, que reagiu. Houve indignação, deu-se conta do ridículo da situação. É percetível para toda a gente que a proibição da venda de livros não agrava as condições de combate à pandemia nem cria problemas de mobilidade. Haveria problemas de mobilidade na Inglaterra ou na Alemanha, onde as pessoas fazem fila às portas das livrarias para assistirem ao lançamento de um livro ou para comprarem o último livro de fulano. Em Portugal, não temos isso, inclusive temos um mercado bem regulado, com a lei do preço fixo, por exemplo, que combate a concorrência, e ao longo dos anos garantiu-se que o livro tem condições excecionais de venda, como a taxa reduzida de IVA. Por isso, não se percebe a proibição, que levou o Presidente da República a forçar o Governo a recuar, com o primeiro-ministro a reconhecer que tinha sido proibido de proibir.

Venda de livros regressa na segunda-feira a lojas “já em funcionamento”. Setor diz que há esclarecimentos por fazer

Essa imagem de que o decreto do Presidente é que forçou o Governo a recuar terá correspondência com o que se passou nos bastidores?
É provável, não conhecemos as conversas, só podemos depreender. Todas as conclusões que tirarmos sobre o que se passou nos bastidores são legítimas, porque o processo não é claro e não é lógico. Não é lógico, num país com défice de leitura e com problemas sérios de acesso ao livro, que o livro não seja considerado um bem essencial, como acontece nos outros países da União Europeia. O ministro da Economia, quando fez um despacho [15 de janeiro] a proibir a venda de livros nos hipermercados, entre outros bens, obviamente entrou numa zona perigosa, a zona das exceções. Durante a proibição total, houve situações absurdas, como as dos hipermercados que colocaram livros escolares e para-escolares à venda, por não serem livros e sim materiais escolares.

Mas porque é que o Governo avançou com a proibição e alegou concorrência desleal? Qual é a lógica da decisão?
Não vejo a lógica. Vejo que o Governo achou que poderia proteger da concorrência desleal cerca de 2% do mercado. É o que parece, não tenho nenhum dado que me permita dizer que o Governo foi influenciado por este ou aquele lobby.

Venda de livros proibida. APEL fala em “política da terra queimada”, livrarias independentes apoiam e há quem compre na loja via smartphone

Os 2% são as livrarias independentes.
Basicamente. São importantes, decisivas, um símbolo do mercado cultural, mas não representam a totalidade. Devem ser protegidas, claro. Do ponto de vista mais global, impedir que todas as outras livrarias possam estar abertas — e estamos a falar de algo como uma centena de livrarias — é pecaminoso. O vice-presidente da APEL disse que a notícia de que os hipermercados podem voltar a vender livros é uma “pequena boa notícia”. Eu acho que é uma pequena boa notícia porque assim as pessoas acabam por ter acesso ao livro, mas não é uma boa notícia porque continua fechado o sítio onde os livros devem ser preferencialmente vendidos, ou seja, as livrarias [independentes e as grandes redes], que representam cerca de 70% do mercado.

Mas o levantamento da proibição não implica apenas os hipermercados. A partir de agora também será possível comprar no El Corte Inglés, nas FNAC, nos CTT, nas papelarias…
Sim, mas repare, o Governo acaba de criar outra situação de desigualdade. Se a FNAC agora já pode vender livros, e acho muito bem, porque é que redes como a Almedina ou a Bertrand não podem abrir também, se cumprirem todas as regras [sanitárias]? Não vejo que houvesse uma corrida às lojas como se tivesse reaberto a Zara ou a Primark. No fundo, com as novas regras, uma livraria que venda jornais pode reabrir, mas só nessa condição. E uma livraria que tenha um espaço de cafetaria também poderá reabrir se decidir começar a vender bolos para fora. De má medida em má medida, acabamos por criar um caso anedótico. Isto não foi bem feito, por inexperiência e depois por arrogância — porque não ouviram as pessoas que representam este sector e que fazem dele uma das áreas das indústrias culturais que criam maior riqueza e mais emprego. Estamos a falar de editores, autores, impressores, distribuidores, livreiros, designers, etc. É um universo que todos os anos cria riqueza, emprego e exportações de centenas de milhões de euros.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, durante um passeio pela Feira do Livro de Lisboa, no Parque Eduardo VII, em Lisboa, 27 de agosto de 2020. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

"O Presidente devia ter dito claramente ao Governo que não se pode fazer isto ao livro, que é um bem essencial e que tem caráter excecional"

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

A falta de auscultação do setor e o facto de a decisão inicial de proibição ter vindo do Ministério da Economia diz-nos o quê sobre o Ministério da Cultura?
Não sei. Embora possa concordar pouco com as políticas, tenho um grande respeito por quem arrisca a pele no Palácio da Ajuda. É um lugar muito difícil.

Já arriscou a sua.
Já arrisquei a minha. Quando oiço falar do confinamento da cultura, das limitações e dos apoios à cultura, oiço fundamentalmente falar de espetáculo, de artes performativas. As pessoas seriam levadas a pensar que, como o livro não exige contacto com o público, está em condições normais de funcionamento durante a pandemia. Não é verdade, tem limitações enormes. No ano passado estávamos numa curva muito positiva antes da pandemia, depois deu-se uma quebra na ordem dos milhões e milhões, com muitas editoras, muitas gráficas e muitas livrarias a entrar no vermelho. É um setor que se habituou a viver independentemente dos apoios do Estado, muitas vezes substitui-se ao Estado no papel de difusor da cultura em Portugal e no estrangeiro, e agora teve uma resposta destas. Não digo que tenha sido uma resposta mal-intencionada. Nem pensar. Penso que foi uma resposta distraída, em que não foram avaliadas as consequências nem avaliada a situação com critérios de justiça. E não foi valorizado o que deveria ser valorizado, que é o papel do livro.

Sendo uma resposta distraída, foi também uma resposta incompetente?
Uma coisa implica a outra, neste caso. Penso que as elites culturais têm uma visão de bolha. Apesar do crescimento do mercado do livro até ao início da pandemia, há uma certa crise nas escolhas, uma certa perda de qualidade.

"A pandemia tem ajudado à venda de livros online, houve editoras que cresceram 10% ou 15%, ou mesmo 120 ou 130%. Mas isso não dá para compensar as perdas nas livrarias físicas. As livrarias não são apenas depósitos de livros para vender, não são quiosques para vender papel, são centros de difusão de cultura."

Está a falar da literatura considerada comercial?
Estou a falar de uma perda de qualidade. É um problema de educação, que deve convocar cada vez mais o Ministério da Educação. Se não houver uma educação para a leitura, daqui a 10 anos estaremos a vender livros de baixa qualidade a pessoas de baixa qualidade, teremos pessoas que não sabem reconhecer o papel do livro e não sabem, se quisermos usar uma expressão que pode não ser a mais indicada, o que é a qualidade literária. Refiro-me a todas as áreas do livro.

Como é que define esse papel do livro na sociedade?
Bem, o livro é o centro da nossa tradição cultural, pelo menos desde que São Bento de Núrsia instituiu a Regra de São Bento, que diz que ler não é apenas um direito, mas um dever. O livro foi o centro do debate, da discussão, do encontro e da investigação sobre a nossa sociedade. Toda a comunicação, desde a Antiguidade, se fez através do livro e da leitura. Claro que hoje o livro se pode traduzir em objetos diferentes, como o livro eletrónico ou audiolivro.

Como o comércio eletrónico não está proibido e é possível comprar livros pela Internet, o Governo pode argumentar que a decisão de manter as livrarias fechadas acaba por ser equilibrada. Concorda?
É um facto que a pandemia tem ajudado à venda de livros online, houve editoras que cresceram 10% ou 15%, ou mesmo 120 ou 130%. Mas isso não dá para compensar as perdas nas livrarias físicas. As livrarias não são apenas depósitos de livros para vender, não são quiosques para vender papel, são centros de difusão de cultura. Penso que ao proibir a venda de livros o Governo se esqueceu disto ou pensou que isto não teria importância, que não haveria uma reação da sociedade tão forte como houve, mesmo daqueles que não são frequentadores assíduos de livrarias.

"Isto resolver-se-ia de uma maneira muito simples: permitir a abertura das livrarias que entendessem abrir, e as que não quisessem abrir estariam abrangidas por apoios diretos estatais"

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

A partir desta segunda-feira temos a proibição de proibir, como lhe chamou o primeiro-ministro, o que implica a venda de “livros e materiais escolares” em hipermercados e lojas já hoje em funcionamento. A RELI – Rede de Livrarias Independentes veio entretanto dizer que não entende se apenas os livros escolares estão autorizados. Já ficou esclarecido?
Não fiquei, mas isso deriva do próprio decreto presidencial. O Presidente da República é um constitucionalista, portanto, duvido que qualquer indicação por parte do presidente seja inocente. Ele pode ter querido passar a batata quente para o Governo. No decreto presidencial, ele escreve “livros e materiais escolares” e depois acrescenta [que devem continuar disponíveis] “para estudantes e cidadãos em geral”. Se faz esta distinção, pressupõe-se, mas não está claro, que qualquer tipo de livros pode estar agora à venda.

Acha que o Presidente estava genuinamente preocupado com os livros ou quis ganhar popularidade, como o Francisco sugeriu no Twitter?
Acho que estava genuinamente preocupado, mas também me parece perfeitamente possível, tendo em conta as peculiaridades da personagem do Presidente, que tenha querido ganhar popularidade ao dizer “podem confinar tudo, menos os livros”. Acho que é uma pessoa genuinamente preocupada com o livro, já deu provas disso, pelo seu exemplo de frequentador de livrarias, de animador de uma festa do livro. O Presidente tem desempenhado um papel crucial na defesa do livro. Agora, não sendo totalmente claro, não tentando usar a magistratura de influência para demover o Governo, coisa que já fez em relação a outras matérias, acho que houve falta de ambição. O Presidente devia ter dito claramente ao Governo que não se pode fazer isto ao livro, que é um bem essencial e que tem caráter excecional, o que está garantido pela prática das últimas décadas em Portugal.

"Até percebo que o Governo queira garantir condições de concorrência leal durante o confinamento, foi esse o sentido do despacho do ministro Siza Vieira. Mas também acho que neste momento, diante de um bem tão essencial como o livro, essa questão da concorrência vem em segundo lugar."

Quando o primeiro-ministro veio dizer que tinha sido “proibido de proibir” estava a demonstrar desagrado com a posição do Presidente?
Parece-me que o tom foi o de quem estava a dar conta de um certo desagrado, sim. Não foi apenas a invocação do slogan do Maio de ’68. Quis dizer “fomos forçados a isto, mas pela nossa vontade proibíamos”. Até percebo que o Governo queira garantir condições de concorrência leal durante o confinamento, foi esse o sentido do despacho do ministro Siza Vieira. Mas também acho que neste momento, diante de um bem tão essencial como o livro, essa questão da concorrência vem em segundo lugar.

A RELI diz que “rejeita em absoluto qualquer solução de venda de livros que não abranja as livrarias e espera que o Estado cumpra as suas funções de garante do cumprimento da lei da concorrência”. O caso pode acabar em tribunal?
Penso que não vai acabar em tribunal porque o setor do livro, apesar de tudo, não tem uma força tão grande, nem disponibilidade. Tem coisas mais importantes a que se dedicar nas atuais circunstâncias. Vai ser uma batalha na imprensa e nas redes sociais. Isto resolver-se-ia de uma maneira muito simples: permitir a abertura das livrarias que entendessem abrir, e as que não quisessem abrir estariam abrangidas por apoios diretos estatais.

Enquanto editor e escritor, como descreve os efeitos da pandemia? No caso concreto da Porto Editora, qual é a situação?
Sobre a Porto Editora não posso falar, é um grupo muito diverso, que engloba muitas áreas de negócios, muitas editoras, que inclusivamente têm interesses diferentes no mercado. Posso falar daquilo que eu e os meus colegas editores temos conversado. Este confinamento não tem apenas efeitos sobre a nossa capacidade de trabalho, o não podermos publicar livros porque não temos como os vender. Na verdade, sentimo-nos sitiados, porque temos de esperar. Repare, estamos a reduzir a nossas edições, fizemo-lo em 2020, vamos fazê-lo em 2021, e muito antes de os economistas desenharem quadros já estamos a desenhá-los nas nossas vidas profissionais há muito tempo. Estamos a calcular todos os dias, de acordo com as notícias desencontradas, folhas de Excel com projeções e hipóteses de trabalho para o resto do ano. Não é uma tarefa fácil.

Publica-se menos quanto?
Pode chegar aos 30%. Pode ter uma consequência mais desagradável que é a venda de menos exemplares por título. Houve títulos que publicámos em fevereiro e março do ano passado e que ficaram confinados, por vender, nos armazéns, e o nosso investimento tinha sido bastante forte. Tanto nos lamentamos nós como qualquer outro setor da atividade económica.

Neste momento os editores continuam a preparar livros, na expectativa de os lançarem ao longo de 2021?
Um editor nunca pára, há sempre uma ideia que chega a horas inesperadas, há sempre trabalho para fazer, ideias ou livros novos que aparecem, nunca temos tempo perdido. Podemos é, neste momento, estar a investir mais na preparação dos tempos que hão de vir e a imaginar o que faremos se acontecer isto ou aquilo. Estamos a lidar com cenários imprevisíveis. A imprevisibilidade entrou nas nossas vidas de uma forma muito mais real. Muitas vezes, fala-se do que é viver em tempos de imprevisibilidade. Pois já estamos a viver isso. Estamos a lidar com o salário das pessoas que trabalham connosco, temos de garantir um retorno para a nossa atividade em circunstâncias que não dependem de nós. Se isto é verdade para todas as atividades, mais ainda no caso do livro, que ao contrário do que se pensa é um bem perecível, porque a velocidade tomou conta da edição e isso aniquila os livros ao fim de um ano, etc.

"Não se pode dizer que os autores em confinamento tenham mais tempo ou condições de maior tranquilidade. Estão a escrever, a trabalhar, mas não se pode dizer que isto está bom é para estar em casa a escrever. Há muitos autores a passar por uma crise, por situações de grande insegurança. Isto aplica-se também a tradutores, revisores, designers."

Alguém dizia há dias que a pandemia faz com que a vertigem da novidade editorial se acalme um pouco, o que conduz a menos livros editados por mês. Como é que vê isso?
Essa vertigem é nociva, mas é desagradável que seja a pandemia, que tem provocado esta catástrofe, a orientar-nos para a diminuição da velocidade e da vertigem. Mas é o que tem acontecido: reduzimos os títulos, reduzimos a velocidade. Vejo isso também nos autores com quem falo. Não se pode dizer que os autores em confinamento tenham mais tempo ou condições de maior tranquilidade. Outro dia, o Bruno Viera Amaral escrevia sobre isso: os autores de livros estão completamente desprotegidos, já viviam uma situação periclitante, porque as condições de existência de um autor são modestas, mas agora pior ainda. Estão a escrever, a trabalhar, mas não se pode dizer que isto está bom é para estar em casa a escrever. Há muitos autores a passar por uma crise, por situações de grande insegurança. Isto aplica-se também a tradutores, revisores, designers. São vidas de risco, são pessoas que naturalmente vivem na penumbra, escondidas atrás da capa de um livro. Agora imagine-se nesta situação em que nem esse trabalho têm. A insistência nas artes performativas, que tem a ver com sua força e visibilidade, tem escondido o problema de muitos outros agentes que trabalham na área da cultura, especialmente na edição.

"As pessoas da área do Ministério da Economia deviam estar mais atentas ao que é a cultura e o que são os bens culturais"

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Disse há pouco que tem muito respeito pelos ministros da Cultura. Que pensa do apoio anunciado de 600 mil euros para o setor do livro, que poderá estar disponível em março.
É um apoio mínimo, mas sinceramente ridículo. São opções políticas. Num momento de crise, não me parece que 600 mil euros para a edição sejam relevantes. O apoio às livrarias independentes chegou a cerca de três mil euros por livraria, o que nem sequer é um apoio, dá para nada. Era preciso que muitos dos nossos decisores políticos, que falam de livrarias e do mercado editorial, fossem pelo país fora conhecer a realidade das livrarias que existem, das que não existem, do peso que tem o livro na vida portuguesa realmente. Não se traduz só em números, em estatísticas do INE ou estudos de mercado, que são importantes. Era preciso que houvesse maior sensibilidade para esta questão, que não tem a ver só com livros mas com a leitura. Começa na escola. Qualquer política da leitura em Portugal deve caber ao Ministério da Educação desde o princípio.

Há falta de sensibilidade da ministra da Cultura ou é uma coisa maior?
É muito maior, tem a ver com a visibilidade. Não há um sindicato dos leitores. Decidimos que em condições normais o livro é um bem essencial, mas depois não agimos em conformidade. Percebo que é difícil, para quem chega ao Palácio da Ajuda, resolver estes problemas, por isso é que disse que tenho muito respeito por quem arrisca a pele lá. Fala-se de acordos de regime para tanta coisa. Acho que é preciso um acordo de regime para a definição de uma nova política da leitura. Pese embora a boa vontade extrema de muita gente ligada à política da leitura, precisamos de outra ousadia. Como é que isto se faz? Há ideias, mas precisamos de nos encontrar. Sabemos que o futuro da economia da União Europeia vai ter de contar com a cultura, e em Portugal precisamos também de definir qual a ligação disso ao turismo. Não é uma matéria despicienda. As pessoas da área do Ministério da Economia deviam estar mais atentas ao que é a cultura e o que são os bens culturais.

Artigo alterado no dia 17/02, às 10h55, com referência ao Grupo Bertrand Círculo.

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