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epa08818283 A health worker of Asl 3 (Local Health Company) collects a nose swab sample for a polymerase chain reaction (PCR) test at Siberia Door, one of the historic gates to enter the city of Genoa, in the middle of town, set up for free coronavirus testing facility during the coronavirus disease COVID-19 outbreak, in Genoa, Italy, 13 November 2020.  EPA/LUCA ZENNARO
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O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge analisou, até dia 5 de fevereiro, 3.261 sequências genéticas do SARS-CoV-2

LUCA ZENNARO/EPA

O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge analisou, até dia 5 de fevereiro, 3.261 sequências genéticas do SARS-CoV-2

LUCA ZENNARO/EPA

Há uma variante nova, prima da californiana, a crescer em Portugal. Como foi descoberta e que perigos representa?

O aumento da variante com a mutação L452R, prima da californiana, foi descoberto por acaso. Está a crescer e causa "preocupação acrescida". E também já cá chegou uma familiar da brasileira de Manaus.

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“Surpreendente.” Foi assim que João Paulo Gomes descreveu a identificação de uma nova variante do vírus SARS-CoV-2, durante a segunda semana de janeiro, em 32 concelhos portugueses. Surpreendente porque, em novembro, só tinham sido identificados “dois ou três casos em três concelhos”, disse o investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), mas até dia 19 de janeiro já tinham sido detetados 57 casos. Surpreendente também porque esta variante tem uma mutação em comum com uma variante já identificada na Califórnia — a mutação L452R. O que causa “uma preocupação acrescida”.

A apresentação dos dados sobre esta nova variante, na reunião desta terça-feira no Infarmed, destacou-se também por ela ter já mais casos detetados em Portugal do que as tão mediatizadas variantes sul-africana ou brasileira. Da sul-africana são apenas conhecidos dois casos e da brasileira de Manaus, a mais preocupante, ainda não foi identificado nenhum, embora tenham sido encontrados cinco de uma familiar próxima. Mesmo a variante identificada em Kent, a do Reino Unido, teve um crescimento muito menor ao que se tinha projetado há cerca de um mês.

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No último relatório de situação sobre a diversidade genética do vírus no nosso país, o Insa destacou sete variantes identificadas entre os dias 10 e 19 de janeiro, que representam 500 dos 532 genomas analisados — a larga maioria (291) é de uma variante com uma mutação que há muito tempo se tornou dominante na Europa (a D614G, carinhosamente chamada de Doug). Esta mutação já mostrou tornar as variantes que a têm mais infecciosas do que o vírus original (o de Wuhan), quer esteja sozinha ou combinada com outras mutações de interesse.

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Só na segunda semana de janeiro, foram detetados 36 casos de infeção com esta variante, "prima" da californiana, entre as 532 sequências genéticas (leituras do material genético) efetuadas pelo Insa em parceria com o Instituto Gulbenkian de Ciência (Oeiras), o que representou 6,8% das amostras analisadas nessa semana (em novembro tinham sido apenas 0,7%).
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge

Que nova variante foi detetada em Portugal?

Uma nova variante com uma mutação de interesse comum que se tem disseminado muito na Califórnia, nas últimas semanas. Só na segunda semana de janeiro, foram detetados 36 casos de infeção com esta variante, “prima” da californiana, entre as 532 sequências genéticas (leituras do material genético) efetuadas pelo Insa em parceria com o Instituto Gulbenkian de Ciência (Oeiras), o que representou 6,8% das amostras analisadas nessa semana (em novembro tinham sido apenas 0,7%).

A mutação desta variante (a L452R) diz-se de interesse por oposição a todas as outras que não têm qualquer impacto no vírus ou cujo impacto não altera a relação com os hospedeiros — neste caso, nós, os humanos. Neste caso, a mutação está localizada no gene que contém a mensagem para a produção da proteína spike (aquela que dá um aspeto coroado ao coronavírus), e que funciona como uma chave que se liga à fechadura das células humanas e permite que o vírus entre e as infete.

Não se sabe ainda em que momento poderá ter entrado no nosso país ou se o fez mais do que uma vez. “Para avaliar um evento de introdução é importante conhecer o histórico de viagem e rastreio dos contactos dos casos conhecidos”, explica ao Observador Ricardo Leite, coordenador da Unidade de Genómica do Instituto Gulbenkian de Ciência. “Este caso aparenta ser um evento de múltiplas introduções”, ou seja, o vírus entrou várias vez no país.

A nova variante “está associada à falha na ligação com os nossos anticorpos”. “Daí uma preocupação acrescida”, com a descoberta, afirmou o investigador, que garantiu que o Insa vai fazer uma monitorização periódica desta variante, tal como faz regularmente, com as amostras recolhidas: “Estaremos atentos à disseminação no país.”
João Paulo Gomes, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge

Por que razão pode ser preocupante a presença desta variante?

Esta mutação, não só afeta a proteína que funciona como chave para abrir as nossas células, como se encontra precisamente no local onde essa ligação ocorre — como se fosse uma chave de alta precisão — e, ainda por cima, “está associada à falha na ligação com os nossos anticorpos”, disse João Paulo Gomes. “Daí uma preocupação acrescida”, com a descoberta, afirmou o investigador, que garantiu que o Insa vai fazer uma monitorização periódica desta variante, tal como faz regularmente, com as amostras recolhidas: “Estaremos atentos à disseminação no país.”

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Se os anticorpos, gerados depois de uma infeção natural ou da vacinação, não se conseguirem ligar à proteína, porque esta foi entretanto modificada pela mutação no gene, isso pode reduzir a eficácia das vacinas. “Contudo, convém não ignorar que a nossa resposta imune tem outros mecanismos para além dos anticorpos neutralizantes”, lembra Ricardo Leite.

“Aparentemente, [a mutação L452R] não terá influência na eficácia das vacinas.”
Celso Cunha, Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa

O virologista Celso Cunha olha contudo para o caso com menos alarme. “Aparentemente, [esta mutação] não terá influência na eficácia das vacinas”, diz, ao Observador, o investigador no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.

Mas é ainda muito cedo para ter certezas, tal como acontece com a variante sul-africana, onde há dúvidas de muitos especialistas sobre a eficácia de algumas vacinas já no mercado, nomeadamente a Astrazeneca (suspensa, aliás, na África do Sul). Muitas farmacêuticas, aliás, estão a adaptar já as vacinas às novas variantes.

Quando foi descoberta a variante da Califórnia?

A variante que agora ganha terreno no estado norte-americano da Califórnia (CAL.20C) tem uma mutação que é uma velha conhecida, combinada com outras quatro. “A mutação [L452R] não é exclusiva de uma única linhagem e têm aparecido em várias regiões do globo, mas em grande proporção e ligada a um surto muito recente na costa Oeste dos Estados Unidos e por isso denominada como variante da Califórnia”, explica Ricardo Leite.

A L452R foi identificada pela primeira vez em março de 2020, na Dinamarca, e, em maio, na Califórnia, mas sem grandes impactos. Pelo menos, até ao final do ano passado: entre meados de novembro e finais de dezembro, a presença da variante entre as amostras analisadas subiu de 3,8 para 25%, noticiou o jornal The Mercury News. Em janeiro representava já metade das amostras analisadas pelo Hospital Cedars Sinai, em Los Angeles, segundo a Forbes.

A Califórnia, ao contrário da média norte-americana, até tem apostado na sequenciação dos genomas do SARS-CoV-2, mas, tal como em Portugal, só descobriram que a variante se tinha tornado mais frequente por acaso, no final de dezembro, noticiou o The New York Times.

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Tal como por cá, os investigadores andavam à procura da variante identificada no Reino Unido (B.1.1.7) — mas esta não estava tão presente como esperado e a CAL.20C destacou-se. Surpreendente, como disse João Paulo Gomes, aconteceu a mesma situação em Portugal. Também por cá, a variante B.1.1.7 não cresceu tanto como se esperava (mas já lá vamos) e também foi quando se procurava pela variante britânica que se encontrou a “prima” da californiana.

A variante californiana é mais infecciosa?

“Os vírus competem entre si, num campo que são as nossas células”. Não só uma variante "pode ter umas chuteiras melhores do que a outra" como, “nos campos, os relvados não são todos iguais”.
Celso Cunha, Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa

Por enquanto, não há evidências de que a variante CAL.20C seja mais letal ou até mais contagiosa. Mas há registos que, em alguns surtos neste estado norte-americano, o vírus infetou 80 a 90% das pessoas — falta saber se seria uma característica do próprio vírus ou do contexto onde decorreu a disseminação. Assim, e tendo em conta a forma como tem aumentado a sua prevalência, até pode ser mais infecciosa do que as demais, mas esse aumento também pode ser justificado por outros fatores. Também não se sabe como é que as variantes, nomeadamente, a californiana (CAL.20C) e a britânica (B.1.1.7) interagem entre si.

Celso Cunha utilizou uma imagem futebolística para explicar que o aumento dos casos pode não ser só por uma questão de adaptação do vírus, mas estar relacionado com uma característica da população. “Os vírus competem entre si, num campo que são as nossas células”. Não só uma variante “pode ter umas chuteiras melhores do que a outra” como, “nos campos, os relvados não são todos iguais”.

Além da mutação L452R identificada na Dinamarca, a variante californiana tem mais duas mutações importante na proteína spike: a S13I, que pode aumentar a capacidade de clivagem da proteína — ou seja, partir-se ao meio e originar duas chaves, logo aumentar ainda mais capacidade de abrir as portas da células; e a W152C, sobre a qual se sabe pouco, mas que pode até ajudar o vírus a escapar ao sistema imunitário. Sobre o efeito da mutação L452R, sabe-se que pode aumentar a afinidade na ligação às células humanas, como um íman que se torna mais forte. Ou seja, tudo junto não augura nada de bom.

“Os casos associados à variante do Reino Unido têm, normalmente, uma carga viral de cerca de 20 vezes superior aos casos das outras variantes.”
João Paulo Gomes, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge

A variante do Reino Unido já se tornou dominante em Portugal?

Era o que se esperava, mas não foi o que aconteceu. A 12 de janeiro, a variante B.1.1.7 representava 8% dos genomas analisados e, na altura, a equipa do Insa previu que, até ao dia 14 de fevereiro, a prevalência da variante britânica em Portugal pudesse chegar aos 65%.

“Desviámo-nos completamente da curva projetada na altura”, disse João Paulo Gomes, mostrando um gráfico na reunião do Infarmed. “Deixámos de estar num crescimento exponencial e começámos a entrar num planalto”, acrescentou sem, no entanto, referir qual a prevalência atual. Na semana de 10 a 19 de janeiro, 16% das amostras analisadas eram da variante britânica — o que estava em linha com a previsão de 14% para essa altura, disse o investigador.

Durante a apresentação, João Paulo Gomes deu a entender que o sucesso do país na contenção desta variante pode estar relacionado com a adoção de medidas restritivas antes da B.1.1.7 se tornar dominante, ao contrário do que aconteceu no Reino Unido. Os britânicos só deram o alerta em meados de dezembro, quando a presença da variante subiu abruptamente e chegou aos 60%, e o confinamento mais severo só foi implementado no início de janeiro, quando a variante já representava 80% dos casos no país.

“Os casos associados à variante do Reino Unido têm, normalmente, uma carga viral cerca de 20 vezes superior aos casos das outras variantes”, disse o investigador do Insa para justificar a maior transmissibilidade. As mutações fazem com que o vírus tenha maior afinidade com as nossas células (e infete mais), isso leva a que sejam produzidas mais cópias do vírus (maior carga viral), que acabam por ser expelidas nos nossos contactos sociais. Mas em Portugal, esta variante não parece atacar mais uns grupos etários do que outros.

INSA. Variante do Reino Unido pode chegar aos 60% dos casos positivos no início de fevereiro em Portugal

Em dois meses, de 1 de dezembro a 7 de fevereiro, foram efetuados mais de 200 mil testes de diagnóstico pelo laboratório Unilabs, que estabeleceu uma parceria com o Insa para a identificação da variante britânica. Dos 49.127 positivos, 8.657 correspondiam à variante B.1.1.7. Tendo em conta o número de testes realizados por este laboratório, esta variante pode ter causado assim mais de 120 mil casos em Portugal.

As variantes sul-africana e brasileira também já estão em Portugal?

João Paulo Gomes começou a apresentação lembrando que as variantes sul-africana (B.1.351) e brasileira (P.1) representam também uma “preocupação acrescida”. Não só têm a mesma mutação que a variante britânica — a N501Y, carinhosamente chamada de Nelly — como têm uma outra mutação — a E484K, também chamada Erik — que, potencialmente, permite que o vírus escape ao sistema imunitário, nomeadamente, aos anticorpos neutralizantes (vacinas incluídas, segundo alguns especialistas, ainda que o assunto divida muito os investigadores).

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A boa notícia, pelo menos a julgar pelos dados divulgados pelo Insa, é que só foram detetados dois casos da variante sul-africana, ambos em dezembro (e totalmente contidos), e nenhum da variante P.1 — a que está a causar uma nova vaga da pandemia na cidade de Manaus, com muito mais casos do que a primeira.

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O que João Paulo Gomes não referiu, mas que é possível encontrar no relatório do instituto, é que já foram detetados cinco casos da variante P.2, outra variante brasileira, três dos quais na segunda semana de janeiro (0,6% dos casos). Esta é uma variante sobre a qual pouco se sabe ainda, mas o suficiente para nos mantermos atentos: tem a mutação Erik, que permite escapar ao sistema imunitário, e foi associada a casos de reinfeção no Brasil.

Atualizado dia 10, com as respostas do investigador Ricardo Leite, do Instituto Gulbenkian de Ciência, e com as árvores filogenéticas com as variantes em Portugal

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