A variante do SARS-CoV-2 identificada inicialmente no Reino Unido aumentou a frequência nas amostras recolhidas em Portugal, durante as sete semanas analisadas, de 5,8% (na semana que começou a 30 de novembro) até 13,3% (na semana que terminou a 17 de janeiro), segundo um relatório publicado em conjunto pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e o laboratório de análises Unilabs.

A manter-se o ritmo do aumento da frequência desta variante, como preveem os investigadores, na primeira semana de fevereiro, a variante do Reino Unido (B.1.1.7) pode representar cerca de 60% de todos os testes positivos no país. Por agora, acrescentam os autores do estudo, não há evidência de que esta variante esteja a afetar mais um grupo etário específico.

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Pressionado para encerrar as escolas, António Costa acabou por admitir, esta terça-feira no Parlamento, que se a variante do Reino Unido se tornasse dominante em Portugal teria de fechar as escolas. Tiago Correia, professor de Saúde Pública Internacional, disse, na TVI24, que a afirmação do primeiro-ministro “não tem qualquer fundamento técnico”. E critica o facto de se querer fechar as escolas com base na variante quando nem sequer temos uma política de rastreio eficaz das pessoas que chegam do Reino Unido, podendo ser portadoras da variante em causa.

Se para a semana soubermos, se amanhã soubermos, se depois de amanhã soubermos, se daqui a 15 dias soubermos, por exemplo, que a estirpe inglesa se tornou dominante no nosso país, muito provavelmente vamos ter mesmo de fechar as escolas e aí farei o que tenho de fazer, que é fechar as escolas”, respondeu António Costa ao deputado Adão e Silva, do PSD.

Tiago Correia explicou que, “em Portugal, não fazemos uma sequenciação genética a uma escala suficiente para se saber a incidência do vírus”. Até janeiro só estávamos a fazer a sequenciação genética (leitura dos genes do vírus) de 0,1% dos casos positivos, “quando o mínimo recomendado pela Autoridade Europeia do Medicamento é 5%”, referiu o professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa.

O professor acrescentou ainda que a discussão em torno do encerramento das escolas é “estéril”, porque o aumento da incidência das infeções não está a acontecer apenas na população escolar, mas em toda a população. “Há um descontrolo das cadeias de transmissão. Não sabemos onde estão 87% dos contactos.” E isso sim — não a variante inglesa — deve ser a justificação para o encerramento das escolas. O investigador, no entanto, reforça que o problema não são escolas, são os convívios de adolescentes e jovens adultos que se podem manter mesmo com as escolas encerradas.

O erro nos testes PCR que permite identificar a variante

A variante B.1.1.7 do SARS-CoV-2, chamada de variante inglesa ou do Reino Unido, por aí ter sido detetada entre o final do verão e início do outono de 2020, espalhou-se rapidamente em Inglaterra e já foi detetada em vários países do mundo, incluindo Portugal.

A particularidade desta variante é que junta várias mutações — muitas delas já tinham sido identificadas antes, mas nunca todas juntas. Algumas destas mutações acontecem nos genes que encerram o código para o fabrico da proteína spike, a que dá o aspeto coroado ao vírus e que funciona como chave de entrada nas nossas células. Uma ou mais mutações que levem a alterações nesta proteína podem fazer com que o vírus tenha, por exemplo, mais facilidade em entrar nas células — incluindo das crianças, normalmente menos afetadas.

INSA segue duas pistas para encontrar a nova variante do coronavírus

Uma das mutações eliminou algumas letras da frase que dá a instrução para o fabrico da proteína, significando que a proteína spike têm em falta dois aminoácidos (os tijolos de construção das proteínas). O desaparecimento destes aminoácidos não parece tornar a proteína menos eficaz, mas deram uma pista de como se podia detetar esta nova variante com os testes PCR — que leem porções de frases (genes) do vírus. Neste caso, alguns testes, eram incapazes de ler esta frase porque tinha letras em falta — os cientistas chamaram-lhe SGTF (Spike gene target failure).

O Insa decidiu então sequenciar as amostras que apresentavam este erro nos testes PCR, o SGTF, ou seja, foram ler a mensagem escrita nos genes de todos os vírus que entravam nesta categoria, desde 1 de dezembro, e verificaram que 90% correspondia à variante B.1.1.7. Os restantes 10% indicam, no entanto, que esta mutação também surgiu noutras variantes de forma independente. Assim, embora seja um bom indicador da presença da variante do Reino Unido, não é exclusivo desta.

Percentagem de testes positivos com as respetivas mutações sobre um fundo azul que representa o total de testes positivos nesse período — INSA/Unilabs

A equipa do Insa e Unilabs descobriram ainda outra mutação que provoca alterações na leitura do teste PCR, chamaram-lhe SGTL (Spike gene target late amplification) e verificaram que apresentava um aumento de frequência semelhante às amostras SGTF. Assim, concluem, a alteração SGTL na leitura dos testes PCR pode também ser um bom indicador da presença da variante do Reino Unido.

De forma simples, se os laboratórios que realizam os teste PCR identificarem uma destas duas alterações na análise do teste, podem estar na presença da variante do Reino Unido.

Tendo em conta que ambas as mutações podem ajudar a identificar a presença da variante inglesa sem necessidade de recorrer à sequenciação genética — que é mais morosa e dispendiosa —, a Unilabs desenvolveu uma plataforma digital onde é possível ver a evolução da disseminação da variante a nível regional. Por enquanto, as amostras estudadas estão maioritariamente na região Norte.

A maior parte das amostras analisadas que identificaram a variante do Reino Unido estão localizadas na região Norte — INSA/Unilabs

Naturalmente, os testes que serviram de base ao relatório representam apenas uma pequena fração dos testes realizados em todo o país. Entre 30 de novembro e 17 de janeiro, a Unilabs realizou 134 mil testes PCR usando um ensaio específico (Thermofisher TaqPath) que representa 7% de todos os testes realizados em Portugal nesse período. Dos 27.096 resultados positivos, 1.279 (4,72%) correspondiam a testes SGTF (que falhavam na deteção do gene mutado) e 296 (1,09%) a testes SGTL (os tais descobertos por acaso).

As análises realizadas pelas equipas de investigadores permitiram ainda confirmar que a variante do Reino Unido (assim como outras que tenham a mutação que provoca SGTF) aumentam a probabilidade de as pessoas que foram infetadas com a variante desenvolverem maiores cargas virais (maior quantidade de vírus devido a uma maior replicação).

71% mais transmissível, com mais facilidade de entrar nas células. O que torna a mutação do Reino Unido perigosa?

Corrigido: 60% dos testes positivos para a infeção com SARS-CoV-2