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O facto de no top 20 das cadeias de restaurantes 17 serem americanas não é inesperado: afinal os EUA são a pátria da fast food e, naturalmente, as grandes cadeias de restaurantes nada têm de gourmet. Uma das “intrusas” na hegemonia americana no top 20 é a canadiana Tim Hortons (16.º lugar, com 4846 estabelecimentos), outra é a britânica Costa (18.º lugar, com 3400 estabelecimentos, e que foi adquirida em 2019 pela Coca-Cola Company). Mas a verdadeira outsider no top 20 é a Jollibee (17.º lugar, com 4543 estabelecimentos), com sede nas Filipinas. O seu fundador, Tony Tan Caktiong, nasceu numa humilde família de emigrantes chineses e iniciou-se no ramo explorando uma geladaria em Ciudad Quézon e tem hoje uma fortuna estimada em 1900 milhões de dólares. A fulgurante ascensão de Caktiong não é um caso invulgar entre os fundadores de grandes cadeias de fast food: muitas delas foram obra de um empreendedor de origens modestas que iniciou carreira com um estabelecimento solitário e humilde.

Vale a pena registar que só há duas cadeias da Europa continental no top 100: uma é a espanhola Telepizza (61.º lugar, com 1025 estabelecimentos), a outra é a francesa Brioche Dorée (97.º lugar, com 512 estabelecimentos). O que não quer dizer que a Europa seja pouco receptiva ao conceito de fast food, pois algumas cadeias americanas estão abundantemente representadas no Velho Continente, apesar das ricas tradições culinárias de que os europeus (sobretudo os do Sul) costumam orgulhar-se.

A maioria dos gigantes da restauração têm nomes e histórias empresariais banais, previsíveis e destituídos de identidade – é o caso da Burger King (n.º 5 do ranking), da Pizza Hut (n.º 6), ou da Domino’s Pizza (n.º7) – pelo que ficarão fora da lista abaixo.

McDonald’s

Apesar de a palavra “hamburger” surgir naturalmente associada a “McDonald’s” e “América”, a ideia de colocar uma rodela de carne picada entre duas fatias de pão é muito anterior à abertura do primeiro restaurante dos irmãos Richard e Maurice McDonald, em San Bernardino, Califórnia, em 1940.

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Restaurante dos irmãos Richard e Maurice McDonald, em San Bernardino

Os antecessores do hamburger podem ser encontrados no livro de cozinha romano De re coquinaria, do século I, ou entre os mongóis do século XII. A expressão “bife tártaro”, que designa hoje uma rodela de carne crua picada, com ovo cru e condimentos, provém da associação deste prato aos tártaros, povo nómada de origem turcomana, originário das estepes asiáticas, com afinidades com os mongóis e que Genghis Khan incorporou no seu vasto império. Na verdade, o nome deste povo começou por ser “tatar” (ainda o é em muitas línguas), a partir do persa “tātār” (“mensageiro a cavalo”), mas, uma vez que os europeus travaram contacto com ele da pior forma possível, ao serem alvo, durante a Idade Média, das suas selváticas incursões a cavalo, a influência da palavra grega para “Inferno”, “Tartarus”, acabou por fazer surgir um “r” adicional em “tatar”.

“Mongóis [da Horda Dourada] às portas de Vladimir” (cidade russa 200 Km a leste de Moscovo), por Vasily Maksimov (1844-1911)

Não há provas do vínculo do bife tártaro aos tártaros (a lenda de que estes cavaleiros teriam o hábito de “processar” a carne colocando-a sob a sela, sendo assim lentamente “cozida” em suor de cavalo parece ter pouco fundamento), mas a expressão ficou e, inclusive, a palavra “tártaro” ganhou no meio culinário o valor de substantivo, designando várias receitas com carne e peixe crus.

Resta saber se terá sido por influência mongol/tártara que os russos, que tiveram – contra sua vontade – mais contacto com as hordas de cavaleiros vindos das estepes da Ásia Central do que qualquer outro povo europeu, incorporaram na sua gastronomia o “bife” de carne crua picada. Seja qual for a sua origem, este prato foi transmitido pelos russos aos portos do Báltico com que comerciavam – nomeadamente o de Hamburgo, que albergava uma numerosa comunidade russa.

Emigrantes embarcam em Hamburgo rumo aos EUA

Quando, no século XIX, Hamburgo se tornou no principal porto de embarque para os migrantes germânicos e eslavos que demandavam os EUA, na cidade de Nova Iorque, que era o seu destino principal, os restaurantes conformaram-se aos hábitos da nova leva de migrantes vindos da Europa oriental incluindo nos seus menus o “Hamburg steak”. A primeira menção formal a este surgiu em 1873 no menu do restaurante nova-iorquino Delmonico, com a particularidade de ser duas vezes mais caro do que um bife “normal”. O preço do “Hamburg steak” não tardou a cair – até porque permitia aproveitar restos de carne e era fácil de preparar – e o prato foi ganhando popularidade, agora com a carne a ser cozinhada ou, pelo menos, fumada (com a versão “tártara”, ou seja, crua, a ficar confinada aos descendentes de migrantes alemães).

Cais da Linha Hamburgo-America (HAPAG) em Hoboken, New Jersey, 1915

Faltava dar o passo para converter o “Hamburg steak” no hamburger como hoje o conhecemos – ou seja, entalar a rodela de carne entre fatias de pão – o que terá acontecido na viragem dos século XIX/XX, algures nos EUA. As quezílias entre as terreolas que hoje reivindicam a primazia da “invenção” são ferozes e, inevitavelmente, inconclusivas. A difusão do hamburger pelos EUA só conheceu um entrave quando o sentimento anti-germânico gerado pela I Guerra Mundial levou muitos consumidores a evitar um prato cujo nome evocava os detestados “hunos”, mas esse obstáculo foi removido rebaptizando temporariamente o hamburger como “Salisbury steak”, termo com origem no Dr. James Salisbury (1823-1905), um médico que advogava uma dieta à base de carne e que tinha como um dos seus pilares um prato similar ao “Hamburger steak” (mas sem incluir as fatias de pão).

Imagem actual do local do McDonald’s Bar-B-Que, em San Bernardino: o edifício original foi demolido em 1970 e só foi mantida a sinalética

Regressemos a San Bernardino, em meados da década de 1940: após alguns anos a explorar o McDonald’s Bar-B-Que, os irmãos Richard e Maurice aperceberam-se de que a maior parte das receitas provinha não do barbecue que lhe dava nome mas dos hamburgers, pelo que criaram o “McDonald’s Speedee Service”, que passou pela optimização do funcionamento da cozinha em função do hamburger e suas variantes, em moldes análogos aos de uma linha de montagem industrial, pela eliminação das outras opções do menu, reduzindo este à forma mais simples, e pela implementação de um sistema de self-service.

Menu McDonald’s, 1943

A remodelação, levada a cabo em 1948, passou também por encurtar o nome do estabelecimento para “McDonald’s”. Mas o edifício de San Bernardino rapidamente se tornou insatisfatório face à obsessão com a maximização da produtividade que tomara conta dos irmãos McDonald, levando a que, em 1952, com a ajuda de um arquitecto, concebessem de raiz um edifício e respectivo equipamento, de forma a que todos os detalhes favorecessem a padronização e a eficiência. E foi com esta maqueta em mãos que se lançaram em busca de interessados em abrir franchises do seu restaurante.

O mais antigo restaurante McDonald’s ainda em funcionamento situa-se em Downey, Califórnia. Abriu em 1953 e tem-se mantido praticamente inalterado desde então

As perspectivas de expansão dos irmãos eram limitadas, mas um vendedor de máquinas de fazer batidos que os visitou conseguiu persuadi-los a levar o seu franchise a todo o país. O crescimento inicial foi lento – 34 estabelecimentos até 1958 – mas a partir do início da década de 1960, com a ajuda de uma forte aposta em publicidade (nomeadamente o logótipo dos “arcos dourados” e o palhaço-mascote Ronald McDonald), o negócio ganhou ímpeto: em 1968, as franchises atingiram um milhar. O primeiro McDonald’s fora do território dos EUA abriu em 1967, em Richmond, no Canadá, e em 1971 a operação estendeu-se a Tóquio, Amesterdão e Munique. Em plena Guerra Fria, ninguém seria capaz de prever que 19 anos depois iriam abrir McDonald’s em Moscovo e Shenzen, na China. Estas duas últimas inaugurações, carregadas de valor simbólico, terão levado muita gente – quiçá também Francis Fukuyama – a pensar que “a história terminara” e que o capitalismo e a democracia liberal de modelo ocidental tinham triunfado e iriam dominar até ao fim dos tempos.

Filas junto ao primeiro McDonald’s a abrir portas em Moscovo, 1990

Se olharmos apenas para os números do império McDonald’s até poderíamos ser levados a crer que sim: 37.855 estabelecimentos em 120 países, 1.5 milhões de funcionários, servindo diariamente 69 milhões de clientes, o que faz da empresa a maior cadeia de restaurantes em volume de negócios e o 2.º maior empregador privado do mundo. Até 1994 a McDonald’s fez questão de alardear regularmente o número total de hamburgers vendido desde 1940, mas depois abandonou a prática – as estimativas apontam para que o número atinja actualmente cerca de 300.000 milhões.

McDonald’s em Xi’an, na China. O edifício cujo topo se vê em fundo é a Torre do Tambor, que foi erguida em 1380, no início da dinastia Ming, e é um dos mais emblemáticos monumentos da cidade

Apesar deste sucesso estrondoso e da posição que a McDonald’s ocupa no imaginário planetário (nem sempre pelas melhores razões), a verdade é que os irmãos McDonald’s não só não inventaram o hamburger como não inventaram o conceito de fast food nem a visão da cozinha como linha de montagem, nem a aposta na padronização dos pratos e dos estabelecimentos, conceitos que já eram aplicados pela cadeia White Castle, que abrira o primeiro estabelecimento em 1921. O que deu asas à McDonald’s foi a operação de franchise – os proprietários da White Castle nunca quiseram tomar este rumo (nem contrair empréstimos para expandir a operação) e, embora a cadeia ainda hoje exista, tem “apenas” 420 estabelecimentos, concentrados sobretudo no Kentucky e Tennessee.

Wendy’s

Tal como há quem se entretenha em discutir os méritos (?) comparados dos refrigerantes industriais à base de cola, também há quem escolha uma “dama” na liça das “melhores cadeias de fast food” e esteja disposto a pugnar por ela até à derradeira centelha de vida, numa luta que raramente envolve sangue (a não ser que o hamburger esteja muito mal passado) e que, no século XXI, se transferiu para o lamaçal das redes ditas sociais).

A Wendy’s ocupa, há décadas, o 3.º lugar no ranking das cadeias de hamburgers (com um total de 6700 estabelecimentos), é ela que costuma reunir mais paladinos entre os combativos e assertivos gourmets que se expressam no espaço público sobre estes magnos assuntos, talvez numa reacção, mais ou menos consciente, para afirmar a sua individualidade e discernimento face à “manada” que prefere “o óbvio” – a McDonald’s e a Burger King.

Há um domínio em que a Wendy’s goza de superioridade indiscutível sobre as suas rivais: o seu menu inclui os mais poderosos produtos de entupimento de artérias criados pela humanidade. Animada pelo sucesso do Baconator, um hamburger com um conteúdo energético de 950 Calorias lançado em 2007 como parte de uma agressiva campanha para conquistar o escalão etário dos 18 aos 34 anos, a marca criou o Triple Baconator: são três rodelas de carne picada (c.350 gramas), nove tiras de bacon, queijo, maionese e ketchup, perfazendo 1360 Calorias, das quais 820 correspondem a gorduras; não inclui alface, tomate ou qualquer vegetal, nem instruções sobre como abocanhar o “item” sem deslocar a maxila. Face a este titã, a Burger King fica-se pelas 1090 calorias do Triple Whopper com queijo e a McDonald’s fica-se pelas 860 Calorias do Grand Mac.

Triple Baconator: Monumento à glutonaria

A Wendy’s foi fundada em 1969 por Dave Thomas, em Columbus, Ohio, e o seu nome provém do nome dado em família a uma das suas filhas, Melinda Lou Thomas, então com oito anos, cujo rosto figura (supostamente) no logótipo da marca; os outros quatro filhos poderão ter-se sentido desconsiderados, mas Thomas alega que os outros nomes não tinham apelo comercial.

A Wendy’s é a n.º 3 entre as cadeias de hamburgers e a 12.ª maior cadeia de restauração mundial, com um total de 6500 estabelecimentos. Fora dos EUA e do continente americano, a Wendy’s raramente inflama paixões e todas as tentativas da marca para se estabelecer na Europa – Alemanha, Espanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Países Baixos, Reino Unido e Suíça – redundaram em fiasco e o mesmo aconteceu na África do Sul, Austrália, Brasil, Coreia do Sul, Israel, Malásia e Turquia.

Um Wendy’s em Dublin, Ohio, EUA

Kentucky Fried Chicken

Há muitos anos, antes de a restauração de ter tornado o reino da prosápia, do snobismo e da logorreia artificiosa e de o chef ser idolatrado como um misto de rock star, guru e filósofo, as técnicas necessárias à confecção de alimentos eram adquiridas não em pomposas academias ou em workshops com chefs Michelin mas na dura tarimba da vida. Harland David Sanders, nascido perto de Henryville, Indiana, em 1890, viu-se obrigado a aprender a cozinhar quando, após o pai ter falecido, tinha ele cinco anos, a mãe teve de arranjar emprego numa fábrica e Harland ficou com a responsabilidade de cuidar de si e dos seus irmãos enquanto a mãe estava fora.

As vicissitudes da vida impediram que Harland desenvolvesse de imediato os seus precoces talentos culinários: foi criado de lavoura, pintou carroças, prestou serviço militar como arrieiro (falsificou a data de nascimento para se alistar, pois tinha apenas 16 anos), trabalhou como ferroviário (tinha por função remover as cinzas da fornalha da locomotiva) e bombeiro, exerceu advocacia após ter estudado Direito por correspondência, vendeu apólices de seguro, operou um ferry boat no Rio Ohio, tornou-se fabricante de lâmpadas de acetileno, vendeu pneus para a Michelin (a marca que dá nome ao célebre guia de restaurantes) e trabalhou em bombas de gasolina. Em 1930, após ter visto a bomba anterior fechar em resultado da Grande Depressão, ficou responsável por uma bomba da Shell na Route 25, perto de North Corbin, no Kentucky, e começou a servir refeições – com ênfase no frango frito – aos viajantes que iam abastecer-se de gasolina.

A fama do seu frango frito, preparado de acordo com uma “receita secreta” envolvendo 11 especiarias e ervas aromáticas, ganhou projecção nacional quando, em 1939, o crítico gastronómico Duncan Hines incluiu três ou quatro linhas telegráficas (mas elogiosas) ao “Sanders Court and Café” no seu guia de restaurantes Adventures in Good Eating.

Sanders Court and Café, em Corbin, Kentucky

Entretanto, em 1932, Ruby Lafoon, Governador do Kentucky, conferiu a Sanders o título de “coronel” por que ficaria conhecido para a posteridade; este não tem, todavia, qualquer conotação militar, era apenas uma distinção honorífica conferida a alguém que prestou serviços relevantes na comunidade – e Lafoon tinha um entendimento tão liberal dos “serviços relevantes” que durante o seu mandato “nomeou” mais de 5000 “coronéis”.

A actividade do “coronel” Sanders na restauração foi prosseguindo com altos e baixos, até que, em 1952, surgiu a primeira franchise da sua receita secreta de frango frito, em South Salt Lake, no Utah, gerida por um certo Peter Harman.

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A primeira franchise KFC, em South Salt Lake, ainda está em funcionamento

O sucesso desta franchise levou a que outros proprietários de restaurante adquirissem os direitos da Kentucky Fried Chicken – marca entretanto criada por um pintor de tabuletas a quem Harman encomendara a sinalética para o seu restaurante – e Sanders fechou o seu restaurante para se consagrar em exclusivo a promover a franchise KFC, que lhe rendia 4 cêntimos por cada frango vendido pelo concessionário. Com tanto empenho o fez que no início dos anos 60 a KFC tinha já 600 franchises. Em 1964, o “coronel” Sanders vendeu a corporação KFC, mas manteve-se como “embaixador” da marca. Convirá por esta altura esclarecer que a “receita secreta” da KFC nada tem a ver com a culinária tradicional do Kentucky – a escolha do nome foi apenas motivada por o Kentucky ser um estado do Sul e de haver no imaginário americano uma associação primária entre “Sul” e “hospitalidade”.

Após ter passado pelas mãos de numerosos proprietários, como a R.J. Reynolds (tabacos) e a PepsiCo., a KFC é hoje uma subsidiária do mega-conglomerado da restauração Yum! Brands e tem uma facturação de 26.000 milhões de dólares e 24.100 franchises espalhados por 150 países, o que faz dela a 4.ª maior cadeia de restauração do mundo. O número de franchises na China (4563) já supera o dos EUA (4491), o que poderá ser interpretado como uma ameaça à segurança nacional quer pela China quer pelos EUA.

Franchise KFC em Hohhot, Mongólia Interior, China

Taco Bell

O facto de a Taco Bell não ser acusada de “apropriação cultural” – uma queixa hoje corrente e que diz respeito à “usurpação”, “plágio” ou “aproveitamento” de elementos de uma cultura minoritária e oprimida por uma cultura dominante (quase sempre com a pele mais clara) – sugere que a comida servida nesta cadeia de restaurantes está tão distante da genuína gastronomia mexicana que a nenhum um mexicano ou descendente de mexicanos passaria pela cabeça que pudesse haver sobreposição entre os dois mundos.

A marca teve origem em Glen Bell (1923-2010), proprietário do Bell’s Drive-In, em San Bernardino, Califórnia, que, na viragem dos anos 40-50, ficou intrigado ao constatar que os clientes preferiam os tacos do restaurante mexicano do outro lado da estrada aos seus cachorros-quentes. Comprou alguns tacos à concorrência para tentar descobrir como confeccioná-los (nota para os mais novos: na altura não existiam tutorials do YouTube), mas não teve sucesso e o que lhe valeu foi que os donos do restaurante mexicano, num acto de generosidade, lhe revelaram os ingredientes e o processo. Bell lançou-se no ramo dos tacos em 1951, sob o nome Taco-Tia, depois alterado para El Taco – em 1962, abriu o primeiro Taco Bell e cinco anos depois a cadeia comemorava a abertura do 100.º estabelecimento.

A empresa foi comprada em 1978 pela PepsiCo, que a vendeu, em 1997, juntamente com os seus outros interesses na restauração, à Yum! Brand, que detém igualmente a KFC e a Pizza Hut. A Taco Bell possui hoje 7000 estabelecimentos em todo o mundo, a maioria em regime de franchise; o país europeu em que tem maior implantação é Espanha, com 67 estabelecimentos.

Starbucks

O que tem o café a ver com a caça à baleia? Nada: o nome “Starbucks” foi pedido emprestado à personagem do imediato do baleeiro Peqod, no Moby-Dick de Herman Melville, apenas porque soou bem aos três sócios que, em Seattle, em 1971, decidiram abrir uma loja destinada a vender café em grão. Os três sócios, ex-colegas na Universidade de São Francisco, tinham um background bem distante do mundo dos cafés (e da caça à baleia) – Jerry Baldwin era professor de inglês, Zev Siegl era professor de história e Gordon Bowker era escritor – mas tinham sido seduzidos pelos ensinamentos recebidos de Alfred Peet (1920-2007), um perito em café que se estabelecera em Berkeley, na Califórnia, onde, em 1966, fundara a Peet’s Coffe and Tea, uma firma de torrefacção e comercialização de café, e que os estudiosos deste ramo celebram como “o holandês que ensinou a América a beber café”.

O interior da primeira loja da Starbucks, em Seattle, em 1977

Em 1982, a Starbucks, que prosperara lentamente e já abrira mais cinco lojas em Seattle, contratou Howard Schultz como director de retalho e marketing, e, inspirado pela popularidade dos cafés de estilo europeu que constatara numa visita a Itália, Schultz tentou convencer a Starbucks a diversificar o seu negócio para a venda de café-bebida (ver De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 17: O alimento-dos-deuses e a seda-das-fadas). Porém, crendo que o público dos EUA entendia o café essencialmente como uma bebida que se prepara e toma em casa, os sócios da Starbucks deliberaram que deveriam manter-se focados na venda de café em grão, chá e especiarias, orientação que reforçaram, em 1984, com a aquisição da Peet’s Coffe and Tea, que detinha então quatro lojas.

Porém, Schultz estava convencido de que a venda de café expresso era uma área com imenso potencial nos EUA, pelo que deixou a Starbucks para se lançar por conta própria, fundando em 1986 a sua primeira loja, a que deu o nome Il Giornale. A cadeia Il Giornale conheceu um crescimento tão rápido que em 1988 Schultz estava em posição de adquirir a Starbucks aos seus fundadores, que preferiram concentrar-se nas lojas da Peet’s Coffe and Tea. É certo que a Peet’s prosperou – tem hoje 5000 empregados – mas a Starbucks (que tomou o lugar da marca Il Giornale) converteu-se na maior cadeia de cafés e na 3.ª maior cadeia de restauração do mundo, com 300.000 empregados, 30.000 estabelecimentos em todo o mundo (14.000 nos EUA) e representando 57% do mercado global de café (67% nos EUA).

Tal como o nome da Starbucks, também o seu logótipo nada tem a ver com cafés e foi escolhido apenas porque “ficava bem”. Quando do nascimento da firma, em 1971, representava claramente uma sereia de duas caudas, inspirada numa gravura medieval, mas as sucessivas revisões do design – a última das quais data de 2011 – obscureceram a natureza da sereia e quem não conheça a história do logótipo dificilmente identificará os dois elementos decorativos que rodeiam o rosto como duas caudas.

A verdade é que algumas das bebidas da Starbucks também têm pouco a ver com café: uma das mais recentes adição ao menu é o Strawberry Funnel Cake Frappucino Grande, cujos 470 ml contém 410 calorias, 44% das quais correspondentes a gorduras.

Costa Coffee

O nome Costa remete para o mundo latino e, com efeito, os irmãos Bruno e Sergio Costa, que fundaram em 1971, em Londres, uma empresa de distribuição de café, são filhos de imigrantes italianos no Reino Unido. A empresa abriu a sua primeira cafetaria em 1978 e em 1995, quando já tinha 41 estabelecimentos, foi adquirida pela Whitbred, o maior operador britânico na área da hotelaria e restauração, que a vendeu em 2019 à Coca-Cola Company. Actualmente a Costa possui um total de 3400 estabelecimentos em 31 países, o que faz dela a 2.ª maior cadeia de cafetarias do mundo (atrás da Starbucks), a maior cadeia de cafetarias do Reino Unido (onde possui 2100 estabelecimentos) e a 18.ª maior cadeia de restauração do mundo.

Subway

Qual é a maior cadeia de restauração do mundo? A esmagadora maioria das pessoas responderá MacDonald’s mas os 38.700 estabelecimentos desta são superados pelos 41.500 da Subway, uma empresa fundada em Bridgeport, Connecticut, em 1965 por Fred DeLuca, com um modesto financiamento de 1000 dólares, emprestados por Peter Buck, um médico amigo da família DeLuca. Fred, que tinha apenas 17 anos, tinha uma ambição relativamente modesta: que o seu negócio de sanduíches gerasse proveitos suficientes para lhe pagar um curso de medicina. O estabelecimento começou por chamar-se Pete’s Super Submarines, numa alusão ao financiador e à forma e dimensões das sanduíches, que consistiam em duas longas fatias de pão, cortadas longitudinalmente e recheadas com diversos ingredientes (conhecidas em língua inglesa por “submarines” ou “subs”).

Uma sanduíche-submarino da Subway

As sanduíches longas têm inúmeros fãs, mas os nomes longos são pouco recomendáveis para efeitos de marketing, pelo que em 1968 a empresa trocou Pete’s Super Submarines pelo presente nome. Se este não oferece discussão, já o material usado na confecção dos “submarinos” tem sido, recentemente alvo, de discussões terminológicas.

Uma delas subiu até ao Supremo Tribunal da Irlanda: este concluiu, no final de Setembro passado, que o pão usado nas sanduíches da Subway (ou melhor, da Bookfinders, a franchise irlandesa da Subway) tem demasiado açúcar para poder ser considerado pão (representa 10% do peso da farinha, quando a definição legal de pão requer que a fracção de açúcar seja inferior a 2% da farinha). Claro que esta disputa, que se arrastava desde 2006, extravasa o campo do rigor vocabular e entra no domínio da fiscalidade, uma vez que pão e bolos têm taxas de IVA diferentes. Em Janeiro de 2021, foi a vez de dois cidadãos californianos apresentarem uma acção judicial alegando que o uso da designação “sanduíche de atum” pela Subway é enganador, pois estas sanduíches não contêm atum, mas um preparado que imita a sua aparência.

Estas polémicas podem parecer não ser mais do que preciosismos de linguagem, mas têm o mérito de revelar a insidiosa estratégia da indústria de fast food, que, sendo indiscutivelmente “fast”, tem uma relação cada vez mais remota com a “food”. Claro que a indústria é astuta, mas a verdade é que as suas moscambilhas não seriam possíveis sem a cumplicidade dos seus clientes, que aceitam de bom grado contentar-se com simulacros de comida, desde que sejam servidos em doses opulentas – a ilusão de fartura é central na estratégia das cadeias de fast food, e não é por acaso que os seus hamburgers e sanduíches tendem a assumir formatos gargantuescos que excedem a extensão máxima de abertura das mandíbulas do Homo sapiens; são muito pouco práticos e obrigam o consumidor a fazer figuras boçais, mas enviam à parte crocodiliana do cérebro uma mensagem de abundância.

O Double Quarter Pounder with Cheese da McDonald’s pode, à primeira vista, ter sido concebido para as mandíbulas de um crocodilo ou de um hipopótamo

Arby’s

É quase desconhecida em Portugal, onde teve efémera representação no final da década de 1990, altura em que a empresa encerrou muitas das suas operações fora dos EUA. Porém, é a 2.ª maior cadeia de sanduíches do mundo, a seguir à Subway, em termos de número de estabelecimentos (3300) e a 3.ª maior em termos de receitas.

Arby’s em Sunset Boulevard, Los Angeles

Há quem creia que o seu nome provém da pronúncia inglesa das letras “RB”, que seriam as iniciais de “roast beef”, uma vez que as sanduíches de “roast beef” são o seu produto mais emblemático. A primeira parte da suposição está correcta, mas “RB” vem antes de “Raffael Brothers”, uma vez que a empresa foi fundada, em 1964, em Boardman, Ohio, pelos irmãos Forrest e Leroy Raffael. O logótipo inicial da Arby’s era um chapéu de cowboy estilizado, o que fazia sentido, dado que a marca apostou desde o princípio nas sanduíches de “roast beef”; porém, como ocorre amiúde quando “marqueteiros” e CEOs se juntam para tomar decisões, deixou de ser reconhecível como tal logo na primeira alteração de imagem em 1969.

Evolução do logótipo da Arby’s

A Arby’s pode orgulhar-se de ter concebido um dos mais ribombantes hinos à alarvidade: quem queira deglutir a Meat Mountain Sandwich precisa de possuir mandíbulas de serpente (a própria Arbys’s a descreve como “ridiculamente alta”) e a voracidade de um diabo-da-tasmânia. Os seus “pisos” são constituídos por vários tipos de carne (vaca, peru, frango, presunto e bacon) e queijos e contêm 87 gramas de proteínas, 58 gramas de carbo-hidratos e 51 gramas de gordura, 225 mg de colesterol (75% da dose diária máxima recomendada), 3640 mg de sódio (158% da dose diária máxima recomendada) e 1030 calorias (a dose diária máxima recomendada para adultos é de 1600-2400 calorias para mulheres e de 2000-3000 para homens); as gorduras saturadas são 20 gramas, o que representa praticamente a dose máxima recomendada.

A Meat Mountain Sandwich da Arby’s

Dunkin’ Donuts

Tem actualmente 12.5000 estabelecimentos, o que faz dela a 8.ª maior cadeia de restauração do mundo. Nasceu em 1948 como um estabelecimento que servia café e donuts em Quincy, Massachusetts – o seu nome era então Open Kettle (algo como “cafeteira aberta”), mas foi alterado dois anos depois para Dunkin’ Donuts, supostamente associado ao hábito de se molhar (“to dunk”, em inglês) o donut no café antes de o comer. O negócio da venda de franchises começou em 1955. Apesar de se ter celebrizado pela combinação de donuts com café, em 2019 a marca passou a identificar-se apenas como Dunkin’, talvez por a tendência da “alimentação saudável” ter levado a que muitos clientes terem começado a olhar para os donuts com suspeição.

Foi aqui, em Quincy, Massachusetts, que nasceu em 1948 o que viria a ser o 1.º estabelecimento da Dunkin’ Donuts

Little Caesar’s

Com 4800 estabelecimentos, é a 3.ª maior cadeia de pizzarias dos EUA e a 17.ª maior cadeia de restauração do mundo. O primeiro estabelecimento abriu em 1959 em Garden City, um subúrbio de Detroit, pela mão de Mike Ilitch e da sua esposa Marian, ambos filhos de imigrantes macedónios, e tinha o nome “Little Caesar’s Pizza Treat”, a partir da alcunha que Marian dava ao esposo. O logótipo, surgido em 1959, foi desenhado num guardanapo por um amigo do casal Ilitch. Hoje a Little Caesar’s está espalhada por vários continentes, mas não tem representação na Europa.

Little Caesar’s em Marquette, Michigan, EUA

Nando’s

A Nando’s é a 62.ª maior cadeia de restauração do mundo e tem duas particularidades: é a 1.ª companhia africana na lista e tem uma (superficial) conexão portuguesa, patente no logótipo com o Galo de Barcelos. Foi fundada em 1978 em Rosettenville, um subúrbio de Johannesburg, na África do Sul, pelo moçambicano Fernando Duarte e pelo sul-africano Robert Brozin, e a sua especialidade é o frango de piripiri, condimento em cuja difusão os portugueses tiveram papel relevante (ver De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 11: Grãos-do-paraíso e bafo-de-dragão). A empresa, cujo nome provém do diminutivo de Fernando, tem hoje mais de 1000 estabelecimentos em 35 países, com os maiores núcleos na África do Sul (340 restaurantes) e, inesperadamente, no Reino Unido (400 restaurantes e 8000 empregados).

Rooster of Barcelos vs. Ronald McDonald: Na “praça da alimentação” do centro comercial White Rose, em Leeds, Grã-Bretanha, um Nando’s disputa clientela com um MacDonald’s

Baskin-Robbins

A maior cadeia de geladarias do mundo, que abrange um total de 8000 estabelecimentos (em regime de franchise), teve origem em duas modestas geladarias que abriram em 1945-46 na Califórnia, a Burton’s Ice Cream Shop de Burt Baskin (1913-1967), em Pasadena, e a Snowbird Ice Cream de Irv Robbins (1917-2008), em Glendale.

Baskin começara por ter uma loja de roupa masculina, mas Robbins, que começara, ainda adolescente, a trabalhar na geladaria do pai, em Tacoma, Washington, convenceu Baskin, que era seu cunhado, a mudar de ramo. Ambos apostaram na diversificação de sabores, numa época em que os gelados apenas costumavam apresentar a opção baunilha ou chocolate, e quando juntaram os seus negócios, em 1948, as suas geladarias ofereciam um inaudito total de 31 sabores. Estes 31 sabores foram, durante muito tempo, o eixo da publicidade da marca e ainda hoje estão patentes no logótipo, onde o “B” e o “R” podem ser lidos também como “31”, ainda que hoje esse atributo tenha perdido significado, não faltando geladarias cujo cardápio inclui dezenas de sabores, alguns assaz extravagantes.

Em 1970, a Baskin-Robbins ainda tentava tirar partido dos seus “Míticos” 31 sabores, ao anunciar um 32.º sabor-mistério

Em 1967, Baskin faleceu e Robbins vendeu o negócio à United Brands (antiga United Fruit), e desde então a marca mudou de mãos numerosas vezes, sendo presentemente propriedade da Inspire Brands. John Robbins (n.1947), filho de Irv, chegou a trabalhar na Baskin-Robbins, mas deixou esta para se consagrar a uma causa contrária ao negócio da família: tornou-se militante do veganismo, dos direitos animais e das dietas sustentáveis e adversário da agro-indústria e publicou em 1987 o influente livro-manifesto Diet for a new America.